Sousa, Francisco Luís Pereira de

Funchal, 22 setembro 1870 — Portimão, 25 setembro 1931

Palavras-chave: engenharia militar, Serviços Geológicos, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, terramoto de 1755, tectónica.

DOI: https://doi.org/10.58277/TXFQ2967

Francisco Luís Pereira de Sousa foi talvez um exemplo de um certo homem de ciência que existiu em Portugal na transição do século XIX para o seguinte.

Pereira de Sousa passou a infância e a adolescência na sua cidade natal, onde realizou os primeiros estudos. Aos dezassete anos, partiu para Lisboa a fim de cursar os preparatórios de Engenharia Militar na Escola Politécnica e, em 1888, ingressou na Escola do Exército a fim de completar a sua formação. Concluiu o curso em 1894 e foi colocado na divisão de engenharia militar em Tancos. A 10 de outubro de 1904, com o posto de tenente, foi nomeado engenheiro subalterno de segunda classe do Corpo de Engenharia Civil da secção de Obras Públicas. Promovido a capitão no mesmo mês, foi destacado para a Direção Geral dos Correios e Telégrafos.

No dia 1 de janeiro de 1911, Pereira de Sousa passou a prestar serviço, a seu pedido, na Comissão do Serviço Geológico, uma vez que a geologia lhe despertava grande interesse desde há muito. Entre 1918 e 1922, chefiou, interinamente, por duas vezes, os Serviços Geológicos (SG), instituição que, em 1918, substituiu a Comissão do Serviço Geológico. Pereira de Sousa permaneceu nos SG até setembro de 1928, quando foi forçado a abandonar a instituição devido à publicação de legislação que limitava a acumulação de cargos na função pública.

A par de trabalhar nos SG, Pereira de Sousa foi igualmente professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) desde a sua criação, em 1911. Ingressou na carreira académica como segundo assistente da cadeira de Geologia e, em 1915, foi promovido a primeiro assistente, tendo passado a reger, além da cadeira de Geologia, a de Geografia Física e Física do Globo e a de Mineralogia e Petrologia. Em abril de 1929, foi nomeado professor catedrático e diretor do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico anexo à FCUL, sendo-lhe atribuído, em julho do mesmo ano, o título de doutor em Ciências Histórico-Naturais.

Pereira de Sousa foi sócio da Associação dos Engenheiros Civis Portugueses; sócio e vice-presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa e da Associação dos Arqueólogos Portugueses e sócio efetivo da Academia de Ciências de Lisboa. No plano internacional, foi sócio da Sociedade Geológica de França, tendo desempenhado as funções de vice-presidente, em 1922.

Fora do âmbito científico e académico, Pereira de Sousa foi presidente do Conselho Fiscal do Banco Nacional Ultramarino e membro de uma comissão nomeada pela ditadura nacional com a finalidade de estabelecer uma nova divisão administrativa de Portugal.

Pouco se sabe sobre o trabalho de Pereira de Sousa antes de ter sido destacado para os SG mas é de supor que, além de tratar de aspetos burocráticos inerentes ao funcionalismo público, a sua principal atividade fosse o aconselhamento e o acompanhamento técnico. Efetivamente, durante este período, Pereira de Sousa fez parte do Conselho Superior de Obras Públicas e de um comité de inspeção do Observatório Astronómico de Lisboa.

Foram os anos que Pereira de Sousa passou, primeiro na Comissão do Serviço Geológico, e, em seguida, nos SG, que, do ponto de vista científico, foram os mais produtivos e significativos da sua carreira. No entanto, este foi também um dos períodos mais difíceis da vida da instituição. Quando Pereira de Sousa ingressou nos SG, Paul Léon de Choffat (1849–1919) era o único geólogo que aí trabalhava; a convivência entre os dois, a influência e os ensinamentos de Choffat terão sido decisivos na formação geológica de Pereira de Sousa. Todavia, não é possível afirmar que existiu entre ambos uma relação de mestre/discípulo.

A presidência interina dos SG a que Pereira de Sousa se viu obrigado, não parece ter sido uma experiência particularmente gratificante. Acima de tudo, a acumulação das funções desempenhadas nos SG com as de docente na FCUL não deixavam a Pereira de Sousa tempo suficiente para desenvolver a sua atividade científica. As pretensões de Pereira de Sousa no que respeita ao abandono da chefia dos SG acabaram por ser atendidas, mas o geólogo permaneceu na instituição até ter sido legalmente impedido.

Enquanto professor na FCUL, Pereira de Sousa parece ter sido um dos poucos a fomentar a realização de saídas geológicas junto dos seus alunos. Muitos desses alunos frequentavam o curso de Ciências Histórico-Naturais com o objetivo de virem a ser professores de ciências no ensino secundário. Outros eram obrigados a ter aproveitamento em cadeiras de Geologia que faziam parte dos cursos preparatórios de Engenharia. Poucos eram os alunos que pretendiam prosseguir uma carreira de algum modo relacionada com a geologia, o que não permitiu a Pereira de Sousa criar discípulos, nem na FCUL, nem nos SG.

Na verdade, no que respeita à geologia, as condições académicas, científicas e mesmo sociais existentes à época no país não permitiam o efetivo desenvolvimento desta ciência. Ao criar, em 1931, o Boletim do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico, cujo objetivo era a publicação de estudos inéditos dedicados à geologia portuguesa, Pereira de Sousa pretendeu, certamente, contribuir para uma desejada transformação do panorama da investigação e prática geológicas.

Os estudos de Pereira de Sousa relativos à geologia do Algarve, que se encontravam relacionados com a realização pelos SG de uma Carta Geológica do Algarve na escala 1:50,000, são, talvez, os mais reveladores da sua atividade científica. Esses estudos permitiram-lhe escrever e publicar diversos artigos sobre a petrografia, o vulcanismo, a tectónica e a estratigrafia da região e constituíram grande parte da sua produção científica entre 1917 e 1922. Foram ainda fundamentais para o conhecimento do Carbónico do Algarve, que se encontrava, na época, ainda pouco estudado. A maior parte desses estudos foram publicados nas Comptes Rendus de l’Académie des Sciences de Paris e nas Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal.

O trabalho de investigação de Pereira de Sousa levou a que se deslocasse com frequência ao Laboratório de Mineralogia do Museu de História Natural de Paris, onde trabalhou com François Antoine Alfred Lacroix (1863–1948), que considerava seu mestre. Teorias relativas às estruturas tectónicas deste e de outros geólogos franceses, bem como as do sismólogo Fernand Montessus de Ballore (1851–1913), foram as principais e mais diretas influências nos estudos de Pereira de Sousa dedicados à tectónica. Indiretamente, Pereira de Sousa foi também influenciado pelas teorias do geólogo austríaco Eduard Suess (1831–1914), uma vez que os geólogos franceses com quem privou eram parte de uma linhagem de seguidores de Suess.

Uma das consequências das teorias tectónicas de Suess foi o renovado interesse da comunidade geológica pela questão da Atlântida no início do século XX. Pereira de Sousa interessou-se pelo tema, tanto mais que a localização lendária da Atlântida dada por Platão era de modo a poder situá-la próximo de Portugal, o que conferia à questão um interesse acrescido. Pereira de Sousa considerava que a Atlântida teria sido um grande continente que ocupava quase todo o oceano Atlântico em tempos anteriores ao Quaternário e que ligava as actuais Europa, África e América; os arquipélagos das Canárias e da Madeira seriam os vestígios deixados pela submersão dessa hipotética Atlântida.

As teorias de Suess e dos geólogos franceses foram, igualmente, o ponto de partida para aquele que é, sem dúvida, o trabalho mais conhecido de Pereira de Sousa: a obra em quatro volumes dedicada ao terramoto de Lisboa de 1755, publicada entre 1919 e 1931 e deixada incompleta pelo facto do geólogo ter falecido subitamente devido a uma síncope cardíaca quando realizava trabalho de campo no Algarve.

Neste trabalho, Pereira de Sousa identificou regiões com diferente sismicidade em Portugal Continental, utilizando, para tal, as intensidades relativas apresentadas pelo terramoto em várias localidades. As intensidades foram obtidas a partir de dados retirados dos inquéritos mandados realizar pelo marquês de Pombal no seguimento da catástrofe. Pereira de Sousa considerou ainda que o epicentro do sismo se teria situado a sul do Algarve ocidental e a nordeste do arquipélago da Madeira e a sua origem estaria relacionada com movimentos epirogénicos de uma depressão existente no fundo do Mediterrâneo, com atividade tectónica recente.

Apesar do seu impacto científico limitado, tanto nacional como internacionalmente, o estudo de Pereira de Sousa sobre o terramoto de 1755 constituiu uma das primeiras tentativas no campo da investigação geológica de sismos em Portugal.

Pereira de Sousa foi um geólogo por vocação, uma vez que não possuía qualquer formação específica em geologia. A sua vontade de construir uma reputação científica enquanto geólogo, levou-o a conseguir uma posição nos SG, o único sítio em Portugal onde era possível desenvolver uma prática geológica efetiva. A sua carreira na instituição apresenta assim um padrão semelhante à de outros geólogos portugueses que, durante o século XIX, aí trabalharam: engenheiros militares cujo gosto pela geologia os levou a uma quase autoaprendizagem que permitiu a alguns deles tornarem-se competentes geólogos.

Pode dizer-se que Pereira de Sousa é o último dos geólogos do período pioneiro da geologia em Portugal e que, à data da sua morte, a sua carreira científica possuía alguma visibilidade, até mesmo no estrangeiro, algo que não voltaria a acontecer a um geólogo português nas duas décadas seguintes.

Teresa Salomé Mota
Gestão e conversação do património geológico

Arquivos

Lisboa, Arquivo Histórico da Academia de Ciências de Lisboa.

Lisboa, Arquivo Histórico de Economia.

Lisboa, Arquivo Histórico do Laboratório Nacional de Engenharia e Geologia.

Lisboa, Arquivo Histórico do Museu de Ciência da Universidade de Lisboa.

Obras

Gentil, Louis e Francisco Luís Pereira de Sousa. “Sur les effets au Maroc du Grand Tremblement de Terre en Portugal (1755).” Comptes Rendus de l’Académie des Sciences de Paris 157 (1913): 805–808.

Sousa, Francisco Luís Pereira de. “Algumas rochas eruptivas das orlas mesozoica e cenozoica de Portugal.” Boletim do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico da Universidade de Lisboa 1 (1931–1934): 1–16.

Sousa, Francisco Luís Pereira de. “Alguns prognósticos possíveis do terramoto de 1755.” Boletim da Academia das Ciências de Lisboa 1 (1929): 98–109.

Sousa, Francisco Luís Pereira de. “Aperçu sur le Carbonique de la rive droite du Guadiana.” Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal 15 (1924): 43–48.

Sousa, Francisco Luís Pereira de. “Contribution à l’étude petrographique du nord d’Angola.” Comptes Rendus de l’Académie des Sciences de Paris 157 (1913): 1450–1453.

Sousa, Francisco Luís Pereira de. “Estudo geológico do Polygno de Tancos.” Revista de Engenharia Militar 15 (1902): 1–34.

Sousa, Francisco Luís Pereira de. “La Serre de Monchique.” Bulletin de la Société Géologique de France 26 (1926): 321–350.

Sousa, Francisco Luís Pereira de. O Terremoto do 1º de Novembro de 1755 em Portugal e um Estudo Demográfico. Lisboa: Oficina Gráfica Lda, 1919-1931. 4 vols.

Sousa, Francisco Luís Pereira de. “Sur les mouvements épirogéniques pendant le Quaternaire à l’Algarve.” Comptes Rendus de l’Académie des Sciences de Paris 166 (1918): 688–691.

Sousa, Francisco Luís Pereira de. “Sur les roches éruptives de la partie occidentale de l’Algarve (Portugal).” Comptes Rendus de l’Académie des Sciences de Paris 191 (1930): 59–61.

Bibliografia sobre o biografado

Almeida, Fernando Moitinho de e António Barros Carvalhosa. “Breve História dos Serviços Geológicos em Portugal.” Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal 58 (1974): 239–265.

Carneiro, Ana e Teresa Salomé Mota. “Francisco Pereira de Sousa (1870–1931): um terramoto para uma vida.” In O Terramoto de 1755 — Impactos Históricos, ed. Ana Cristina Araújo, José Luís Cardoso, Nuno Gonçalo Monteiro, Walter Rossa e José Vicente Serrão, 131-143Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais e Livros Horizonte, 2007.

Costa, Alfredo Augusto d’Oliveira Machado e. “O Professor Dr. Francisco Luís Pereira de Sousa, 1870-1931.” Boletim do Museu de Mineralogia e Geologia da Universidade de Lisboa 2 (1933): 2–14.

Simões, Jorge Macedo de Oliveira. “Biografia de geólogos portugueses — Francisco Luís Pereira de Sousa (1870-1931).” Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal 17 (1931): 3–11.