m. ca. 1572
Palavras-chave: Cartografia, planisfério, Lisboa, Sevilha, Armazéns.
DOI: https://doi.org/10.58277/GGGA8612
Jorge Reinel foi um cartógrafo português do século XVI que trabalhou nos Armazéns da Guiné e Índia de Lisboa, a principal instituição portuguesa na produção de cartas náuticas daquela época. Tal como acontece com o seu pai, Pedro Reinel, não são muitos os dados sobre a sua vida. Os documentos conhecidos não permitem determinar com precisão quando é que Jorge Reinel nasceu e morreu, mas indicam que viveu grande parte do século XVI. Sabemos, no entanto, que trabalhou ao serviço da Coroa portuguesa como cartógrafo e examinador da ciência e arte de navegar, e também, temporariamente, para a Coroa espanhola em circunstâncias ainda pouco esclarecidas. Sabe-se igualmente que esteve casado com Beatriz Lopes e que, em 1572, no fim da sua vida, estava doente e vivia na pobreza.
Segundo uma carta régia de 6 de Junho de 1532, parece que Jorge Reinel tinha tido, anos antes, problemas pessoais, em Lisboa, com um clérigo chamado Pero Anes. É consensual na historiografia portuguesa considerar este episódio como a causa para a sua deslocação a Sevilha, em 1519, com o grupo de portugueses envolvidos na preparação científico-técnica da viagem de Fernão Magalhães. A participação de Jorge nestas tarefas teria a ver com a construção de uma carta náutica hoje perdida, que alguns historiadores identificam com o planisfério anónimo de Munique, conhecido por Kunstmann IV (que hoje conhecemos só a partir de um fac-símile construído em 1836 por Otto Progel conservado na Bibliothèque nationale de France). Segundo Armando Cortesão e Avelino Teixeira da Mota, esta carta foi utilizada na preparação da viagem de Magalhães. Duas das suas características mais relevantes são o fato de apresentar pela primeira vez o Equador graduado e de representar as ilhas Molucas no hemisfério espanhol.
A vinculação do trabalho desenvolvido por Jorge em Sevilha e este planisfério, feito por volta de 1519, surge a partir de uma missiva de Sebastião Álvares, também assinada em 1519. Neste documento, Álvares, feitor português em Sevilha, conta a D. Manuel ter visto as Ilhas Molucas representadas numa carta de Jorge Reinel terminada pelo pai, quando este foi àquela cidade à procura do filho. É sabido que os dois Reinel, pai e filho, acabaram por voltar a Portugal e, segundo o documento de 1532 já mencionado, Jorge seria finalmente perdoado dos seus conflitos com a justiça portuguesa. De fato, quatro anos antes, em 1528, D. João III concedeu a Jorge Reinel (e também ao seu pai) uma carta de mercê com um salário anual de 10.000 reais pelos seus serviços como mestre de cartas de marear.
Para além da referência ao trabalho cartográfico dos Reinel em Sevilha, a carta de Álvares é também relevante porque afirma que aquele mapa serviu de modelo para um dos principais cartógrafos da Casa de la Contratación dos anos vinte, o também português Diogo Ribeiro. Isto quer dizer que a carta iniciada pelo filho Reinel e acabada pelo pai foi utilizada na Casa como base para as cartas que ali se faziam, nomeadamente o chamado Padrón Real e as suas cópias. O Padrón Real era o modelo cartográfico da Casa a partir do qual eram construídas todas as cartas utlizadas na Carrera de Indiasespanhola. A afirmação de Álvares reforça a hipótese de que a carta dos Reinel seja o planisfério de Munique, uma vez que os trabalhos cartográficos de Ribeiro que sobreviveram são todos planisférios ou pedaços de planisférios, com características técnicas semelhantes.
Qualquer que fosse o trabalho desenvolvido pelos Reinel em Espanha, parece que a sua passagem pelo país vizinho não deixou indiferentes os delegados espanhóis nas negociações pela pertença e exploração das Ihas Molucas. Uma carta assinada em 9 de Junho de 1524 pelos representantes portugueses na Junta de Badajoz-Elvas, Diogo Lopes de Sequeira e António de Azevedo Coutinho, dizia a D. João III que Jorge Reinel e o seu pai foram convidados a trabalhar ao serviço da Coroa espanhola. Tal convite não parece, porém ter sido aceite, segundo as cartas de mercê dadas em 1528.
Alguns documentos testemunham igualmente as funções de Jorge Reinel como examinador e o apoio ao Cosmógrafo-Mor Pedro Nunes no exame aos futuros cartógrafos da Coroa. Do seu trabalho como examinador, em questões relacionadas com a arte de navegar, sabemos graças a dois autos de juramento, assinados pelo cartógrafo João Freire na qualidade de escrivão, existentes no Arquivo Municipal de Lisboa com as datas de 1551 e 1554 respetivamente, onde o seu nome aparece junto com o de outro cartógrafo, Lopo Homem. Por outro lado, Jorge Reinel foi nomeado para assistir aos exames que o Cosmógrafo-Mor fazia àqueles que desejavam ser cartógrafos. Segundo o Regimento do Cosmógrafo-Mor (1592), estes exames eram feitos pelo Cosmógrafo-Mor na presença de um mestre em cartas de marear. Estes cartógrafos eram escolhidos entre os quais exerciam há mais tempo o cargo, que tinham maior experiência e habilidades e, também, que tinham melhor reputação. Como já foi dado a conhecer pelo historiador Sousa Viterbo, Jorge Reinel esteve presente em pelo menos três exames, o de António Martins em 1563 e os de Bartolomeu Lasso e Luís Teixeira em 1564, sendo sempre Pedro Nunes o Cosmógrafo-Mor responsável.
Apesar de a maioria dos documentos acima mencionados fazerem referência a Jorge Reinel como mestre de fazer cartas de marear, não se conhece nenhuma carta náutica assinada por ele. No entanto, são várias as cartas que se lhe atribuem. A mais antiga é uma representação do Oceano Índico, em pergaminho e datada de 1510, que esta conservada na Herzog August Bibliothek, em Wolfenbüttel (Alemanha). Há ainda que mencionar o já referido planisfério de Munique e as cartas do Atlas Miller (1519), na Bibliothèque nationale de France. Em data muito posterior, c. 1540, foi construída a última carta atribuída a Jorge Reinel. Trata-se de uma carta em pergaminho que representa o Atlântico, Europa, África ocidental e Brasil. No canto superior esquerdo pode-se ler Reinel em letras maiúsculas. Esta carta encontra-se hoje na Biblioteca Barone Ricasoli-Firidolfi, em Florença (Itália).
Antonio Sánchez
Universidad Autónoma de Madrid
Arquivos
Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Carta de Sebastião Álvares ao rei D. Manuel I, 18 de Julho de 1519. Corpo Cronológico, P. 1.ª, maço 13, doc. 20.
Carta de Diogo Lopes de Sequeira e António de Azevedo Coutinho ao rei D. João III, 9 de Junho de 1524. Gaveta 18, maço 8, doc. 13.
Carta de mercê do rei D. João III a Jorge Reinel, 10 de Fevereiro de 1528. Chancelaria de D. João III, Doações, ofícios e mercês 1521/1557, Liv. 14, fol. 67.
Carta régia de 6 de Junho de 1532. Chancelaria de D. João III, Doações, ofícios e mercês 1521/1557, Liv. 18, f. 48v.
Carta de mestre de cartas de marear a António Martins, 1563. Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, Doações, ofícios e mercês, Liv. 13, f. 158v.
Carta de mestre de cartas de marear a Bartolomeu Lasso, 17 de Maio de 1564. Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, Doações, ofícios e mercês, Liv. 15, f. 69.
Carta de mestre de cartas de marear a Luís Teixeira, 18 de Outubro de 1564. Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, Doações, ofícios e mercês, Liv. 13, f. 261.
Carta régia, 16 de Julho de 1572. Chancelaria de D. Sebastião e D. Henrique, Perdões e legitimações, Liv. 44, f. 196v.
Lisboa, Arquivo Municipal–Arquivo Histórico
Chancelaria da Cidade, Livro 1º da vereação, f. 103.
Chancelaria da Cidade, Livro 2º da vereação, f. 33v.
Bibliografia sobre o biografado
Cortesão, Armando. Cartografia e cartógrafos portugueses dos séculos XV e XVI, Vol. I: 249–305. Lisboa: Seara Nova, 1935.
Cortesão, Armando e Avelino Teixeira da Mota. Portugaliae Monumenta Cartographica, Vol. I. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1987 [1960].
Denucé, Jean. Les origines de la cartographie portugaise et les cartes des Reinel. Gand: Librairie Scientifique E. Van Goethem, 1908.
Marques, Alfredo Pinheiro. “Reinel, Pedro e Jorge.” In Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, ed. Luís de Albuquerque, Vol. II: 940–941. Lisboa: Caminho, 1994.
Viterbo, Sousa. Trabalhos náuticos dos Portuguezes nos séculos XVI e XVII, Parte I. Lisboa: Typographia da Academia Real das Sciencias, 1898.