Faleiro, Rui (Ruy Falero, Rui Falero, Rodrigo Faleyro)

n. Covilhã?  — 1544                                                       

Palavras-chave: Expansão marítima, navegação, cosmografia, Sevilha. 

DOI: https://doi.org/10.58277/LHYY8202

Rui Faleiro foi um cosmógrafo português do século XVI que, como o seu irmão Francisco Faleiro, trabalhou para a Coroa espanhola desde 1517, ou 1518, até ficar doente, facto que aconteceria pouco tempo depois. Rui partiu para Espanha com o grupo de portugueses, liderado por Fernão de Magalhães, que apresentou ao rei espanhol Carlos I (também conhecido como Carlos V do Sacro Imperio Romano Germânico) o projeto de circum-navegação do globo que acabaria por se materializar entre 1519 e 1522. Os irmãos Faleiro, e especialmente Rui, ocuparam um papel fulcral na preparação científica desta viagem. 

Rui Faleiro teve uma considerável reputação como perito em temas técnicos relacionados com a cosmografia e a navegação, assim como com a construção de instrumentos náuticos, tais como astrolábios e quadrantes. Escreveu ainda alguns documentos sobre O Regimento da Altura de Leste-Oeste para a expedição de Magalhães. Embora existam poucos dados sobre a sua vida, sabemos que pertenceu à Ordem de Santiago, que foi casado com a portuguesa Eva Alonso e que sofreu, ao pouco de chegar a Sevilha, duma aguda doença mental. Segundo as crónicas da altura, e outra documentação de arquivo, Rui tornou-se mentalmente insano pois “tinha perturbadas as suas faculdades mentais” e andava “fora do seu juízo natural” pouco tempo antes da partida da viagem, motivo pelo qual acabou por ficar em Sevilha com o seu irmão, que passaria a tomar conta dele. Argensola escreveu que, uma vez perdido seu o juízo, Rui ficou na casa dos loucos de Sevilha. No seu lugar embarcou o piloto Andrés de San Martín.

A doença de Rui propiciou um amargo confronto entre a sua mulher, Eva Alonso, e o seu irmão Francisco. Os dois mantiveram um litígio que demorou vários anos no qual ambos lutaram para cuidarem do doente, assim como para disporem da sua pensão anual, que atingia os 50.000 maravedís (antiga moeda espanhola) pelos serviços prestados à Casa de la Contratación, e outros direitos económicos derivados, por exemplo, da Ordem de Santiago. Se desconhece o facto pelo qual o cartógrafo da Casa e compatriota dos Faleiro, Diogo Ribeiro, testemunhou neste conflito em favor de Eva Alonso. A discórdia esteve aberta grande parte da década dos anos vinte do século XVI. 

Os diversos documentos que hoje se podem consultar sobre a primeira volta ao mundo capitaneada por Magalhães colocam Rui Faleiro como um dos principais capatazes técnicos da preparação da viagem. Esta ideia fica confirmada quando lemos, nos papéis relativos às despesas que a Coroa gastou em cartas náuticas e em outros instrumentos náuticos, que Rui ordenou a Nuño García de Toreno a construção de sete cartas de marear para a viagem. García de Toreno foi uns dos primeiros cartógrafos da Casa de la Contratación de Sevilha e, sem dúvida, o principal fabricante de cartas para a expedição de 1519. Além deste dado, vários cronistas espanhóis da altura como Bartolomé de las Casas, Antonio de Herrera ou Bartolomé Leonardo de Argensola se referiram à autoridade científica de Rui nas suas obras quando escreveram sobre o material científico que Magalhães levava consigo para persuadir a Carlos V dos efeitos positivos da sua viagem. Segundo as palavras de Argensola no seu livro Conquista de las islas Malucas (1609), Magalhães tentou convencer o rei espanhol apoiando-se “nos escritos e autoridade de Ruy Faleiro português, astrólogo judiciário”. 

No que respeita aos “escritos,” Argensola talvez se referisse aos trabalhos de Faleiro sobre o regimento da altura de leste-oeste. Além de encarregar, e ele próprio construir, instrumentos para a viagem, Rui trabalhou também na composição de um regimento onde propunha diferentes procedimentos para a determinação da longitude, um dos problemas que, juntamente com o problema da declinação magnética, mais preocupavam a expedição e ao próprio Faleiro. Nos documentos pertencentes a Rui Faleiro, conservados no Archivo General de Indias, e que o historiador Avelino Teixeira da Mota estudou, o cosmógrafo português ofereceu três métodos diferentes para o cálculo da longitude, isto é, através da declinação da agulha, por meio da latitude da Lua, e pelas conjunções e oposições da Lua com o Sol e com outros astros.

A documentação existente revela ainda um outro problema pessoal de Rui Faleiro, desta vez com a justiça portuguesa. Numa viagem ao seu país para visitar os seus pais Rui foi preso por ordem do rei de Portugal. O facto de ter abandonado o seu país para prestar serviço a outra nação sobre assuntos tão politicamente sensíveis como expedições marítimas relacionadas com a expansão era considerado, segundo o regime monárquico da altura, alta traição. Rui dirigiu pessoalmente um pedido, numa carta em latim datada de 1520, ao Cardeal de Tortosa para que o rei de Espanha intercedesse por si. Finalmente, foi posto em liberdade, voltando depois a Sevilha, onde terá falecido em meados dos anos quarenta.   

Antonio Sánchez
Universidad Autónoma de Madrid

Arquivos

Sevilha, Archivo General de Indias

Indiferente, 737, N.15.; Indiferente, 415, L.1, f. 18v-20r; Indiferente, 421, L.12, f. 110r-110v; Indiferente, 421, L.11, f. 166v; Indiferente, 421, L.12, f. 156r-156v; Indiferente, 421, L.12, f. 18v-20r; Indiferente, 419, L.7, f. 797v-798r; Indiferente, 420, L.8, f. 127v-128r; Indiferente, 421, L.12, f. 311r; Indiferente, 1963, L.7, f. 191r-191v; Indiferente, 421, L.11, f. 296r-296v; Indiferente, 421, L.12, f. 132r-132v; Indiferente, 421, L.12, f. 70v (2); Indiferente, 1961, L.2, f. 7-8; Indiferente, 1952, L.1, f. 48v-49; Indiferente, 421, L.13, f. 279v-280r; Indiferente, 419, L.7, f. 741r-742r; Indiferente, 419, L.7, f. 779r-779v; Indiferente, 419, L.7, f. 709v; Indiferente, 420, L.9, f. 73r (1); Indiferente, 420, L.8, f. 38r-38v; Indiferente, 419, L.7, f. 710v; Indiferente, 420, L.8, f. 101v (2); Indiferente, 420, L.9, f. 73r (2).

Justicia, 1161, N.2; Justicia, 704, N.2.

Patronato, 34, R.3; Patronato, 34, R.12; Patronato, 34, R.22; Patronato, 251, R.11;Patronato, 34; Patronato, 276, N.3, R.69; Patronato, 34, R.19; Patronato, 34, R.8;Patronato, 34, R.7; Patronato, 34, R.1.

Contratación, 5784, L.1, F.29V; Contratación, 5090, L.4; Contratación, 5784, L.1, F.29.

Panamá, 233, L.1, f. 203r-203v; Panamá, 233, L.1, f. 249r.

Obras

Faleiro, Rui. O Regimento da Altura de Leste-Oeste de Rui Faleiro: Subsídios para o Estudo Náutico e Geográfico da Viagem de Fernão de Magahlães, d.- por Avelino Teixeira da Mota. Lisboa: Edições Culturais de Marinha, 1986.

Fernández de Navarrete, Martín. Colección de los viajes y descubrimientos que hicieron por mar los españoles desde fines del siglo XV, Tomo IV: 179–180. Madrid: Imprenta Real, 1825–37.

Bibliografia sobre o biografado

Argensola, Bartolomé Leonardo de. Conquista de las islas Molucas. Madrid: Alonso Martin, 1609. 

Laguarda Trias, Rolando A. “Las longitudes geográficas de la membranza de Magallanes y del primer viaje de circunnavegación.” In A viagem de Fernão de Magalhães e a questão das Molucas, ed. Avelino Teixeira da Mota, 135–178. Lisboa: Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1975.

Teixeira da Mota, Avelino. “O Regimento da altura de Leste-Oeste de Rui Faleiro.” Boletim Geral do Ultramar 28 (1953): 163–171. 

Teixeira da Mota, Avelino. “Contribuição dos irmãos Rui e Francisco Faleiro no campo da náutica em Espanha.” In A viagem de Fernão de Magalhães e a questão das Molucas, ed. Avelino Teixeira da Mota, 315–341. Lisboa: Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1975.

Toribio Medina, José. El descubrimiento del Océano Pacifico. Hernando de Magallanes y sus compañeros. Santiago de Chile: Imprenta Elzeviriana, 1920.

Faleiro, Francisco

n. Covilhã? — m. 1576

Palavras-chave: Expansão marítima, navegação, cosmografia, Casa de la Contratación. 

DOI: https://doi.org/10.58277/XFJO7282

Francisco Faleiro (Falero na sua forma castelhanizada) foi um cosmógrafo português do século XVI que desenvolveu a sua atividade científica em Sevilha na Casa de la Contratación, o principal centro de ciência aplicada em Espanha neste período sustentado pela Coroa. Faleiro ocupou um papel destacado no âmbito da náutica vinculado à expansão marítima nas décadas centrais de quinhentos, especialmente como autor do Tratado del esfera y del arte del marear, con el regimiento de las alturas, con algunas reglas nuevamente escritas muy necessárias, publicado em espanhol em Sevilha em 1535; e também pelo seu contributo em diversos debates científicos e diplomáticos surgidos dentro da mencionada instituição sevilhana. Estes foram, entre outros a construção e atualização do Padrón Real (Padrão Real), o principal modelo cartográfico da Casa; a utilidade das cartas náuticas de dupla ou de múltiplas graduações (isto é, desenhadas com duas ou mais escalas de latitudes) fabricadas por Diego Gutiérrez nos anos quarenta; ou a reabertura das discussões ao redor do velho problema da localização do antemeridiano. No âmbito pessoal, Francisco Faleiro foi casado com María Manrique, pertencente a uma família sevilhana relativamente abastada. Não se conhece descendência do seu matrimónio.

São poucos os dados que se conhecem da vida de Francisco Faleiro, assim como da vida do seu irmão Rui Faleiro, também cosmógrafo. Como muitos outros portugueses nas primeiras décadas do século XVI, ambos chegaram a Sevilha vindos de Portugal no ano de 1517 ou 1518 no contexto do projeto ultramarino de Fernão de Magalhães. Este projeto, de atingir as Ilhas Molucas (também conhecidas como as ‘Ilhas das Especiarias’) por Ocidente, finalmente seria aceite pelo rei de Espanha, Carlos I (Carlos V do Sacro Imperio Romano Germânico). Este exílio português em Sevilha estava diretamente relacionado com as possibilidades que se abriam às pessoas vinculadas com o mundo marítimo perante a expansão Europeia. A cidade de Sevilha, e especialmente a Casa de la Contratación, eram lugares onde um perito em assuntos de náutica e cosmografia podia construir um futuro. Desde a sua chegada à cidade espanhola Faleiro esteve envolvido, junto com o seu irmão e outros compatriotas, como o cartógrafo Diogo Ribeiro, na preparação da primeira circum-navegação ao globo, a expedição de Magalhães-Elcano, que teve lugar entre 1519 e 1522. 

Faleiro desenvolveu a maior parte da sua vida profissional, se não toda, em Sevilha. A partir de 1518, e durante as décadas seguintes, ficou associado a tarefas náuticas efetuadas no contexto da Casa de la Contratación, como a supervisão da preparação de frotas ou a avaliação de instrumentos de navegação, trabalhos pelos quais acabaria recebendo 35,000 maravedís (antiga moeda espanhola) anuais que mais tarde aumentaram para 50,000 maravedís.

Em 1531, depois de mais de uma década ao serviço da Coroa espanhola, Francisco Faleiro solicitou, numa memória dirigida ao rei, ajuda económica para ele e para o seu irmão pelos serviços prestados como cosmógrafos. As necessidades económicas dos Faleiro e o desespero era tão grande que Francisco intimidou Carlos V que deixaria o país e iria servir outro monarca. O rei aceitou o pedido de Francisco e a partir desse ano foram enviadas várias cartas reais aos oficiais da Casa para executarem pagamentos aos Faleiro pelos seus serviços. Antes desta memória, a relação entre os Faleiro e a Coroa foi difícil. Segundo o acervo documental conservado no Archivo General de Indias, em Sevilha, houve uma ordem real onde se proibia que os irmãos Faleiro fizessem parte da armada de Magalhães. Francisco parece ter respondido a essa ordem ao não ter entregado os seus estudos sobre a determinação da longitude para a viagem a Magalhães, como se tinha comprometido.  

Em 1535, Faleiro publicou a única obra da sua autoria que se conhece, o Tratado del esfera y del arte del marear, dando assim início, junto com a Suma de geografia de Martín Fernández de Enciso, publicada também em Sevilha em 1519, a uma prolífica produção de tratados de navegação e cosmografia em vernáculo. Estes tratados, como os redigidos por Pedro de Medina, Martín Cortés, Juan Escalante de Mendoza, Rodrigo Zamorano ou Andrés García de Céspedes, entre outros, foram rapidamente traduzidos noutras línguas europeias e tiveram um impacto significativo a partir da segunda metade do século XVI em diante. Os livros de navegação como estes tinham um estilo muito particular. Os temas de carácter teórico que tratavam, por exemplo, teorias cosmográficas, rudimentos de astronomia geralmente baseados noTratado da Esfera de Sacrobosco, regras matemáticas ou o uso de instrumentos náuticos, eram explicados de uma forma sequencial semelhante aos manuais e livros de regras dos artesãos. Tratavam-se de livros que abordavam problemas específicos com objetivos muito pragmáticos, como sejam formar pilotos e outros marinheiros. Os conteúdos eram organizados como uma série de instruções para utilização prática dos navegantes.

Tratado de Faleiro mereceu a aprovação do prestigiado professor de astrologia da Universidade de Salamanca, o Doutor Salaya. O livro foi dedicado ao presidente do Consejo de Indias, Dom García Fernández Manrique y Toledo. Trata-se de um tratado de navegação dividido em duas partes claramente distintas. A primeira delas, como era habitual neste género, oferece uma versão estandardizada e simplificada da Esfera de Sacrobosco. A segunda é um guia prático dedicado à arte de navegar, onde se destacam essencialmente os capítulos destinados à declinação magnética e os métodos e instrumentos por ele sugeridos para a obtenção do valor da declinação através de observações solares. Merecem ainda uma menção especial o sexto capítulo desta segunda parte, dedicado ao ‘regimento de las alturas del sol’ (regimento das alturas do Sol) e o capítulo oitavo sobre a declinação da agulha magnética, tema que também interessou a Rui Faleiro. É neste capítulo que Francisco introduz um novo instrumento em forma de placa circular e quatro métodos diferentes para a obtenção do valor da declinação.

Vários exemplares da obra de Faleiro podem encontrar-se hoje em bibliotecas espanholas, entre elas a Biblioteca Nacional de Espanha (Madrid), o Museu Naval de Madrid, a Biblioteca Universitária de Salamanca e a Biblioteca Geral de Navarra (Pamplona). Existem diversas edições da obra, todas elas fac-similes, produzidas ao longo do século XX. O historiador português Joaquim Bensaúde publicou uma edição em 1915, no quarto volume da sua Histoire de la science nautique portugaise à l’époque des grandes découvertes: collection de documents publiés par ordre du Ministère de l’Instruction Publique de la République Portugaise. Só mais tarde apareceram as edições de Rafael Arroyo (1989), de Timothy Coates (1997) e de José Ignacio González-Aller Hierro (em CD-ROM, 1998). O referido capítulo oitavo da obra foi traduzido para língua inglesa em 1943. 

No mesmo ano da publicação do seu tratado, Faleiro seria chamado para examinar os instrumentos náuticos fabricados pelo cosmógrafo Gaspar Rebelo. Poucos anos mais tarde, voltaria a ser consultado para um outro assunto de maior relevância: a construção de cartas náuticas e de um modelo cartográfico na Casa de la Contratación. Por volta de 1538, depois da visita à Casa do visitador do Consejo de Indias, Juan Suárez de Carvajal, para trabalhar na reforma do Padrón Real iniciada em 1536, surgiu na instituição sevilhana um importante debate entre o Piloto Mayor (Piloto-Mor) Sebastian Caboto e o cartógrafo Diego Gutiérrez, por um lado, e outros cosmógrafos da Casa por outro lado, nomeadamente Pedro de Medina e Alonso de Chaves. O debate girou em torno da adequação da carta padrão e das cópias dele tiradas, assim como das cartas de múltiplas graduações construídas por Gutiérrez. No fundo, este debate nasceu por causa dos problemas provocados pela declinação magnética na navegação oceânica e, em consequência, na cartografia. Desde o início, o debate foi convertido num confronto entre apoiantes do conhecimento prático e simpatizantes do conhecimento teórico, entre pilotos e cosmógrafos, entre homens de mar e homens com formação teórica e universitária. Defensores e detratores das cartas feitas de acordo com o Padrón Real (com uma única escala de latitudes) ou das cartas feitas segundo as fazia Gutiérrez (com duas ou mais escalas, tentando assim corrigir a variação) mantiveram uma intensa disputa que se prolongou durante vários anos. Foi no contexto desta discussão que Faleiro, e outros cosmógrafos especializados como Alonso de Santa Cruz e Pedro Mejía, deu a sua opinião sobre o assunto em Maio de 1544. O parecer do cosmógrafo português foi ao coração do problema: o sistema deficiente de coleta de informação da Casa, ou melhor, a falta de um sistema padronizado de recolha de dados. Segundo Faleiro, esta era a origem de todos os problemas, que tinha como consequência a ausência de um modelo cartográfico preciso e adequado. Em simultâneo, Faleiro criticou as cartas fabricadas por Gutiérrez, as quais lhe pareciam ir contra a arte da navegação.

Em 1566, o rei Filipe II (Filipe I de Portugal) reabriu a antiga querela ibérica pela posse e direitos das Molucas com o objetivo de conhecer a posição geográfica das Filipinas em relação aos acordos estabelecidos no Tratado de Zaragoza de 1529. O dito tratado, assinado entre Espanha e Portugal como consequência do anterior Tratado de Tordesilhas (1494), determinava que as Molucas ficavam de lado espanhol, sendo estas alugadas pela Coroa espanhola a Portugal para a sua exploração comercial. Mais uma vez, o rei pediu parecer científico a vários cosmógrafos ligados à Casa de la Contratación, entre os quais se encontrava Faleiro. Não restam dúvidas que, desde a sua chegada a Sevilha, Francisco desenvolveu importantes tarefas como consultor científico da Casa, na maioria dos casos sobre assuntos de enorme relevância para a política expansionista da monarquia espanhola. 

Além do seu trabalho científico, as fontes arquivísticas revelam também que Faleiro esteve intensamente envolvido, desde a sua chegada a Sevilha, em problemas pessoais que o levaram a manter diversos litígios com a sua cunhada, Eva Alonso, também portuguesa. Uma vez que o seu irmão Rui ficou mentalmente insano, durante a preparação da expedição de Magalhães, foi Francisco quem tomou conta dele e também era quem recebia uma importante soma de dinheiro como pensão pelos serviços que Rui tinha prestado à Coroa espanhola, quer na Casa quer como membro da Ordem de Santiago. Desavenças económicas parecem ter levado aos prolongados confrontos entre Francisco e a mulher do seu irmão. Uma das curiosidades deste caso foi que em 1526 Diogo Ribeiro, destacado cosmógrafo português da Casa de la Contratación, se declarou em favor de Eva Alonso. Desconhecem-se os motivos para tal. No final, Francisco Faleiro parece ter saído vitorioso. 

Antonio Sánchez
Universidad Autónoma de Madrid

Arquivos

Sevilha, Archivo General de Indias

Justicia, 1146, N.3, R.2, Bloque 1, f. 6v. 

Justicia, 1161, N.2; Justicia, 704, N.2.

Contratación, 5784, L.1, F.58; Contratación, 5784, L.1, f. 34; Contratación, 752.

Patronato, 49, R.12; Patronato, 285, R.195; Patronato, 276, N.3, R.69; Patronato,  34, R.8; Patronato, 34, R.19.

Indiferente, 425, L.24, f. 300v-301r; Indiferente, 421, L.12, f. 18v-20r;       Indiferente, 1961, L.3, f. 284; Indiferente, 421, L.12, f. 311r; Indiferente, 1961,       L.2, f. 216v-217; Indiferente, 1963, L.7, f. 191r-191v; Indiferente, 421, L.12, f.     132r-132v; Indiferente, 421, L.12, f. 70v (2); Indiferente, 1961, L.2, f. 7-8;      Indiferente, 1952, L.1, f. 48v-49; Indiferente, 422, L.14, f. 32r; Indiferente, 421,    L.13, f. 279v-280r; Indiferente, 737, N.15.

Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Tombo

Corpo Cronológico, P. 1.ª, maço 13, doc. 20: Carta de Sebastião Álvares ao ReiManuel I, 18 de Julho de 1519.

[Citado em Fernández de Navarrete, Martín. Colección de los viajes y descubrimientos que hicieron por mar los españoles desde fines del siglo XV, Tomo IV. Madrid: Imprenta Real, 1825-37, p. 155; e em Cortesão, Armando e Teixeira da Mota, Avelino. Portugaliae Monumenta Cartographica, Vol. I. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1987, p. 20.]

Obras

Faleiro, Francisco. Tratado del esfera y del arte del marear; con el regimiento de las alturas; con algunas reglas nuevamente escritas muy necesarias. Sevilla: Juan Cromberger, 1535. 

Faleiro, Francisco. Tratado del esphera y del arte del marear; con el Regimiento de las alturas. In Joaquim Bensaúde, Histoire de la science nautique portugaise à l’époque des grandes découvertes: collection de documents publiés par ordre du Ministère de l’Instruction Publique de la République Portugaise, Vol. 4. Munich: J. B. Obernetter, 1915. 

Falero, Francisco. Tratado de la esfera y del arte de marear. Con el regimiento de las alturas. Con algunas reglas nuevamente escritas muy necesarias. Madrid: Ministerio de Defensa-Ministerio de Agricultura, Pesca y Alimentación, 1989. Edição de Rafael Arroyo.

Bibliografia sobre o biografado

Collins, Edward. “Francisco Faleiro and Scientific Methodology at the Casa de la Contratación in the Sixteenth Century.” Imago Mundi 65 (1) (2013): 25–36.

Gavira Martín, José. La ciencia geográfica española del siglo XVI: Martín Cortés, Martín Fernández de Enciso, Jerónimo de Chaves y Francisco Falero. Madrid: Imprenta del P. de H. de Intendencia e Intervención Militares, Caracas, 1931.

Gil, Juan. El exilio portugués en Sevilla: de los Braganza a Magallanes. Sevilla: Fundación Cajasol, 2009.

Serrão, Joaquim Veríssimo. “Um memorial de Francisco Faleiro ao Imperador Carlos V, 1531.” Arquivos do Centro Cultural Português I (1969): 451–454.

Teixeira da Mota, Avelino. “Contribuição dos irmãos Rui e Francisco Faleiro no campo da náutica em Espanha.” In A viagem de Fernão de Magalhães e a questão das Molucas: actas do II Colóquio Luso-Espanhol de História Ultramarina, ed. Avelino Teixeira da Mota, 315—341. Lisboa: Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1975.

Naiera, António de

Lisboa, ca. 1618 — 1632

Palavras-chave: navegação; século XVII.

DOI: https://doi.org/10.58277/OPEZ6270

A maior parte das informações biográficas sobre António de Naiera chegam a partir da leitura da sua obra maior: Navegacion Especulativa y pratica (1628). O próprio autor forneceu preciosos dados no frontispício e «Prologo» da obraao indicar que terá nascido em Lisboa (o mesmo se repetiu no frontispício da Suma Astrológica que mandou publicar em 1632). Os primeiros e precoces estudos em matemáticas terão sido realizados ainda em Portugal, onde viviam seus pais, mas logo que teve oportunidade ausentou-se da pátria, “(…) solicitando por toda España hombres doctos en esta faculdade; assi en Vniversidades, como fuera dellas (…)” de maneira a completar a sua formação em assuntos mais avançados nas ciências astrológicas, cosmográficas e de navegação. Em relação à sua esfera privada, tudo leva a crer que atingira já uma idade “madura”, que seria casado e que teria tido filhos. Nada se sabe de concreto sobre o ano em que nasceu mas duas indicações – idade madura e a referência à pátria – permitem especular que seria um homem com não menos que 40-50 anos, nascido ainda num Portugal independente, ou seja, na década de 1570.

Na época em que se editou a sua obra principal, Naiera seria possivelmente uma figura extrínseca aos principais organismos e instituições dedicados à gestão e instrução dos homens do mar. Não se encontraram, até à data, referências a cargos ocupados por si na Casa de la Contratación de Sevilha ou noutros organismos estatais em Espanha. Em Portugal, o cenário é idêntico. Aliás, é possível que nessa altura vivesse em Portugal, país onde de resto fez imprimir os seus principais trabalhos. Especulando um pouco mais, é de supor que tenha frequentado e colaborado com alguma das instituições de ensino peninsulares e aí adquirido conhecimentos mais específicos sobre os assuntos que agora se dedicava a publicar. A evidente filiação da Navegacion no trabalho de autores como os cosmógrafos Andrés García de Céspedes e Manuel de Figueiredo ou mesmo do padre Francisco da Costa (ainda que por via indirecta), poderá ser indicador de uma formação na Academia de Matemáticas de Madrid ou até em colégios jesuítas. 

A primeira edição da Navegacion Especulativa y pratica não tem qualquer dedicatória (o mesmo já não iria suceder na segunda edição, publicada depois da sua morte), detalhe que pode justificar uma certa independência de instituições e mecenas. Não obstante, a leitura das «Licenças» de impressão deste livro permite saber um pouco mais. Aí, Dom Jorge d’Almeida certifica que viu “este liuro (…) por mandado de V.M. Composto por Antonio de Naiera, e por ella me acabei de inteirar das nouas que tinha deste Autor a que naõ daua inteira Fé, duuidando auer em Portugues tanta curiosidade, que chegasse a compor com eloquencia facil, e vtil, materia de tanta erudição. (…) pareceme que V.M. deue fazerlhe a merce que pede, no que mostra bẽ claro o rreceo que se tem da falta de curiosidade dos portugueses”. Esta licença indica um relativo desconhecimento da sua pessoa por parte das autoridades e também sugere que a composição do livro deste “matemático lusitano” foi provavelmente independente da corte, muito possivelmente também do ambiente universitário e dos organismos dedicados ao ensino da navegação. Apesar de tudo, o seu nome parecer ter tido alguma repercussão na Península Ibérica dominada pelos Habsburgo, principalmente devido à sua reputação como astrólogo, ocupação de onde retiraria os dividendos financeiros necessários à sua manutenção. 

Navegacion Especulativa y pratica é uma obra geral sobre assuntos de navegação, escrita em castelhano, e que apresenta características literárias próprias da sua época, bem como algumas que lhe conferem um particular interesse. O livro está na linha de composições anteriores por parte de alguns praticantes de matemáticas que usavam conhecimentos e procedimentos matemáticos nas suas práticas diárias (aplicadas ou teóricas), neste caso em assuntos de navegação, cartografia e construção de instrumentos. 

Um dos objectivos desta edição era o de actualizar a informação disponível sobre o assunto. Ao longo da obra constata-se que o autor foi muito influenciado pelo trabalho do cosmógrafo e matemático Pedro Nunes e de Andrés García de Céspedes, e que procurou actualizar algumas informações presentes em trabalhos dos cosmógrafos Rodrigo Zamorano e Manuel de Figueiredo. Num plano mais geral, há referências a Regiomontano, Euclides, Magini e Clávio o que indica uma formação científica avançada do autor. Naiera apresenta também um bom conhecimento geral da astronomia da sua época. Destaca-se o facto de ter referido as observações e usado tabelas compostas por Tycho Brahe e a referência a dados astronómicos obtidos por Copérnico. Mesmo não sendo original na literatura científica ibérica, este facto revela António de Naiera como um homem informado e atento aos dados astronómicos mais precisos e avançados da sua época. O historiador Luís de Albuquerque sublinhou que Naiera foi “o primeiro português a usar sistematicamente a trigonometria esférica na resolução de problemas astronómicos de que trata”. Também Fontoura da Costa o listou, entre outros manuais de auxílio à pilotagem, como “excelente livro para a época”. Com efeito, o interesse à volta deste trabalho também se fez notar no seu tempo, já que teve uma segunda edição espanhola em 1669 e registam-se, pelo menos, duas traduções para português (Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal, Cod. 11063 e Cod. A.T./L. 15), o que aponta para alguma procura por parte de um público que se estendia a toda a península. Terá sido uma obra de referência e conhecida na Península Ibérica tendo servido de manual de navegação no século XVII.   As outras obras que deixou impressas (além da Navegacion) indicam ligações à prática astrológica. Em 1619, mandou editar o folheto Discursos Astrológicos sobre o Cometa Que Apareceu em 25 de Novembro. Em 1632, fez sair do prelo uma Suma astrológica y arte de enseñar hazer prognosticos (…). Este último é um texto em que o autor procura tratar das influências dos astros em aspectos da vida comum como a navegação. No prólogo desta última obra revela a possibilidade de fazer editar uma Suma de observaçoes e experiencias metheorologicas feitas acerca dos tempos, e mutações para cada dia do anno.

Bruno Almeida

Obras

Naiera, António de. Discursos Astrológicos sobre o Cometa Que Apareceu em 25 de Novembro. Lisboa, Pedro Craesbeck, 1619. 

Naiera, António de. Navegacion especulativa y pratica, reformadas sus reglas por las observaciones de Tycho Brahe, com emienda de algunos yerros essenciales. Todo provado con nuevas supposiciones Mathematicas, y demonstraciones Geometricas; especialmente para saber el altura del polo Austral por las estrellas del Crucero, com tanta certeza como se haze tomando el Sol al medio dia, lo que hasta agora por los regimientos passados se hazia sin fundamento, y con muchos yerros. Assi mas trata la Navegación que se haze por el globo, y la diferencia que tienen carteando por el sus puntos a los que se toman en la Carta plana, que los navegantes usan. Con otras muchas curiosidades a proposito, assi para los doctos Navegantes, como para los puramente práticos. Lisboa: Pedro Craesbeck, 1628; Madrid: Imprenta Real, 1669, 2ª edição.

Naiera, António de. Suma astrológica y arte de enseñar hazer prognosticos (…). Lisboa, António Alvarez, 1632.

Bibliografia sobre o biografado

Albuquerque, Luís de. “Uma tradução portuguesa da «Navegacion Especulativa» de António de Naiera”, A Náutica e a Ciência em Portugal. Notas sobre as navegações, 25-41. Lisboa: Gradiva, 1989.

Almeida, Bruno. “A influência da obra de Pedro Nunes na náutica dos séculos XVI e XVII: um estudo de transmissão de conhecimento.” Dissertação de doutoramento, Universidade de Lisboa, 2011.

Barbosa Machado, Diogo. Bibliotheca Lusitana, Tomo I, 338. Coimbra: Atlântida Editora, 1965.

Cortesão, Armando e Fernanda Aleixo e Luís de Albuquerque, comentários e anotações. A Arte de Navegar de Manuel Pimentel. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1969.    

Cunha, Pedro José da. Bosquejo histórico das matemáticas em Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional de Lisboa, 1929, p. 31.

Fontoura da Costa, Abel. A marinharia dos descobrimentos. Lisboa: Imprensa da Armada, 1933.

Grande Enciclopédia Portuguesa Brasileira, Vol.18, 358-359. Lisboa e Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, 1935.

Albuquerque, Luís de e Francisco Contente Domingues. Dicionário de história dos Descobrimentos Portugueses, Vol. II, 791-792. Lisboa: Círculo de Leitores, 1994.

Silva, Inocêncio Francisco da. Diccionario Bibliographico Portuguez, Tomo I, p. 211-212. Lisboa: Imprensa Nacional, 1863.