Lusitano, Zacuto (Zacuti Lusitani)

Lisboa, 1575 — Amesterdão, 21 janeiro 1642

Palavras-chave: Zacuto Lusitano, medicina século XVII, anatomia, deontologia médica.

DOI: https://doi.org/10.58277/ILWK2773

Nascido em Lisboa no seio de uma família de cristãos novos, era descendente de Abraão Ben Samuel Zacuto (ca. 1450–1510), o destacado cosmógrafo, matemático e sábio da corte portuguesa. De acordo com alguns testemunhos coevos, em Lisboa, Zacuto Lusitano usava o nome de Manuel Álvares de Távora.

Em “Zacuti Lusitani, medici ac philosophi praestantissimi, vita, ac elogium” a curta biografia que o seu colega e amigo Luís de Lemos (Ludovico Lemosio) publicou no primeiro dos volumes que, vindos a público em 1649, reuniram as obras de Zacuto, encontram-se algumas notas biográficas sobre o físico. Neste testemunho lê-se que o médico fez os seus estudos de latim, gramática e retórica em Lisboa e que se dirigiu depois para Salamanca e Coimbra, onde estudou filosofia e terminou a sua formação em medicina. Obteve o grau de Doutor, em 1596, na universidade de Siguenza. Considerada uma instituição menos prestigiada do que qualquer as outras onde iniciara os seus estudos, alguns biógrafos defenderam que esta decisão foi tomada para fazer face à difícil situação económica em que a sua família vivia, desde a morte de seu pai ocorrida enquanto Zacuto ainda era estudante. Terminada a sua formação regressou a Coimbra onde, obedecendo ao Regimento Régio, praticou medicina durante dois anos ao lado de um conceituado físico da cidade. Examinado pelo físico-mor em 1598, que o considerou apto para curar, instalou-se, então na região de Lisboa onde exerceu medicina. Naquele final de século, uma devastadora peste oriunda da Flandes atingiu a Península Ibérica causando pesadas mortes. Os numerosos doentes que Zacuto foi chamado a tratar, e as curas que alcançou entre as mais influentes personalidades políticas e religiosas da capital, reforçaram o seu reconhecimento e deram crédito ao seu nome. Pensa-se que terá sido em Lisboa que cruzou importantes nomes da medicina como Manuel Bocarro Francês (Jacob Rosales). Por motivo que não esclareceu, Zacuto abandonou Portugal em 1625, levando consigo a sua mulher e os cinco filhos. Para trás deixou a sua mãe e as duas irmãs. Muitos atribuem esta partida ao clima de instabilidade que então se vivia no país face às crescentes perseguições por parte do Tribunal do Santo Ofício a algumas comunidades de judeus e de cristãos novos. O médico dirigiu-se então para Amesterdão onde se fixou com a sua família. Nesta cidade abraçou a prática do Judaísmo e adotou o nome de Abraão Zacuto. Foi também ali que encontrou condições para publicar os escritos que o notabilizaram. A partir da Holanda, estabeleceu uma vasta rede de contactos atestando, através das suas obras, a familiaridade com os mais recentes tratados médicos, que amplamente citou, ou com os sábios que amiúde o consultavam para lhe apresentar alguns casos clínicos mais raros 

Escritor prolífico e estudioso infatigável tinha o hábito de registar diariamente as suas observações. Ao longo da sua vida publicou numerosos tratados, nomeadamente: De Medicorum Principum Historia (1629–1642) e De Praxi Medica Admiranda (1634). O conjunto das suas obras foi reunido, em 1649, em dois volumes in-fólio, publicados postumamente, em Lião.

No primeiro in-fólio, Operum tomus primus, após uma notável sucessão de epigramas, poemas, odes e cartas, encontra-se a referida biografia de Zacuto à qual se segue uma extensa lista de autores citados. Só então surgem os textos científicos deste tratado. Partindo das histórias clínicas que Zacuto discutiu e publicou ao longo das décadas anteriores em De medicorum principum historia, o volume descreveu os casos clínicos de numerosos de pacientes que, ao longo da sua vida, teve oportunidade de tratar. Atestando um vasto conhecimento das obras de autores clássicos, gregos e árabes, que por vezes contestou, Zacuto esclareceu dúvidas, apresentou soluções e teceu fundamentados comentários sobre o saber em circulação. Para muitas das curas preconizou o uso de novos produtos provenientes das Índias, como o maracujá, o ananás, o cacau, a cola, o coco-das-Molucas ou os bezoares. O tratado incluiu ainda um livro dedicado ao estudo das febres, suas causas, sinais e tratamentos e um outro sobre os venenos e seus antídotos. Por fim, em “Spicilegium anatomicum” revelou amplos conhecimentos de anatomia descrevendo, com grande profusão de detalhe, os diferentes órgãos do corpo humano. Atestando a sua preocupação com as condições em que deveria decorrer uma autópsia, registou as características que um teatro anatómico devia apresentar.

Em Operum tomus secundus, após os textos laudatórios, encontram-se vários livros. Destacando as amplas preocupações deontológicas manifestadas por Zacuto, o tratado iniciou-se com “Introitus medici ad praxim”. Este conjunto de preceitos de Deontologia Médica colocou Zacuto ao lado de outros grandes físicos do seu tempo como Rodrigo de Castro ou Henrique Jorge Henriques que, ao longo das suas obras, evidenciaram semelhante cuidado. Na sua “Phamacopoea elegantissima” Zacuto privilegiou a descrição de purgantes já conhecidos, como o ruibarbo, a canafístula, o tamarindo, a escamónea, o aloés, o maná ou os mirabolanos. Curiosamente, da sua lista de fármacos, não constavam os produtos novos a que se referira noutros livros. Zacuto dedicou “Praxis historiarum” ao estudo e definição das causas, sintomas, prognósticos e tratamentos das doenças da cabeça, das vísceras do tórax e do abdómen, das doenças de mulheres ou das febres. No entanto, “Praxis medica admiranda in qua, exempla monstrosa, rara”, revelou ser um dos seus livros mais inovadores. Neste compilou e analisou um importante conjunto de casos clínicos raros que observou assim como os que lhe foram descritos pelos seus colegas. O carácter insólito de muitas das situações que testemunhou e as soluções que preconizou, tornaram este livro num dos mais apreciados na sua obra. Ao longo dos textos impressos, Zacuto referiu-se ainda a outros projectos de publicação que, por não se conhecerem, se admite terem perdido.

Para além da erudição que atestou com os seus escritos é importante realçar o reconhecimento que os seus contemporâneos lhe concederam. A presença, nos textos preliminares das suas obras, de epístolas, dedicatórias, panegíricos, epigramas e odes da autoria de destacados nomes da cultura europeia, assim como os convites que lhe foram dirigidos por eruditos para que redigisse prefácios, epístolas laudatórias ou cartas ao editor destinadas a apresentar os seus livros, são reveladores da notoriedade que Zacuto alcançou entre os sábios do seu tempo. 

Teresa Nobre de Carvalho
CHAM, Universidade Nova de Lisboa
SFRH/BPD/119899/2016

Obra 

Zacuti Lusitani. De Medicorum Principum historia libri sex. Amstelodami apud Joannem Federicum Stam, 1629.

Zacuti Lusitani, De Praxi medica admiranda libri tres  Amstelodami: Typis Cornelii Breugeli, Sumptibus Henrici Laurentii, 1634.

Zacuti Lusitani. De Medicorum Principum historia. Liber secundus. Amstelodami: apud Henrici Laurentii, 1636.

Zacuti Lusitani, De Medicorum Principum historia. Liber tertius. Amstelodami: pud Henrici Laurentii, 1637.

Zacuti Lusitani. De Medicorum Principum historia. Liber quartus. Amstelodami: Sumptibus Henrici Laurentii Bibliopolae, 1637. 

Zacuti Lusitani. De Medicorum Principum historia. Liber quintus. Amstelodami: Sumptibus Henrici Laurentii, 1638. 

Zacuti Lusitani. De Medicorum Principum Historia. Liber sextus. Amstelodami: apud Henrici Laurentii, 1638. 

Zacuti Lusitani. De Medicorum Principum historia. Liber septimus. Amstelodami: apud Henrici Laurentii, 1641.

Zacuti Lusitani. De Medicorum Principum historia. Liber octavus. Amstelodami: apud Henrici Laurentii, 1641.

Zacuti Lusitani. De Medicorum Principum historia. Liber nonus. Amstelodami: apud Henrici Laurentii, 1642.

Zacuti Lusitan., De Medicorum Principum historia. Liber decimus. Amstelodami: apud Henrici Laurentii, 1642.

Zacuti Lusitani, Medici et Philosophi Præstantissimi, Operum tomus primus. Lugduni: sumptibus Joannis Antonii Huguetan, filii, & Marcii Antonii Ravaud, 1649.

Zacuti Lusitani, Medici et Philosophu Præstantissimi, Operum tomus secundus. Lugduni: sumptibus Joannis Antonii Huguetan, filii,  Marcii Antonii Ravaud, 1649.

Bibliografia sobre o biografado

Machado, Diogo Barbosa. Bibliotheca Lusitana, vol. 3: 1741–1759. Coimbra: Atlântida, 1965–1967.

Friedenwald, Harry. The Jews and Medicine: Essays, vol. I: 307–321. Baltimore: John Hopkins Press, 1944.

Lemos, Maximiano de. Zacuto Lusitano: a sua vida e a sua obra. Porto: Eduardo Tavares Martins, 1909. 

Lemos, Maximiano de. História da Medicina em Portugal. Doutrinas e Instituições, 2ª ed., vol. 2: 27–34 Lisboa: D. Quixote e Biblioteca da Ordem dos Médicos, 1991 [1899]).

Pina, Luís de. “Os portugueses Francisco Sanches e Zacuto Lusitano na história da anatomia.” Sep. de Petrus Nonius(1944).

“Zacuto, Abraão.” In Joel Dicionário de História de Portugal, ed. Joel Serrão, vol. 4: 239–244. Lisboa: Iniciativas Editoriais, 1991.

Naiera, António de

Lisboa, ca. 1618 — 1632

Palavras-chave: navegação; século XVII.

DOI: https://doi.org/10.58277/OPEZ6270

A maior parte das informações biográficas sobre António de Naiera chegam a partir da leitura da sua obra maior: Navegacion Especulativa y pratica (1628). O próprio autor forneceu preciosos dados no frontispício e «Prologo» da obraao indicar que terá nascido em Lisboa (o mesmo se repetiu no frontispício da Suma Astrológica que mandou publicar em 1632). Os primeiros e precoces estudos em matemáticas terão sido realizados ainda em Portugal, onde viviam seus pais, mas logo que teve oportunidade ausentou-se da pátria, “(…) solicitando por toda España hombres doctos en esta faculdade; assi en Vniversidades, como fuera dellas (…)” de maneira a completar a sua formação em assuntos mais avançados nas ciências astrológicas, cosmográficas e de navegação. Em relação à sua esfera privada, tudo leva a crer que atingira já uma idade “madura”, que seria casado e que teria tido filhos. Nada se sabe de concreto sobre o ano em que nasceu mas duas indicações – idade madura e a referência à pátria – permitem especular que seria um homem com não menos que 40-50 anos, nascido ainda num Portugal independente, ou seja, na década de 1570.

Na época em que se editou a sua obra principal, Naiera seria possivelmente uma figura extrínseca aos principais organismos e instituições dedicados à gestão e instrução dos homens do mar. Não se encontraram, até à data, referências a cargos ocupados por si na Casa de la Contratación de Sevilha ou noutros organismos estatais em Espanha. Em Portugal, o cenário é idêntico. Aliás, é possível que nessa altura vivesse em Portugal, país onde de resto fez imprimir os seus principais trabalhos. Especulando um pouco mais, é de supor que tenha frequentado e colaborado com alguma das instituições de ensino peninsulares e aí adquirido conhecimentos mais específicos sobre os assuntos que agora se dedicava a publicar. A evidente filiação da Navegacion no trabalho de autores como os cosmógrafos Andrés García de Céspedes e Manuel de Figueiredo ou mesmo do padre Francisco da Costa (ainda que por via indirecta), poderá ser indicador de uma formação na Academia de Matemáticas de Madrid ou até em colégios jesuítas. 

A primeira edição da Navegacion Especulativa y pratica não tem qualquer dedicatória (o mesmo já não iria suceder na segunda edição, publicada depois da sua morte), detalhe que pode justificar uma certa independência de instituições e mecenas. Não obstante, a leitura das «Licenças» de impressão deste livro permite saber um pouco mais. Aí, Dom Jorge d’Almeida certifica que viu “este liuro (…) por mandado de V.M. Composto por Antonio de Naiera, e por ella me acabei de inteirar das nouas que tinha deste Autor a que naõ daua inteira Fé, duuidando auer em Portugues tanta curiosidade, que chegasse a compor com eloquencia facil, e vtil, materia de tanta erudição. (…) pareceme que V.M. deue fazerlhe a merce que pede, no que mostra bẽ claro o rreceo que se tem da falta de curiosidade dos portugueses”. Esta licença indica um relativo desconhecimento da sua pessoa por parte das autoridades e também sugere que a composição do livro deste “matemático lusitano” foi provavelmente independente da corte, muito possivelmente também do ambiente universitário e dos organismos dedicados ao ensino da navegação. Apesar de tudo, o seu nome parecer ter tido alguma repercussão na Península Ibérica dominada pelos Habsburgo, principalmente devido à sua reputação como astrólogo, ocupação de onde retiraria os dividendos financeiros necessários à sua manutenção. 

Navegacion Especulativa y pratica é uma obra geral sobre assuntos de navegação, escrita em castelhano, e que apresenta características literárias próprias da sua época, bem como algumas que lhe conferem um particular interesse. O livro está na linha de composições anteriores por parte de alguns praticantes de matemáticas que usavam conhecimentos e procedimentos matemáticos nas suas práticas diárias (aplicadas ou teóricas), neste caso em assuntos de navegação, cartografia e construção de instrumentos. 

Um dos objectivos desta edição era o de actualizar a informação disponível sobre o assunto. Ao longo da obra constata-se que o autor foi muito influenciado pelo trabalho do cosmógrafo e matemático Pedro Nunes e de Andrés García de Céspedes, e que procurou actualizar algumas informações presentes em trabalhos dos cosmógrafos Rodrigo Zamorano e Manuel de Figueiredo. Num plano mais geral, há referências a Regiomontano, Euclides, Magini e Clávio o que indica uma formação científica avançada do autor. Naiera apresenta também um bom conhecimento geral da astronomia da sua época. Destaca-se o facto de ter referido as observações e usado tabelas compostas por Tycho Brahe e a referência a dados astronómicos obtidos por Copérnico. Mesmo não sendo original na literatura científica ibérica, este facto revela António de Naiera como um homem informado e atento aos dados astronómicos mais precisos e avançados da sua época. O historiador Luís de Albuquerque sublinhou que Naiera foi “o primeiro português a usar sistematicamente a trigonometria esférica na resolução de problemas astronómicos de que trata”. Também Fontoura da Costa o listou, entre outros manuais de auxílio à pilotagem, como “excelente livro para a época”. Com efeito, o interesse à volta deste trabalho também se fez notar no seu tempo, já que teve uma segunda edição espanhola em 1669 e registam-se, pelo menos, duas traduções para português (Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal, Cod. 11063 e Cod. A.T./L. 15), o que aponta para alguma procura por parte de um público que se estendia a toda a península. Terá sido uma obra de referência e conhecida na Península Ibérica tendo servido de manual de navegação no século XVII.   As outras obras que deixou impressas (além da Navegacion) indicam ligações à prática astrológica. Em 1619, mandou editar o folheto Discursos Astrológicos sobre o Cometa Que Apareceu em 25 de Novembro. Em 1632, fez sair do prelo uma Suma astrológica y arte de enseñar hazer prognosticos (…). Este último é um texto em que o autor procura tratar das influências dos astros em aspectos da vida comum como a navegação. No prólogo desta última obra revela a possibilidade de fazer editar uma Suma de observaçoes e experiencias metheorologicas feitas acerca dos tempos, e mutações para cada dia do anno.

Bruno Almeida

Obras

Naiera, António de. Discursos Astrológicos sobre o Cometa Que Apareceu em 25 de Novembro. Lisboa, Pedro Craesbeck, 1619. 

Naiera, António de. Navegacion especulativa y pratica, reformadas sus reglas por las observaciones de Tycho Brahe, com emienda de algunos yerros essenciales. Todo provado con nuevas supposiciones Mathematicas, y demonstraciones Geometricas; especialmente para saber el altura del polo Austral por las estrellas del Crucero, com tanta certeza como se haze tomando el Sol al medio dia, lo que hasta agora por los regimientos passados se hazia sin fundamento, y con muchos yerros. Assi mas trata la Navegación que se haze por el globo, y la diferencia que tienen carteando por el sus puntos a los que se toman en la Carta plana, que los navegantes usan. Con otras muchas curiosidades a proposito, assi para los doctos Navegantes, como para los puramente práticos. Lisboa: Pedro Craesbeck, 1628; Madrid: Imprenta Real, 1669, 2ª edição.

Naiera, António de. Suma astrológica y arte de enseñar hazer prognosticos (…). Lisboa, António Alvarez, 1632.

Bibliografia sobre o biografado

Albuquerque, Luís de. “Uma tradução portuguesa da «Navegacion Especulativa» de António de Naiera”, A Náutica e a Ciência em Portugal. Notas sobre as navegações, 25-41. Lisboa: Gradiva, 1989.

Almeida, Bruno. “A influência da obra de Pedro Nunes na náutica dos séculos XVI e XVII: um estudo de transmissão de conhecimento.” Dissertação de doutoramento, Universidade de Lisboa, 2011.

Barbosa Machado, Diogo. Bibliotheca Lusitana, Tomo I, 338. Coimbra: Atlântida Editora, 1965.

Cortesão, Armando e Fernanda Aleixo e Luís de Albuquerque, comentários e anotações. A Arte de Navegar de Manuel Pimentel. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1969.    

Cunha, Pedro José da. Bosquejo histórico das matemáticas em Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional de Lisboa, 1929, p. 31.

Fontoura da Costa, Abel. A marinharia dos descobrimentos. Lisboa: Imprensa da Armada, 1933.

Grande Enciclopédia Portuguesa Brasileira, Vol.18, 358-359. Lisboa e Rio de Janeiro: Editorial Enciclopédia, 1935.

Albuquerque, Luís de e Francisco Contente Domingues. Dicionário de história dos Descobrimentos Portugueses, Vol. II, 791-792. Lisboa: Círculo de Leitores, 1994.

Silva, Inocêncio Francisco da. Diccionario Bibliographico Portuguez, Tomo I, p. 211-212. Lisboa: Imprensa Nacional, 1863. 

Sequeira, Gaspar Cardoso

Murça, XVI-XVII

Palavras-chave: matemática, magia matemática, baralho ordenado.

DOI: https://doi.org/10.58277/TLNS2932

Gaspar Cardoso de Sequeira nasceu em Murça — no Alentejo, segundo Inocêncio Francisco da Silva e Diogo Barbosa Machado, em Trás-os-Montes de acordo com Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues — na segunda metade do século XVI. Estudou na Universidade de Alcalá, obtendo o título de  Mestre em Artes. Ensinou matemáticas ao longo de vinte anos em Lisboa (1604), Coimbra, Braga, Porto e Lamego e, em Espanha, em  Ciudad Rodrigo e Tuy. 

A sua obra Thesouro de Prudentes (1612) foi popular no seu tempo, tendo sido sucessivamente reeditada durante cem anos. Nela está contida a descrição matemática de um efeito de ilusionismo tradicionalmente atribuído ao mágico americano Si Stabbins (1867 – 1950). 

Jorge Nuno Silva

Obras

Sequeira, Gaspar Cardoso. Prognostico lunario para o anno de 1605, com algumas curiosas anotações no cabo. Lisboa, editado por Pedro Craesbeeck, 1601.

—. Thesouro de Prudentes. Contém quatro livros: 1.º do computo ecclesiastico, com algüas annotações para os parochos. 2.º tem dous tratados, primeiro de cousas tocantes á agricultura… segundo de cousas importantes á Medicina e Cirurgia, com algüs remedios experimentados. 3.º Da Arismetica, com varias curiosidades a ella pertencentes. 4.º Da Esphera, maneira de fazer quadrantes para tomar a altura, fabricar relogios diurnos, e nocturnos, medição das horas planetarias, preparação das figuras usadas na Astronomia Judiciaria…. e outras cousas similhantes. Coimbra, por Nicolau Carvalho 1612. 4.º Ibi, pelo mesmo 1626. 4.º. Sahiu em terceira edição, accrescentado com o Prognostico e Lunario perpetuo, Coimbra, por Thomé Carvalho 1651. 4.º Ibi, pela viuva de Manuel Carvalho 1664. 4.º Lisboa, por Francisco Villela 1673. 4.º Evora, na Offic. da Universidade 1675. 4.º Lisboa, por João Galrão 1686. 4.º de IV 363 pag. N’esta impressão, (que se diz sexta, posto que contadas as precedentes, deve ser septima) sahiu accrescentado com um Tractado para se saber de cor as horas da maré, e varias curiosidades que se declaram no prologo, pelo sargento-maior Gonçalo Gomes Caldeira. Estes accrescentamentos começam a pag. 341. Mais sahiu a outava edição, Evora, na Imp. da Universidade 1700. 4.º (Barbosa tem erradamente 1701.) N’esta faltam os additamentos de Gonçalo Gomes Caldeira. Outra edição, Lisboa, por Manuel Lopes Ferreira 1701. 4.º Outra, que no rosto se diz septima, sendo realmente decima, como se vê da enumeração feita: Lisboa por Miguel Manescal 1712. 4.º de IV 355 pag. N’esta vem os sobreditos additamentos de Caldeira. (In Diccionario bibliographico portuguez)

—. Primeira e segunda parte de Segredos da Natureza, tirados de regras filosóficas, não menos úteis que curiosas. Lisboa, 1631; 1673, Coimbra, 1704.

Bibliografia sobre o biografado

Klauf, Tony. A importância do baralho ordenado no ilusionismo,  ed. do autor, Grijó: Porto, 1998. Dep. Leg. 130597/98

Machado, Diogo Barbosa. Bibliotheca Lusitana, Tomo II, (Lisboa 1747), p. 339.

Silva, Innocencio Francisco. Diccionario bibliographico portuguez, Tomo Terceiro. Lisboa, 1859, p. 124 (Gaspar Cardoso de Siqueira).

Pereira, Esteves e Guilherme Rodrigues. Portugal — Diccionario histórico, chorografico, biográfico, bibliográfico, heráldico, numismático e artístico, vol. VI. Lisboa, 1912, p. 812.

Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, volume XXVIII. Lisboa e Rio de Janeiro, sd, p. 371.

Santos, José Carlos. “A ilusão portuguesa”, Gazeta de Matemática 158, (setembro, 2009), pp. 30-1.

Vinuesa, Carlos. “Círculos mágicos”, Matematicalia 7, n. 4 (dezembro, 2011), pp. 1-9

Serrão, Veríssimo. “Contributo para o estudo dos portugueses na Universidade de Alcalá (1509-1640)”, Revista Portuguesa de História 17 (1978), pp. 37-54

Sarmento, Henrique (Jacob) de Castro

Bragança, 1691 — Londres, 14 setembro 1762

Palavras Chave: newtonianismo, medicina setecentista, relações centro-periferia.

DOI: https://doi.org/10.58277/QTOR5398

Henrique, ou Jacob, de Castro Sarmento (1691-1762), médico judeu, nascido em Bragança e exilado em Inglaterra a partir de 1721, é considerado como o introdutor das ideias de Isaac Newton (1662-1727) em Portugal e um dos principais responsáveis pela disseminação da iatroquímica entre os médicos portugueses, contribuindo para o desenvolvimento da medicina e ciência portuguesas do século XVIII.

Sarmento nasceu em Bragança, filho de Francisco de Castro Almeida e de Violante de Mesquita, ambos cristãos-novos. A sua família fugiu daquela localidade para escapar às perseguições da Inquisição na província de Trás-os-Montes, no final do século XVII, tendo ido para Mértola onde Sarmento iniciou os seus estudos. Em 1706, a Inquisição iniciou um processo contra o pai, tendo os bens da família sido confiscados e a prisão deste ocorrido dois anos mais tarde. Quando Sarmento terminou o curso em Artes na Universidade de Évora, em 1710, o pai compareceu no auto de fé que teve lugar naquela cidade a 20 de Julho.

Em 1711, foi para Coimbra, onde frequentou o curso de medicina tendo obtido o grau em 1717. Depois de algum tempo a praticar medicina no Alentejo, foi para Lisboa, dado o seu nome constar de uma lista de 92 pessoas denunciadas por Francisco de Sá Mesquita à Inquisição de Évora. Em Lisboa, Sarmento casou com a sua prima Luísa Inácia, também ela de origem judaica. Desconhece-se quanto tempo permaneceu na capital portuguesa, mas, em 1721, provavelmente devido ao receio de poder ser preso, o médico português e a sua mulher foram para Londres, cidade onde existia uma comunidade judaica importante.

Após a chegada à capital inglesa, foi circuncidado, tendo mudado o seu nome cristão para Jacob. No seio da comunidade sefardita de Bevis Marks, Sarmento conheceu David Nieto (1654−1728), líder da congregação judaica desde o início do século, e Isaac de Sequeira Samuda (1681−1729), médico da legação portuguesa junto da coroa britânica e o primeiro judeu a ser eleito sócio da Royal Society of London. A relação de alguma proximidade estabelecida entre Sarmento e Nieto terá sido relevante para a evolução do pensamento teológico e científico do médico português. Nieto era newtoniano, tendo procurado conciliar a ortodoxia judaica com as implicações teológicas das ideias de Newton, pelo que a amizade estabelecida entre os dois terá sido relevante em diversos aspetos.

Em 1724, foi acusado pelos membros da congregação judaica londrina de ter denunciado cristãos-novos à Inquisição portuguesa. Na sequência do processo iniciado pelos Anciãos da Sinagoga, o médico português foi ilibado de todas as acusações, mas é possível que esta situação tenha prejudicado a sua relação com alguns dos membros da congregação; por outro lado, Sarmento foi diversas vezes admoestado publicamente por não cumprir os ritos judaicos.

Neste mesmo ano, publicou uma obra religiosa intitulada Exemplar de Penitencia dividido em três discursos, para o dia santo de Kipur, dedicado ao grande e omnipresente Deus de Israel. Este livro, cujo parecer foi escrito pelo próprio Nieto, que também terá influenciado a sua escrita, tinha como principais objetivos evidenciar o seu compromisso para com a religião de Moisés e atacar os seus inimigos e detratores.

Apesar destes problemas, o médico português foi consolidando a sua carreira profissional na competitiva classe médica londrina, tendo sido admitido como membro do Royal College of Physicians em 1725, o que lhe permitiu começar a exercer a profissão, ainda que as posições mais vantajosas lhe estivessem vedadas.

Quando Nieto morreu em 1728, Sarmento foi convidado a escrever o elogio fúnebre do ancião, intitulado Sermam Funebre. A partir desta data, e depois de ter sido eleito sócio da Royal Society, a 3 de Fevereiro de 1730, após a morte de Samuda, a sua atividade no âmbito da congregação sefardita parece ter estagnado.

A eleição para sócio da prestigiada sociedade londrina teve um impacto significativo na sua carreira. Logo em 1730, e com o patrocínio de Hans Sloane (1660−1753), presidente da Royal Society, entrou em contato com Emanuel Telles da Silva, Marquês do Alegrete, presidente da Academia Real de História, sugerindo a criação de um horto botânico, com sementes provenientes do Chelsea Garden. Apesar de essa sugestão não ter sido aceite, dadas as características da sociedade portuguesa, orientada para as humanidades, Sarmento continuou a servir de interlocutor entre as duas sociedades. A mesma sugestão foi apresentada ao reitor da Universidade de Coimbra, D. Carneyro de Figueiroa, com quem manteve contacto, ainda que a proposta, uma vez mais, não tenha sido seguida.

Em 1731, D. João V convidou Sarmento a participar no projeto de reforma da medicina portuguesa, tendo Xavier de Meneses, 4.º Conde da Ericeira (1673−1743) servido de mediador. Na sequência desse convite, foi definido que a reforma deveria ser iniciada com a tradução das obras de Francis Bacon, recentemente compiladas por Peter Shaw (1697−1763), seu colega na Royal Society, sendo o rei português aconselhado a enviar médicos nacionais ao estrangeiro de modo a que pudessem trazer para Portugal as novidades médicas. Nesse ano foi publicado um pequeno folheto intitulado Propoziçoens para imprimir as Obras Philosophicas de Francisco Bacon, onde se define o plano da obra. O projeto não foi por diante, havendo indicações de que conselheiros influentes do rei, como o padre jesuíta Johannes Carbone (1694-1750), se tenham oposto à concretização da reforma preconizada por Sarmento. A relação entre este e o Conde da Ericeira prosseguiu durante muitos anos até à morte do conselheiro real.

Nos anos seguintes à sua eleição para sócio, Sarmento apresentou os resultados das observações astronómicas feitas por padres jesuítas em Portugal e no vasto império português, veiculando informações relevantes para a coroa britânica, interessada em consolidar o seu poderio internacional. Algumas das observações foram feitas por Carbone no observatório dos jesuítas, provavelmente equipado com instrumentos adquiridos em Londres por Samuda, e após a morte deste, por Sarmento. 

A chegada a Londres de Marco António de Azevedo Coutinho (1688−1750), em 1735, foi importante para Sarmento por significar o retomar da sua atividade enquanto autor de obras científicas. De facto, nesse ano, publicou a primeira parte da sua obra médica mais importante, intitulada Materia Medica Physico-Historico-Mechanica, cuja escrita havia sido iniciada em 1731, e que deve ter sido pensada originalmente como parte integrante da reforma da medicina portuguesa. A obra foi dedicada a Azevedo Coutinho que anos mais tarde, a 26 de Abril de 1738, nomeou Sarmento médico da legação portuguesa. 

As relações estabelecidas com os enviados da coroa portuguesa foram importantes para a consolidação do seu prestígio junto desta. Quando Sebastião José de Carvalho e Melo (1699−1782), esteve em Londres, o médico português e o diplomata estabeleceram uma relação de alguma proximidade. 

Em 1739, Sarmento obteve o grau de doutor em medicina pela Universidade de Aberdeen, tendo Sloane intercedido a seu favor, numa época em que a referida instituição atribuía diplomas sem necessidade da frequência de aulas. A obtenção deste grau foi importante para a consolidação da sua carreira médica, permitindo-lhe melhorar o seu estatuto profissional.

Nos anos seguintes, escreveu a maior parte das suas obras científicas, abordando diversos aspetos da prática médica, procurando contribuir para o desenvolvimento da medicina portuguesa. Concomitantemente, a sua rede de contactos aumentou; para além dos diplomatas que exerceram funções na legação portuguesa na capital inglesa, estabeleceu contactos com diversas personalidades portuguesas, merecendo especial destaque a relação mantida com alguns médicos, como João Mendes Sachetti Barbosa, ou António Nuno Ribeiro Sanches (1699−1783), que esteve em Londres durante algum tempo, antes de ir para Leyden, onde foi discípulo de Hermann Boerhaave.

Enquanto sócio da Royal Society, Sarmento esteve envolvido na eleição de diversas personalidades portuguesas para aquela instituição, incluindo Bento de Moura Portugal, Teodoro de Almeida e todos os enviados do rei português à capital britânica. Apresentou também diversas comunicações, algumas publicadas nas Philosophical Transactions.

Em 1748, Sarmento abandonou a comunidade judaica que o tinha acolhido, referindo, na nota que acompanha o seu pedido, a existência de atritos com outros membros. É possível que o abandono da congregação se relacione diretamente com o seu desejo de casar com a amante cristã, com quem efetivamente casou após ter enviuvado de Isabel Inácia. 

As boas relações entre Sarmento e a coroa portuguesa mantiveram-se após a subida ao trono de D. José I, continuando a desempenhar as funções de intermediário entre Inglaterra e Portugal. Os problemas de saúde de que padeceu durante uma parte da sua vida agravaram-se com a idade, tendo morrido em 1762 e enterrado num cemitério não judaico.

A primeira obra de Sarmento foi importante para o estabelecimento do seu prestígio internacional. Intitulada A Dissertation on the method of inoculating the Small-Pox, foi publicada logo em 1721 no auge da polémica relacionada com a introdução da inoculação das bexigas (varíola) em Inglaterra, que antecedeu a vacinação desenvolvida por Edward Jenner (1749-1823). Esta técnica esteve envolta em polémica, por implicar a introdução do agente de uma doença num corpo são.

A Dissertation é a única obra que Sarmento publicou em inglês e a primeira na Europa a abordar esta temática. Sarmento aludiu de forma explícita às ideias de Newton quando procurou explicar o modo como a doença produz os seus efeitos no corpo humano, sendo esta a primeira manifestação da sua adesão ao sistema newtoniano. No ano seguinte, foi publicada a versão latina, tendo esta sido alvo de contrafação. A obra circulou em diversos países, como a Holanda, a Alemanha ou a França, tornando Sarmento conhecido fora de Inglaterra. Em 1730, após a sua eleição para sócio da Royal Society, foi publicada a segunda edição da obra em latim. O livro nunca circulou em Portugal de forma autónoma, tendo o autor optado por incluir a segunda edição latina em obras posteriores. A inoculação das bexigas não foi bem recebida pela comunidade médica portuguesa, tendo sido aplicada na prática apenas no final do século XVIII, muitos anos após a morte de Sarmento, quando foi criado o Hospital Real da Inoculação das Bexigas. 

Em 1726, foi publicada a sua primeira obra científica escrita em português, intitulada Syderohydrologia, onde aborda a utilização das águas minerais para fins terapêuticos, tendo esta temática sido desenvolvida pelo seu autor em outros livros. 

Na Materia Medica, publicada em 1735, as águas minerais são abordadas com maior pormenor, incluindo uma primeira tentativa de caracterização das águas das Caldas da Rainha, pelas quais tinha particular interesse. Anos mais tarde, na sequência do envio para Inglaterra de amostras destas águas, publicou um apêndice à obra, com o título Appendix ao que se acha escrito na Materia Medica (1753), onde incluiu uma descrição pormenorizada dos ensaios efetuados para determinar a composição das águas das referidas termas. Sarmento conheceu pessoalmente Thomas Short e Peter Shaw, seus colegas na Royal Society, médicos que melhoraram os métodos experimentais propostos por Friedrich Hoffman para a elucidação das propriedades das águas minerais. 

Sarmento foi um dos impulsionadores da utilização das águas minerais e termais no tratamento de doenças em Portugal, tendo sublinhado a necessidade de se efetuarem testes laboratoriais às águas minerais existentes em solo nacional, de modo a determinar quais as suas potenciais aplicações terapêuticas. 

A Materia Medica veicula uma visão da medicina baseada na experimentação e no conhecimento das propriedades terapêuticas das substâncias. Contém, por isso, a descrição de diversas substâncias utilizadas no tratamento das doenças, indicando os métodos a ser seguidos na determinação da sua composição. Esta é a primeira obra portuguesa de iatromecânica, sistema seguido pelo médico português e pela maior parte dos seus colegas ingleses, sendo notória a influência de autores como Robert Boyle, Newton e Boerhaave. Numa altura em que o ensino médico na Universidade de Coimbra era dominado pela influência do galenismo, associado à superstição e à crença em poderes ocultos que continuavam a orientar a prática clínica, o livro terá contribuído para uma alteração da atitude dos médicos portugueses relativamente à sua profissão. As duras críticas que lhes foram endereçadas, especialmente a João Curvo Semedo (1635-1719), exemplificam o modo como Sarmento encarava a medicina portuguesa da sua época.

Em 1758, foi publicada a segunda edição da Materia Medica, que incluiu uma segunda parte, dedicada aos reinos animal e vegetal. Esta é menos extensa do que a primeira, dedicada ao reino mineral, apesar de incluir plantas, como o barbatimão (Stryphonodendrom adgistrens), cuja utilização era ainda desconhecida dos médicos portugueses. Esta foi a última contribuição de Sarmento para o desenvolvimento da medicina portuguesa.

A Theorica Verdadeira das Mares, editada em 1737, foi a sua principal contribuição para a disseminação do newtonianismo em Portugal. Trata-se de uma obra ímpar no contexto das obras de filosofia natural portuguesas da primeira metade do século XVIII, por abordar uma temática polémica, numa época em que a mera alusão ao sistema coperniciano era ainda encarada com suspeição por parte das autoridades responsáveis pela censura dos livros. A obra utiliza o formalismo matemático, baseado nos artigos de John Theophilus Desaguliers, demonstrador da Royal Society, de quem Sarmento era amigo, e de Edmund Halley. Não são conhecidas reações à obra em Portugal. Tudo leva a crer que a linguagem utilizada tenha afastado os leitores, contribuindo para o seu insucesso. 

Das restantes obras publicadas por Sarmento, merecem especial destaque as que se dedicam aos medicamentos secretos. A primeira, intitulada Relaçam de Alguns Experimentos, e Observaçoens sobre as Medicinas de Madam Stephen para dissolver a Pedra (1742), é a tradução de um livro de Stephen Hales sobre o medicamento de Madame Stephens para dissolver a pedra na bexiga, cujo segredo foi vendido ao Parlamento Inglês por uma soma avultada. A tradução foi feita por sugestão do Marquês de Pombal, a quem a obra foi dedicada. 

A Água de Inglaterra, o medicamento de segredo mais importante do século das luzes, era utilizada no tratamento das febres intermitentes (paludismo). O processo para a sua obtenção foi desenvolvido pelo médico inglês Robert Talbot, que terá comunicado o seu segredo a Henrique Mendes, médico pessoal de D. Catarina de Bragança, mulher do rei D. Carlos II. Tanto Talbot como Mendes acabaram por vender o segredo da preparação do medicamento, tornando públicos os ingredientes utilizados. No caso de Mendes, foi concedido privilégio real para que ele e os seus familiares comercializassem esta droga. Existem indícios de que Sarmento terá iniciado a produção e comercialização deste medicamento a partir de 1731, provavelmente aproveitando o facto de os descendentes do Dr. Mendes, entretanto falecido, fabricarem um produto de duvidosa qualidade. Utilizando o seu prestígio e os contatos estabelecidos com membros da corte portuguesa e com médicos da universidade de Coimbra, Sarmento conseguiu que a Água de Inglaterra se impusesse no mercado português, utilizando os seus livros para anunciar o medicamento. Na Materia Medica, é defendida a manutenção do segredo do processo utilizado na preparação da Água de Inglaterra, sustentando que apenas deveria ser revelada a sua composição. 

A obra intitulada Dos Usos e Abusos das minhas Agoas de Inglaterra, editada em 1756, não é mais do que a bula do seu medicamento, indicando como este deveria ser administrado no tratamento do paludismo e de outras doenças. Mesmo após a morte de Sarmento, a Água de Inglaterra continuou a ser produzida durante muito tempo por um familiar que lhe roubou a receita. A criação da Real Junta do Proto-Medicato, no reinado de D. Maria I, que passou a regular o exercício da atividade médica, não impediu a continuação da sua produção até meados do século XIX.

Sarmento também publicou, em 1746, um livro dedicado aos cirurgiões, intitulado Tratado das Operaçoens de Cirurgia. Esta tradução de uma obra de Samuel Sharp teve um sucesso significativo, tendo sido reeditada, provavelmente devido ao rigor das descrições e por existirem poucas obras similares escritas em português.

A obra e a atividade de Jacob de Castro Sarmento assumem particular relevância no contexto da ciência e da medicina portuguesas do século XVIII, por ilustrarem o modo como a informação circulou entre a Grã-Bretanha e Portugal. Newtoniano, médico, autor de obras científicas, judeu e produtor de medicamentos de segredo, Sarmento teve um papel importante na paulatina mudança em curso na medicina e ciência portuguesas, apresentando às elites portuguesas algumas das novidades médicas e científicas do século.

Hélio Pinto

Arquivos

Biblioteca Nacional.
Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa.

Obras

Sarmento, Jacob de Castro, A Dissertation on the method of inoculating the Small-pox with critical remarks on the several authors who have treated of this disease. Londres: Thomas Bickerton, 1721.

Sarmento, Jacob de Castro, Siderohydrologia: OU Discurso Practico Das Agoas Mineraes Espadanas ou Chalybeadas; Em que se mostra Sua Natureza, Composição, Methodo de as beber, e os achaques em que são Convenientes. Londres: J. Humfreys, 1726.

Sarmento, Jacob de Castro, Serman funebre as deploraveis memorias do muy Reverendo e doutissimo Haham Assalem Morenu, A. R. David Netto, Insigne Theologo, Eminente Pregador e Cabeça da Illustre Congregação de Sahar Hassamaym. Londres: 1727.

Sarmento, Jacob de Castro, Materia Medica, Physico-Historico-Mechanica, Reyno Mineral, Parte I, a que se ajuntam Os principaes Remedios do prezente estado da Materia Medica; como Sangria, Sanguessugas, Ventosas Sarjadas, Emeticos, Vesicatorios, Diureticos, Sudorificos, Ptyalismicos, Opiados, Quina Quina, e, em especial, as minhas Agoas de Inglaterra como também, Huma Dissertaçam Latina sobre a Inoculaçam das Bexigas. Londres: 1735.

Sarmento, Jacob de Castro, Theorica Verdadeira das Mares, conforme a Philosophia do incomparavel cavaleiro Isaac Newton. Londres: 1737.

Sarmento, Jacob de Castro, Relaçam de Alguns Experimentos, e Observaçoens, Feitas sobre as Medicinas de Madam Stephens, para dissolver a Pedra. Em que Se tras a Exame, e se mostra a sua Faculdade Dissolvente Por Estevao Hales, Dr. em Theologia, Reytor de Faringdon, &c. e Socio da Sociedade Real. Ajuntasse hum Compendio Historico De todos os Factos, des de a Origem deste Descobrimento, ate que, por fazelo publico, recebeo a sua Inventora, do Parlamento de Inglaterra, o premio de cinco mil Livras, ou cincoenta mil cruzados. Londres: 1742.

Sarmento, Jacob de Castro, Tratado das Operaçoens de Cirurgia Com as figuras e descripçam dos Instrumentos de que nellas se faz uzo, e huma Introducçaõ sobre a natureza, e Methodo de tratar as Feridas, Abcessos, e Chagas, traduzido em Portuguez da quarta edição de Mons. S. Sharp Cirurgiaõ do Hospital de Guy de Londres. Londres: 1746.

Sarmento, Jacob de Castro, Appendix ao que se acha escrito na Materia Medica do Dr. Jacob de Castro Sarmento sobre a Natureza, Contentos, Effeytos, e Uso pratico, em forma de bebida, e banhos das Agoas das Caldas da Rainha. Partecipado a o Publico, em huma Carta escrita Ao Dr. Joaõ Mendez Saquet Barboza, Socio da Sociedade Real de Londres, &c. A que se ajunta O novo Methodo de fazer uzo da Agoa do Mar, na Cura de muitas Enfermidades Chronicas, em especial nos Achaques das Glandulas. Londres: 1753.

Sarmento, Jacob de Castro, Do Uso, e Abuso Das Minhas Agoas De Inglaterra Ou Directorio, e Instrucçam Para Se saber seguramente, quando se deve, ou naõ, usar dellas, assim nas enfermidades agudas; com em algumas chronicas; e em casos propriamente de Cirurgia Pello Inventor das mesmas Agoas. Londres: Guilherme Strahan, 1756.

Sarmento, Jacob de Castro, Materia Medica Physico-Hystorico-Mechanica. Reyno Mineral Parte I A que se ajuntam Os principaes Remedios do prezente Estado da Materia Medica; como Sangria, Sanguessugas, Ventozas Sarjadas, Emeticos, Purgantes, Vesicatorios, Diureticos, Sudorificos, Ptyalismicos Opiados, Quina Quina, e, em especial, as minhas Agoas de Inglaterra. Ediçam nova, corrigida, e repurgada, a que se accrescentam por continuaçam desta Obra, para fazela Completa, Os Reynos Vegetavel , e Animal Parte II. Londres: Guilherme Strahan, 1758.

Bibliografia sobre o biografado

Barnett, Richard, “Dr. Jacob de Castro Sarmento and Sephardim in Medical Practice in Eighteenth-Century London.”, Trnsactions of the Jewish Historical Society of England, 37(1982): 84-114.

Carvalho, Rómulo de, “A aceitação em Portugal da filosofia newtoniana.”, Revista da Universidade de Coimbra, 36(1991): 445-457.

d’Esaguy, Augusto, História da Medicina. Jacob de Castro Sarmento. Notas relativas à sua vida e à sua obra. Lisboa: Ática, 1946.

Goldish, Matt, “Newtonian, Converso, and Deist: The Lives of Jacob (Henrique) de Castro Sarmento.”, Science in Context, 10, 4(1997): 621-675.

Pinto, Hélio, “Jacob de Castro Sarmento e o Conhecimento Médico e Científico do século XVIII.”, Tese de Doutoramento, Universidade Nova de Lisboa, 2015.

Gusmão, Bartolomeu Lourenço de

Santos, São Paulo ca. dezembro 1685 — Toledo, 19 novembro 1724

Palavras-chave: Aeróstato, Passarola, D. João V, Academia Real da História Portuguesa.

DOI: https://doi.org/10.58277/SDLZ9476

Bartolomeu Lourenço nasceu em Santos, na Capitania de São Vicente (atual estado de São Paulo), Brasil, em finais de 1685. É considerado um dos percursores da navegação aérea, ao realizar as primeiras experiências aerostáticas conhecidas no Ocidente. A maior parte dos seus biógrafos sustenta que o seu pai Francisco Lourenço Rodrigues era cirurgião-mor do presídio de Santos. Contudo, Jaime Cortesão encontrou evidências de que a atividade do pai eram os negócios. Sabe-se que foi batizado em 19 de dezembro desse ano. Bartolomeu Lourenço recebeu a primeira instrução na sua vila natal e entrou em seguida, como noviço, no Seminário jesuíta de Belém, na vila baiana da Cachoeira, entregue aos cuidados do reitor o Padre Alexandre de Gusmão (1649-1724). Em 1718 adotou o apelido Gusmão, tal como veio a acontecer como o seu irmão Alexandre (1695-1753) – secretário do rei D. João V (1689-1750) e saliente diplomata – em homenagem ao antigo perceptor jesuíta. Desde cedo se revelou um jovem inteligente, dotado de uma extraordinária memória. Após terminar os estudos no Seminário, por volta de 1699 ou 1700, transferiu-se para o Colégio de Salvador, onde se situava a capital Brasileira na época.

Em 1701 viajou para Lisboa e, nos círculos intelectuais da metrópole, as suas capacidades e conhecimentos causaram admiração. Ficou hospedado em casa de D. Rodrigo Anes de Sá Almeida e Meneses (1676-1733), 3º Marquês de Fontes (a partir de Agosto de 1718, 1º Marquês de Abrantes). D. Rodrigo foi um dos mais influentes e eruditos nobres da Corte e, entre 1712 e 1718, foi ele que chefiou a célebre embaixada ao Papa. A estadia permitiu a Bartolomeu Lourenço melhorar a formação em matérias técnicas e científicas e certamente usufruir da rica biblioteca e museu de raridades do seu patrono.

Regressado ao Brasil, em 1705 pediu patente ao Senado da Câmara da Baía de uma invenção para elevar água. O conhecimento da hidráulica e da hidrostática ficou testemunhado por essa primeira criação, um dispositivo para levar água desde o rio Paraguaçu até ao Seminário de Belém, vencendo um desnível de cerca de 100 metros. Apesar da documentação conhecida que chegou até nós não incluir qualquer desenho, o que ajudaria a compreender o funcionamento do engenho, tratar-se-ia muito possivelmente de uma bomba hidráulica. A patente deste invento foi concedida por D. João V, a 23 março de 1707, depois de um parecer favorável do Concelho Ultramarino datado de 18 de novembro de 1706.

Terminados os estudos na Baía no início de 1709 foi ordenado padre secular – optando assim por não ingressar na Companhia de Jesus. Ao contrário do que referem diversas fontes Bartolomeu Lourenço nunca foi jesuíta. Porém, a sua formação foi em grande medida adquirida com os inacianos e, sabemos hoje, entre as bibliotecas das escolas da Companhia circulavam livros científicos, antigos e modernos, chegando mesmo aos colégios mais longínquos. É pois natural admitir que, num contexto formal ou informal, o jovem Bartolomeu tenha conhecido e estudado tratados científicos, e em particular as obras de Arquimedes de Siracusa (287 a.C.-212 a.C.). Esse contacto deve ter acontecido sobretudo no Colégio de Salvador uma vez que no Seminário de Belém não havia curso de Filosofia, e segundo os currículos jesuítas as matemáticas mistas e outros assuntos científicos eram ensinados no âmbito do programa de Filosofia. Acresce que várias provas, diretas e indiretas, apontam para o facto de a biblioteca do Colégio de Salvador ter sido a mais significativa das coleções bibliográficas jesuíticas da América Portuguesa, onde se incluíam obras de cariz literário, filosófico e científico. Se no virar do século XVII para o XVIII o número de volumes rondava os 3 000, estima-se que por alturas da expulsão dos jesuítas, em 1759, a biblioteca do Colégio já tinha ultrapassado os 15 000 volumes.

Em 1708 Bartolomeu volta a embarcar para Lisboa. No dia 1 de dezembro matriculou-se na Faculdade de Cânones da Universidade de Coimbra, abandonando os estudos alguns meses depois. 

Em Abril de 1709, já na capital do reino e novamente acolhido pelo seu protetor, o Marquês de Fontes, apresentou ao rei a petição de patente de «hum instrumento para se andar pello ar da mesma sorte, que pella terra, e pello mar, e com muito mais brevidade». O monarca despachou favoravelmente o pedido a 17 de Abril, acrescentando várias benesses às que Bartolomeu solicitara, entre elas a de «Lente de Prima de Mathematica» na Universidade de Coimbra. No texto Bartolomeu Lourenço alegava que a sua máquina voadora poderia percorrer mais de 200 léguas por dia, transportar passageiros e carga, e mostrava-se ciente das vantagens do voo para a exploração terrestre, as comunicações e a guerra – em 1709 Portugal estava envolvido na Guerra da Sucessão de Espanha. Em particular, chamava a atenção para a exploração das regiões polares: «sendo da Naçaõ Portugueza a gloria deste descobrimento», se se viesse a concretizar; e para a possibilidade de a navegação aérea poder resolver um dos principais problemas científicos da época: o da determinação das longitudes.

Um autor coevo, José Soares da Silva, relatou numa Gazeta manuscrita que D. João V mandou entregar a Bartolomeu as chaves da quinta do Duque de Aveiro para a fabricação da máquina voadora, tendo no entanto o inventor preferido uma outra propriedade, pertencente ao rei, em Alcântara. Acrescentava ainda Soares de Silva que a confeção do engenho consumia papel e grande quantidade de arame.

No início de agosto de 1709, no dia 3, perante a Corte de D. João V, Bartolomeu fez a primeira de 5 experiências com balões de ar quente de pequenas dimensões. Nessa primeira tentativa, realizada no torreão do Palácio da Ribeira o protótipo ardeu antes de se elevar. No segundo ensaio, dia 5, noutra dependência do Palácio Real o aeróstato elevou-se a 4 metros mas como começou a arder foi derrubado por dois servos armados de paus. Estes receavam que o fogo se propagasse ao Palácio. As restantes demonstrações foram quase todas coroadas de êxito, sendo que numa delas – realizada provavelmente no dia 7, no Terreiro do Paço – o balão se elevou a grande altura tendo pousado posteriormente sem pegar fogo. Vários ensaios foram testemunhados pelo núncio apostólico em Lisboa, Michelangelo Conti (1655-1724), que relatou para Roma a 16 de agosto de 1709 o que viu: «O sujeito […] fez por estes dias duas experiências na presença do Rei havendo formado um corpo esférico de pouco peso; mas como a virtude impulsiva ou atrativa parece ser constituída por espíritos [álcool], estes pegaram fogo, e queimou-se o engenho da primeira vez sem se mover da terra […] ele, empenhado em fazer crer que não corre perigo a sua invenção, está a fabricar outro engenho maior». Ao construir balões sucessivamente maiores Bartolomeu avançava na direção certa, no entanto o desiderato de transportar pessoas e animais só seria conseguido em França, em 1783, pelos aeróstatos dos irmãos Joseph-Michel Montgolfier (1740-1810) e Jacques-Étienne Montgolfier (1745-1799).

Contrastando com a imagem excessiva e quase caricatural de D. João V, construída pela historiografia portuguesa do século XIX, o monarca surge aqui – ainda no início do seu reinado – como um protetor das artes e das ciências, interessado em inovações técnicas – mesmo nas mais arrojadas, como acontecia com a invenção proposta pelo Padre Bartolomeu Lourenço.

Apesar do apoio do rei e de fidalgos importantes da Corte nos meio literários e entre a população as propostas fantásticas de Bartolomeu foram recebidas com ceticismo. Para além de ganhar o epiteto de «voador» foi alvo de um bom número de poemas e outros textos satíricos. Certamente que uma parte da responsabilidade dessa reação se deveu à gravura e descrição da «Passarola». A imagem e respetivo texto, que se difundiram pela Europa, tiveram origem no próprio Bartolomeu que, com a conivência do filho primogénito do Marquês de Fontes, D. Joaquim Francisco de Sá Almeida e Menezes (1695-1756), os terá elaborado como manobra de diversão, com vista a desviar as atenções do verdadeiro invento. D. Joaquim Francisco era então aluno de matemática do inventor e, aparentemente, a única testemunha da fabricação dos pequenos aeróstatos. A descrição que acompanhava a gravura prometia o transporte de homens, víveres, mensagens ou dinheiro, e explicava o funcionamento do veículo recorrendo ao magnetismo. Algumas semelhanças estruturais sugerem que Bartolomeu conhecia a obra Prodromo Ovvero Saggio di Alcune Inventione Nuove Premesso All’Arte Maestra (1670) do jesuíta Francesco Lana Terzi (1631-1687), e a sua barca voadora sustentada por balões de vácuo. Como recorda a historiadora Lorelay Brilhante Kury a proposta de Lana Terzi baseava-se na impulsão arquimediana aplicada ao ar e esse é, sem dúvida, um ponto de contacto com as experiências de Bartolomeu Lourenço, embora o inventor americano tenha optado por uma solução técnica distinta. Os escritos do Padre Bartolomeu não citam Arquimedes, nem qualquer outra autoridade. Contudo, neles é clara a ideia de considerar o ar, tal como a água, um fluido.

Em 1710 obteve privilégio de patente de uma nova bomba hidráulica para esgotar água entrada nos porões das naus. Em 1713, talvez receoso do Santo Ofício, abandonou o país com poucos recursos materiais, errando três anos pela Holanda e pela França, vivendo de ocupações modestas, incluindo a de ervanário em Paris, até se encontrar na Embaixada portuguesa com o seu irmão Alexandre, então secretário da missão diplomática do Conde da Ribeira. Com ele regressou a Portugal e, a expensas deste, completou os estudos na Universidade de Coimbra, doutorando-se em Cânones, a 16 de junho de 1720. D. João V designou-o fidalgo Capelão-mor da Capela Real, em 1722, e nessa qualidade foi como enviado extraordinário a Roma, encarregue de tratar com a Cúria pontifícia da obtenção de privilégios pretendidos pelo monarca em benefício da Sé de Lisboa e do seu Clero.

Não obtendo sucesso nesse ano de negociações foi substituído em Roma pelo irmão Alexandre, em 1723. No regresso ao reino, todavia, seria nomeado por D. João V sócio efetivo da Academia Real de História Portuguesa, um dos 50 académicos de número, o que lhe valeu terem-se impresso, até 1721, os seus sermões e outras obras. Como notou Rómulo de Carvalho, a inclusão de Bartolomeu de Gusmão entre a elite erudita da Academia Real da História revela como continuou a ser respeitado pelo rei, apesar de não ter conseguido cumprir completamente as suas promessas e planos da máquina voadora.

Perseguido pela Inquisição sob suspeita de ter abraçado o Judaísmo fugiu para Espanha em 1724, em companhia de outro irmão, o carmelita descalço frei João Álvares. Adoecendo gravemente à chegada a Toledo, teve de recolher ao hospital, onde, apesar dos seus 38 anos, veio a morrer em 19 de novembro vencido pelos rigores da viagem e pela doença.

Luís Tirapicos

Arquivos

Archivio Segreto Vaticano (Roma)
Fondo Bolognetti, 116, fl. 36-37
Arquivo Nacional Torre do Tombo (Lisboa)
Chancelaria D. João V, Liv. 31, fl. 202v-203v
Tribunal do Santo Ofício, CG/A/8/I/4356
Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra
Ms. 342; Ms. 392; Ms. 537, fl. 314-316; Ms. 677, fl. 410-410v

Obras 

Varios modos de esgotar sem gente as naos que fazem agua: offerecidos ao muyto alto e muyto poderoso Rey de Portugal, & dos Algarves D. Joam V. Nosso Senhor pelo P. Bartholomeu Lourenço. Lisboa: na Officina real Deslandense, 1710.

Bibliografia sobre o biografado

Faria, Vicomte. Bartholomeu Lourenço de Gusmão (1685-1724) Américain-Brésilien Inventeur du Premier Aerostat. Lausanne: Imprimeries Réunies, 1910..

Filho, Murillo Cruz. Bartolomeu Lourenço de Gusmão: Sua Obra e o Significado Fáustico de Sua Vida (Rio de Janeiro: Biblioteca Reprográfica Xerox/MAST, 1985).

Fiolhais, Carlos (coord.). Bartolomeu Lourenço de Gusmão: o Padre Inventor. Rio de Janeiro: Universidade do estado/Andrea Jakobsson Estúdio, 2011..

Taunay, Affonso de E. Bartholomeu de Gusmão e a sua prioridade aerostática (S. Paulo: Escolas Profissionaes Salesianas, 1935).

Visoni, Rodrigo M. e João Batista G. Canalle. “Bartolomeu Lourenço de Gusmão: o primeiro cientista brasileiro,” Revista Brasileira de Ensino da Física 31:3 (2009): 3604-1 – 3604-12.