Pimentel, Júlio Máximo de Oliveira

2º Visconde de Vila Maior

Torre de Moncorvo, 5 de Outubro de 1809 – Coimbra, 20 de Outubro de 1884. 

Palavras-chave: química, vitivinicultura, Escola Politécnica, Universidade de Coimbra

Enquanto professor de química na Escola Politécnica e no Instituto Industrial, director do Instituto Agrícola, reitor da Universidade de Coimbra, deputado e par do reino, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, membro do Conselho Geral do Comércio e Indústria e do Conselho de Saúde, comissário da representação portuguesa em quatro exposições internacionais, divulgador científico com ligações estreitas ao mundo da indústria e especialista na vinha e nos vinhos, Júlio Máximo de Oliveira Pimentel foi um dos mais completos homens de ciência em Portugal no século XIX. Para além das diferentes actividades políticas e profissionais, pertenceu a inúmeras sociedades científicas portuguesas e estrangeiras e foi agraciado com várias condecorações, nacionais e internacionais, entre as quais o título de Visconde de Vila Maior.

Filho de Luís Cláudio de Oliveira Pimentel e de D. Angélica Teresa de Sousa Cardoso Pimentel Machado, ambos descendentes de importantes proprietários de Trás-os-Montes, Oliveira Pimentel foi o quarto entre seis irmãos. Apesar do estatuto periférico desta fidalguia de província, os Pimentel eram relativamente influentes, tanto ao nível local como nacional. Em 1820, ano da Revolução Liberal, muito bem acolhida no seio da sua família, saiu pela primeira vez de Moncorvo para frequentar, como aluno interno, o Colégio da Real Irmandade da Lapa, no Porto, uma instituição recém-criada com o objectivo de garantir o ensino preparatório aos filhos das elites do norte, que pretendiam obter formação superior. No verão de 1826, com quinze anos, coincidindo com outro momento histórico na vida política nacional – a outorga da Carta Constitucional por D. Pedro IV –, fez os exames de acesso à Universidade de Coimbra. A escolha de um currículo de Ciências (Matemática e Filosofia) foi responsabilidade do seu protector e patrício Tomé Rodrigues Sobral, professor jubilado de química.

O seu percurso universitário ficou indissociavelmente unido aos progressos da guerra civil entre absolutistas e liberais. Logo em Outubro de 1826, Oliveira Pimentel juntou-se ao Batalhão Académico, passando o inverno em campanha, mas, no início de 1828, quando dentro da academia o combate ideológico se transformou em combate armado, abandonou definitivamente Coimbra. Mais a norte, em consequência da derrota dos liberais, os seus pai e tio foram presos. Oliveira Pimentel seguiu-os até Lisboa (Forte de S. Julião) e daí até ao Porto (Cadeia da Relação). Com a entrada do exército liberal no Porto, em Junho de 1832, voluntariou-se para lutar no Corpo Académico, defendendo a Serra do Pilar. Em Outubro desse ano foi baleado numa perna, durante uma investida contra as tropas miguelistas. Ficou mais de seis meses em convalescença e sofreu sequelas deste ferimento até ao final da vida. Em Fevereiro de 1933, em pleno Cerco do Porto, com apenas 23 anos, recebeu o seu primeiro título, Cavaleiro da Ordem da Torre e Espada, e foi integrado como alferes no exército.

Com o fim da guerra civil, em 1834, e depois de sete anos de ausência, regressou à Universidade, agora como militar. O seu currículo até 18 de Julho de 1837, dia em que concluiu a formatura em Matemática, revela um percurso académico distinto com prémios em cada um dos anos lectivos. 

A 13 de Outubro de 1837, com 28 anos, Oliveira Pimentel mudou-se para Lisboa. Beneficiando das medidas tomadas no início de 1837 pelo governo setembrista, que havia fundado em Lisboa a Escola Politécnica e a Escola do Exército, materializando a vontade de reformar o ensino superior em Portugal e de criar uma capital científica com instituições semelhantes às das demais capitais europeias, juntou-se aos quadros da Politécnica. Apesar de acreditar no futuro promissor dos engenheiros civis e ter deixado expresso nas suas Memórias o desejo de, tal como tantos jovens da sua geração, ir para Paris estudar na escola de Ponts et Chaussées, e por isso se ter matriculado no 1º ano da nova Escola do Exército, acabou por se candidatar ao lugar de proprietário da cadeira de química, por convite do seu antigo professor de cálculo, Guilherme Dias Pegado e do próprio Visconde de Sá da Bandeira. As redes de sociabilidade que uniam a elite liberal da primeira metade do século XIX, para além de lhe garantirem oportunidades profissionais, influenciaram de forma decisiva a sua vida pessoal. Foi o seu colega na Politécnica, João Ferreira Campos, que o apresentou à enteada, Sofia de Roure Auffdinier, com quem acabou por casar a 18 de Julho de 1839 e de quem teve dois filhos, Júlia e Emílio.

Entre 1837 e 1844, ocupou-se em exclusivo da regência da sua cadeira. Apesar de frequentar a sociedade, em visitas regulares ao São Carlos e às galerias do Parlamento, dedicou-se a aprender a disciplina que se havia habilitado a ensinar. A entrada de Oliveira Pimentel na Politécnica coincidiu com o início do processo de especialização, institucionalização e profissionalização da química em Portugal, sobretudo com a emergência da prática laboratorial na investigação e no ensino, pelo que as limitações da sua formação universitária exclusivamente teórica condicionaram o trabalho enquanto professor. O confronto quotidiano com a perícia de alguns subordinados, como a do preparador Francisco Mendes Leal era prova dessas limitações. Para colmatar tal debilidade, reclamou, logo em 1837, autorização para realizar uma viagem de estudo aos laboratórios da capital científica europeia, Paris.

Em Setembro de 1844, perto de cumprir 35 anos, partiu finalmente para Paris com uma bolsa do governo, correspondente a um acréscimo de 30% ao seu ordenado como militar e professor da Politécnica. Nas suas Memórias quis deixar claro que esta bolsa era insignificante e desadequada para o nível de vida parisiense. Na verdade, Júlio Máximo de Oliveira Pimentel foi, durante toda vida, um profissional da ciência no sentido estrito do termo. Por depender quase em exclusivo do seu salário, as escolhas de carreira ficaram subordinadas às suas necessidades económicas. Considerando ainda que, à época, para custear equipamentos, instrumentos e materiais necessários à prática da química moderna, quase todas as instituições em Paris exigiam dos estagiários o pagamento de uma propina, o leque de possibilidades ao dispor do seu orçamento era reduzido. Depois de um périplo por vários laboratórios, acabou por estagiar no de Eugene Melchior Peligot, no Conservatoire des Arts et Métiers, um dos poucos onde poderia estudar sem pagar.

Se em meados dos anos de 1840 a utilidade da química para a indústria e agricultura, mas também para a administração do bem-estar e da saúde pública e para o apoio à justiça era incontestada, Oliveira Pimentel, enquanto servidor do estado, esforçou-se por reunir conhecimentos sobre as várias dimensões da sua disciplina. Assim, percorreu semanalmente diferentes bairros parisienses para ouvir, nas mais prestigiadas instituições e dos mais famosos cientistas, cursos gerais de química e cursos especializados, como os de química aplicada à tinturaria ou toxicologia. Consciente da importância dos desenvolvimentos na área da química orgânica, frequentou também aulas de alemão para poder praticar no laboratório de Justus von Liebig na Universidade de Giessen, plano que abandonou por falta de tempo. Nos primeiros meses, o excesso de trabalho repercutiu-se na sua vida familiar, o que levou a mulher e a filha, que o haviam acompanhado até Paris, a regressar a Lisboa na Primavera de 1845. Esta relação de permanente distância foi constante ao longo do seu casamento.

Paris não era apenas o principal centro para os membros da elite técnico-científica portuguesa, como Júlio Máximo de Oliveira Pimentel, Joaquim Tomás Lobo d’Ávila, Francisco Maria de Sousa Brandão, José Anselmo Gromicho Couceiro ou Albino Francisco de Figueiredo e Almeida, mas também o palco privilegiado da política e dos negócios nacionais. A Paris, tanto acorriam os exilados do cabralismo, como José Estêvão e Manuel José Mendes Leite, ex-colegas de Coimbra e frequentadores da sua casa no Quais des Grands Agustins, como os capitalistas com os quais o governo português havia negociado importantes contratos monopolistas de produtos como o sabão, a pólvora, o tabaco ou mesmo as obras públicas. Na noite parisiense, estes grupos cruzavam-se sem grande atrito. Foi exactamente à saída da ópera que, em 1845, Oliveira Pimentel travou conhecimento com José Maria Eugénio de Almeida, um dos sócios mais importantes dessas companhias monopolistas. Eugénio de Almeida procurava técnicos e equipamentos para várias operações industriais e Oliveira Pimentel pareceu-lhe a pessoa ideal para assumir a direcção das suas fábricas de sabão e refinação de açúcar. Pela sua mão, entrou no mundo da indústria, com um salário anual que mais do que duplicava os seus rendimentos em Lisboa. Nesse verão percorreu, como administrador, várias regiões de França, Alemanha, Bélgica, Suíça e Inglaterra, visitando dezenas de fábricas.

Nesta primeira viagem pela Europa, Oliveira Pimentel combinou a vertente profissional com a turística. Encarando o lazer de forma informada, o que se comprova pela dezena de guias que se encontravam na sua biblioteca, subiu o vale do Reno num barco a vapor, à época o tour da tecnologia romântica por excelência. Este foi um dos seus passeios de eleição, que repetiu uma vez em cada década, em 1855, 1862 e 1878. Para este transmontano conhecedor das dificuldades de navegação no Douro, o Reno foi a grande referência para pensar o país vinhateiro. 

De regresso a Portugal, em Fevereiro de 1846, com 36 anos, retomou com renovado entusiasmo o ensino da química na Politécnica, editando um manual ilustrado em três volumes. A par do ensino, não descurou a investigação no laboratório, ocupando-se de temas de cariz utilitário. Sendo, desde 1834, um frequentador assíduo das termas das Caldas da Rainha, e reconhecendo a importância económica destas práticas terapêuticas e de recreação, escreveu, em 1849, um artigo sobre estas águas minerais que lhe abriu as portas da Academia de Ciências de Lisboa, como sócio correspondente. Foi, contudo, através da ligação à indústria, enquanto director, consultor ou inspector de várias fábricas, que Oliveira Pimentel reuniu o material para publicar muitas dezenas de artigos científicos e de divulgação em revistas e jornais, sobre matérias tão diversas como vidros e cristais, porcelanas, ácido sulfúrico, papel, soda ou alumínio. Ao mesmo tempo que ganhava reconhecimento social e crédito entre pares, afirmava a importância da química. 

1851 marcou, de acordo com Júlio Máximo Oliveira Pimentel, o ano em que o país entrou no verdadeiro caminho do progresso. Desde o seu regresso de Paris tinha-se propositadamente afastado das conspirações entre facções liberais, não deixando, no entanto, a partir de finais da década de 1840, de defender o lugar da ciência e tecnologia na administração e no parlamento em tertúlias como as do Grémio Literário. Com a Regeneração abriram-se, finalmente, as portas do governo e do aparelho de estado aos cientistas e técnicos portugueses. Logo em 1852, Oliveira Pimentel foi eleito deputado, entrando, também, para o mais importante órgão das políticas públicas de fomento, o recém-formado Ministério das Obras Públicas, onde assumiu o cargo de vogal no Conselho Geral do Comércio e Indústria. Na década de 1850, o seu roteiro urbano era vasto: para além das peregrinações pela cintura industrial lisboeta – do Poço do Bispo a Alverca do Ribatejo, de Santo Amaro à Margueira, de Alenquer à Póvoa de Santa Iria – das visitas a São Bento e das jornadas de trabalho no Terreiro do Paço, a ida ao coração industrial do bairro da Boavista, tornou-se parte da rotina quotidiana. Aí a sua actividade lectiva incluía aulas diurnas no laboratório da Escola Politécnica, que ocupava, provisoriamente, as instalações da Casa da Moeda, e nocturnas no recém-criado Instituto Industrial, dedicado à formação de operários.

Este currículo fez de Júlio Máximo de Oliveira Pimentel um candidato perfeito para representar o novo executivo da Regeneração na sua primeira grande prova internacional: a exposição universal de Paris de 1855. Oliveira Pimentel voltaria a cumprir essa função em 1862, 1867 e 1878. Em 1855, à comissão de peritos escolhidos pelo governo, foi pedido que, por um lado, assegurasse uma apresentação condigna dos progressos do país e que, por outro, cumprisse o rigoroso caderno de encargos para a recolha de informação necessária ao desenvolvimento das indústrias portuguesas. A missão de estado de Oliveira Pimentel, que se prolongou por mais de seis meses, incluiu reuniões de trabalho nos júris internacionais, muitas viagens pelas fábricas e escolas da Europa Central, inúmeros jantares, recepções e bailes. O relatório da sua comissão, com mais de 360 páginas e versando sobre os progressos da química, falava para o poder político, para os industriais, mas também para um público mais vasto, revelando os seus dotes de divulgador. 

No verão de 1857, durante a epidemia de febre amarela em Lisboa, Oliveira Pimentel afirmou a sua perícia no mundo da saúde pública. Os contactos que estabeleceu no Conselho de Saúde abriram-lhe novas perspectivas profissionais e políticas, sendo nomeado director do Instituto Agrícola e eleito Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, no biénio 1858-1860. No cumprimento deste último cargo e no rescaldo da febre amarela fez avançar as obras do sistema de abastecimento de águas e esgotos, do aterro da Boavista e, sobretudo, do novo matadouro. Durante o seu mandato, e por ocasião do casamento do Rei D. Pedro V, foi agraciado com o título de Visconde de Vila Maior. Aceitou a oferta, na condição da honra ser atribuída ao seu pai. Por morte deste, revalidou o título, pagando os direitos de mercê em Julho de 1861. 

A sua notoriedade pública aumentou significativamente aquando da polémica que rodeou a morte precoce de D. Pedro V, por febre tifóide, a 11 de Novembro de 1861. Ao lado das autoridades judiciárias, ficou encarregado de analisar as vísceras reais. Pela sua mão, a ciência química, mais do que a medicina, pôs termo às suspeitas de envenenamento e aos sobressaltos populares.

O facto de ser um dos mais reputados cientistas portugueses não impediu que, em 1863, com o fim das várias ocupações industriais com que sempre havia complementado o seu salário, deixasse de conseguir sustentar financeiramente a sua vida em Lisboa. Com o plano de se retirar com a família para a província, abandonou todos os cargos na capital. Aos 54 anos, o Visconde de Vila Maior preparou-se para viver da sua reforma e dos rendimentos das quintas em Moncorvo, para as quais contraiu um avultado empréstimo. Por razões profissionais e económicas, moveu influências para garantir uma comissão agrícola junto do Ministério das Obras Públicas. Inaugurou, então, uma nova linha de investigação que o ocupou quase até ao final da vida, primeiro na comissão de estudo da ampelografia do país vinhateiro do Douro e, depois, na comissão de estudo dos processos de vinificação nos distritos ao norte do Douro, publicando vários trabalhos de sistematização do conhecimento sobre a vinha e o vinho. Quando assumiu o cargo de membro do júri na exposição internacional de Paris de 1867 já era um conceituado perito em vinhos e, durante o mesmo certame, em 1878, obteve a medalha de ouro da Sociedade de Agricultores de França. No entanto, a prova real da importância internacional do seu trabalho foi, talvez, o reconhecimento conquistado pela tradução para inglês do “Tratado de vinificação para vinhos genuínos”, distribuído a preço módico pelo San Francisco Merchant, em 1884, no pico da revolução vitivinícola californiana. 

Para escrever estes manuais, o Visconde de Vila Maior viajou, entre meados de 1863 e finais de 1869, por todo o norte português. Perto de cumprir 60 anos, em 1868, e depois da revolução que Sebastião Lopes de Calheiros e Menezes operou no Ministério das Obras Públicas, cancelando todas as comissões, mobilizou os seus contactos pessoais com o Bispo de Viseu e Ministro do Reino, António Alves Martins (1808-1882), seu contemporâneo de Coimbra, autopropondo-se para uma comissão de três anos como Reitor da Universidade de Coimbra. Vários factores concorreriam para o falhanço desta iniciativa: para além de ser o primeiro reitor sem formação em leis e com uma carreira e reputação construída numa instituição rival, enquanto parlamentar nos anos de 1850 havia afrontado directamente a academia ao defender o fim do ensino científico em Coimbra. O acolhimento gélido por parte do corpo académico, em Setembro de 1869, não deixaria antever o reitorado mais longo de toda a monarquia constitucional.

O trabalho que desenvolveu na Universidade foi discreto, limitando-se à regência dos assuntos internos, à organização das celebrações do centenário da Reforma Pombalina, ao acolhimento das visitas reais e à representação da instituição nos fóruns nacionais e internacionais. Ao longo desses anos continuou a estudar temas ligados à vinha, publicando trabalhos novos e reeditando outros. Em 1879, destacou-se enquanto presidente da terceira comissão anti-filoxérica, mas seria sobretudo na escola ampelográfica que criou no Jardim Botânico, juntamente com Júlio Henriques (1838-1928), que desenvolveu as principais investigações na luta contra este parasita. 

Nos inícios da década de 1880, o Visconde de Vila Maior começou a recolher as suas Memórias. Apesar de declarar que o escrito era dirigido aos seus descendentes, este texto, editado apenas em 2014, é uma fonte única para compreender como trabalhou a sua imagem pública e construiu uma reputação enquanto cientista. Num mesmo registo memorialístico publicou, em 1884, a biografia do seu tio, o General Claudino Pimentel. 

Entretanto, pressões da corporação universitária começaram a minar o seu reitorado. Recusando demitir-se, acabou por conseguir afastar-se temporariamente dos negócios da Universidade, em Julho de 1883, liderando uma comissão para preparar os elementos para a reforma do ensino superior e, entre Junho e Julho de 1884, fez a sua última grande viagem pela Europa, visitando várias universidades em Espanha, Itália e França. Poucos dias após cumprir 75 anos, morreu em Coimbra a 20 de Outubro de 1884.

Marta Macedo

Pereira, Duarte Pacheco

Lisboa, ca. 1460 — 1533

Palavras-chave: Expansão marítima, Cosmografia, Experiência, Oceano Atlântico.

Duarte Pacheco Pereira (Lisboa, ca. 1460–1533) foi um prestigiado navegador, cosmógrafo e soldado da coroa portuguesa, na época da expansão marítima. No mundo ibérico desta altura, um cosmógrafo possuía conhecimentos alargados nos domínios da náutica, geografia, cartografia, astronomia e matemáticos associados à navegação. Os seus conhecimentos científicos e militares foram cruciais para as funções que exerceu ao serviço da Casa de Avis, concretamente nos reinados de D. João II (1481-1495), D. Manuel I (1495-1521) e D. João III (1521-1557). Ficou conhecido como o autor da obra Esmeraldo de Situ Orbis, escrita em 1506, considerado um dos trabalhos mais representativos da cosmografia portuguesa do século XVI.

Duarte Pacheco Pereira, de família nobre, era filho de João Pacheco—morto em Tânger numa batalha contra os muçulmanos—e de Isabel Pereira, e neto de um comerciante lisboeta, Gonçalo Pacheco, tesoureiro da Casa de Ceuta. Foi casado com Antónia de Albuquerque, filha de Jorge Garcez, secretário do rei D. Manuel I, e de Isabel de Albuquerque Galvão, filha de Duarte Galvão, Alcaide Mór de Leiria. Teve dois filhos e uma filha: João Fernandes Pacheco, Comendador do Banho; Jeronymo Pacheco, morto em combate em Tânger, e Maria de Albuquerque, casada com João da Silva, Alcaide Mór e Commendador de Soure. Foi o primogénito de Duarte Pacheco Pereira, João, quem herdou, nos últimos anos da vida do pai (provavelmente falecido em 1533), 20 000 reais da sua pensão de 50 000. 

Duarte Pacheco Pereira realizou diversos trabalhos de exploração e reconhecimento no último quartel do século XV, o que lhe permitiu adquirir experiência como cosmógrafo e militar em terras e mares distantes. Foi cavaleiro de D. João II e membro da sua guarda pessoal. Em resultado da sua experiência ultramarina obteve a confiança do rei e foi chamado a integrar a delegação portuguesa que esteve presente nos acordos diplomáticos do Tratado de Tordesilhas, assinado entre D. João II e os Reis Católicos de Castela e Aragão, Fernando e Isabel, em 7 de Junho de 1494 na cidade de Tordesilhas. Este tratado estabeleceu a divisão ibérica do mundo, separando as zonas de navegação e conquista do oceano Atlântico e do Novo Mundo através da fixação de um meridiano localizado a 370 léguas, a oeste das ilhas de Cabo Verde. O objetivo do acordo era evitar conflitos de interesses entre a monarquia portuguesa e a espanhola. Pacheco Pereira participou no acordo como testemunha da junta portuguesa. 

Sabe-se que já nos anos oitenta do século XV, Pacheco Pereira tinha navegado por águas atlânticas na costa occidental africana, explorando as terras do Golfo da Guiné, pois esteve quatro vezes em Benim, e provavelmente entrou em contato com a nova navegação astronómica praticada por navegadores portugueses no Atlántico, a partir da segunda metade do século. Esteve assim diretamente envolvido em tarefas científicas da maior importância para a história da ciência moderna, como seja o esboço cartográfico de África, a correção e aperfeiçoamento das cartas náuticas utilizadas pelos marinheiros portugueses, cuja produção era controlada pelos Armazéns da Guiné e Índia (em Lisboa). De salientar, também, o uso de instrumentos astronómicos adaptados agora à navegação oceânica, como o astrolábio e o quadrante náuticos. Também se sabe que precisamente em 1488, o explorador português Bartolomeu Dias, no regresso da viagem pelo oceano Índico depois de ter dobrado o Cabo das Tormentas, também conhecido por Cabo da Boa Esperança, trouxe Duarte Pacheco Pereira de regresso ao reino por este se encontrar doente na ilha do Príncipe.

Segundo o seu próprio testemunho em o Esmeraldo, durante o reinado de D. Manuel I, em 1498, Pacheco Pereira empreendeu uma longa viagem através do Atlântico, por incumbência do rei que estava interessado na exploração da parte sul do Atlântico ocidental. Duarte Pacheco Pereira reconheceu ter chegado a uma “grande terra firme”, localizada a 70º de latitude do Pólo ártico e a 28º do Pólo antártico. Segundo a interpretação de alguns historiadores, Pacheco Pereira poderia ter chegado a terras americanas antes de 1500, incluíndo o Brasil. A sua participação na viagem de Pedro Álvares Cabral à Índia e ao Brasil em 1500 tem sido objeto de discussão, pois como assinala Fernão Lopes de Castanheda na História do Descobrimento e Conquista da Índia pelos Portugueses (1551, data de publicação do primeiro volume) alguém com o mesmo nome fez parte da tripulação. 

No início do século XVI, Pacheco Pereira viajou também para o Oriente, especificamente para a Índia, desta vez comandando uma das naus que fazia parte da armada capitaneada por Afonso de Abuquerque, que partiu de Lisboa em abril de 1503. Esta viagem na qual também participou seu primo Francisco de Albuquerque tinha por objetivo manter as boas relações diplomáticas com o rei de Cochim e combater os poderes locais de Calecute. A coroa portuguesa estava principalmente interessada na expulsão do Samorim (título dos antigos reis de Calecute), devolvendo assim o controlo desta cidade aos cochinenses, seus aliados. Foi nestas batalhas contra o Samorim que Duarte Pacheco Pereira mostrou os seus dotes de estratega e de guerreiro, conquistando a fortaleza local com apenas 150 homens, uma caravela e uma nau. Este acontecimento aumentou indubitavelmente o seu prestígio militar, a ponto de ser designado “Aquiles Lusitano” por Luís de Camões, em Os Lusíadas. Ao regressar ao reino, em 1505, foi recebido como um herói, passando a ser tratado deste modo pelos cronistas coevos e pela historiografia posterior. Este feito memorável, festejado e reconhecido pela coroa, serviu para melhorar a posição social de Pacheco Pereira. 

Passado o primeiro lustro do século XVI, e depois de várias viagens e batalhas, Pacheco Pereira dedicou-se à escrita da obra Esmeraldo de Situ Orbis, redigida em língua portuguesa e dedicada a D. Manuel I. Dividida em quatro livros esta obra esteve perdida durante séculos. Pacheco Pereira interrompeu a redação de o Esmeraldo em 1508, deixando assim o manuscrito inacabado. Foi publicado pela primeira vez em 1892, data da comemoração dos quatrocentos anos da descoberta da América por Cristóvão Colombo. Existem dois manuscritos do Esmeraldo, um preservado na Biblioteca Pública de Évora (Cod. CXV / 1-3) e um outro guardado na Biblioteca Nacional de Portugal, em Lisboa (COD. 888). Trata-se de uma obra especialmente significativa se tivermos em conta o escasso número de documentos desta época que chegou aos nossos dias. O Esmeraldo é um livro de cosmografia e marinharia concebido pelo autor como um manual de navegação para percorrer o caminho entre Lisboa e a Índia, isto é, um roteiro das costas orientais e ocidentais de África. É um livro de cosmografia no sentido em que contém um amplo número de coordenadas geográficas de latitude e longitude de lugares recém-descobertos, assim como descrições geográficas e etnográficas de territórios e comunidades nativas do litoral africano. Embora a obra se refira a vários mapas, nenhuma das cópias conhecidas do Esmeraldo contem mapas ou cartas náuticas.

Uma das principais premissas de o Esmeraldo é a adoção da noção de “experiência” como principal critério para a obtenção de conhecimento fidedigno, desafiando assim a tradição textual greco-romana e a autoridade herdada dos autores clássicos. Pacheco Pereira apela por diversas vezes à experiência como “madre das cousas”, isto é, à observação pessoal e direta do navegador, ideia recuperada mais tarde por autores como o vice-rei da Índia, D. João de Castro (1500‒1548) e o padre Fernando Oliveira (1507‒1581). Além do elogio acrítico dos eruditos humanistas do Renascimento aos textos e autores da Antiguidade Clássica, Pacheco Pereira é representativo de uma atitude coletiva, baseada na confiança plena na categoria de experiência como ferramenta cognitiva para chegar à verdade. É só através da experiência vivida na primeira pessoa que se pode ir além do já conhecido e validar o conhecimento procedente de novos mundos. 

Em 1509, o rei encarregou Pacheco Pereira de uma nova tarefa, relacionada com o combate aos atos de pirataria ao longo da costa Portuguesa contra as embarcações da coroa que vinham carregadas de mercadorias das feitorias de além-mar, que tantos prejuízos provocavam aos cofres reais. Nesse ano, a armada liderada por Pacheco Pereira c capturou um temido corsário francês conhecido por Mondragon, que tinha praticado o corso com a proteção do rei de França, Luis XII em anos anteriores, no litoral de Portugal. A partir de 1510 e nos anos seguintes Pacheco Pereira realizou tarefas semelhantes no Estreito de Gibraltar, quer lutando contra os piratas mouriscos, quer auxiliando as praças-fortes portuguesas do norte de África, como foi o caso de Ceuta e Tânger. Posteriormente, e em resultado da sua ascensão social, Pacheco Pereira casou com Antónia de Albuquerque, pertencente a uma reputada família portuguesa, da segunda década do século XVI.

Em 1519, Pacheco Pereira voltou a África, não como explorador ou navegador, mas como capitão do Castelo e Fortaleza de São Jorge da Mina, no atual Gana. Lá permaneceu até dezembro de 1521, ano em que foi afastado do cargo e feito prisioneiro por ordem de D. João III que ascendera ao trono, na sequência da morte de seu pai, D. Manuel I. Pacheco Pereira foi acusado de cometer irregularidades na gestão financeira da fortaleza, nomeadamente de corrupção e contrabando, pelo que teve de entregar à coroa parte dos seus bens, a troco da sua liberdade.  

Depois de ter passado pela prisão, sabemos por cartas do nobre espanhol Juan de Zúñiga Avellaneda y Velasco (1488‒1546), embaixador de Carlos V na corte lisboeta dos anos vinte, que Pacheco Pereira teve a intenção de se colocar ao serviço do rei espanhol, na qualidade de cosmógrafo, especificamente no que dizia respeito à localização das cobiçadas ilhas das especiarias, as Molucas, no sudeste asiático. Nos anos em que Duarte Pacheco Pereira ofereceu a sua experiência e conhecimentos a Carlos V as tensões entre Portugal e Espanha em relação aos direitos de posse e de exploração foram aumentando, questão que acabaria por ser resolvida apenas parcialmente em 1529 com o Tratado de Saragoça. No entanto, ao contrário de outros compatriotas—nomeadamente aqueles envolvidos na primeira circunavegação do globo entre 1519 a 1522—parece que Pacheco Pereira nunca prestou serviço à coroa espanhola, sendo que desde a sua libertação até o dia da sua morte continuou a receber comissões da casa real portuguesa.

Antonio Sánchez