Stockler, Francisco de Borja Garção

Lisboa, 25 setembro 1759 —Tavira, 6 Março 1829

Palavras chave: matemático, historiador, académico, reformador.

DOI: https://doi.org/10.58277/TXLO1188

Garção Stockler é o mais importante matemático português de fins do século XVIII e início do século XIX, e um dos mais distintos homens de cultura do seu tempo. Para além de matemático, foi historiador, militar, político, homem de letras, reformador e académico. 

Começou a sua carreira militar muito cedo, ingressando no Regimento de Infantaria nº 11, onde assentou praça a 2 de Julho de 1775. Foi sucessivamente promovido até alcançar o posto de Brigadeiro efectivo de Infantaria em 1807. 

Entrou para a Faculdade de Matemática da Universidade de Coimbra aos 25 anos. 

Em 1787 foi admitido como sócio da Academia Real das Sciencias de Lisboa, vindo a ser nomeado seu Secretário em 1799. Em 1789 foi docente na Academia Real de Marinha, local onde se mantém em 1801 quando participa da desastrosa “Guerra das Laranjas”, como braço-direito do Duque de Lafões. Isto levou à sua marginalização na Academia Real da Marinha.

 A atividade científica de Stockler centrou-se na matemática. Rejeitou as noções de infinitos de diversas ordens e colocou-se decididamente do lado da perspectiva newtoniana do Cálculo, reconhecendo contudo as fraquezas existentes no método das fluxões. Ao contrário da maioria dos matemáticos continentais seus contemporâneos, que optaram por seguir a perspectiva leibniziana, Stockler considerou a noção de limite como o conceito fundamental para dar rigor ao Cálculo. Essa foi a sua intenção quando em 1794 publicou o seu primeiro livro, o Compendio da Theorica dos Limites. É explícita a sua admiração por José Anastácio da Cunha (1744-1787), o melhor matemático português do século XVIII, e a influência deste em Stockler pode ser vista não só na economia do seu estilo mas igualmente na procura constante do rigor, embora esta não seja sempre bem sucedida.

Em 1797, no volume I das Memórias da Academia publicou a sua Memoria sobre os Verdadeiros Principios do Methodo das Fluxões, a propósito da qual travou mais tarde uma polémica com os editores da revista de Edinburgo Monthly Review. Em 1799 saiu o Volume II das Memórias da Academia, que inclui mais 3 artigos matemáticos seus. Em 1805 publicou o Volume I das suas obras, que não inclui artigos matemáticos. De referir neste volume o Elogio de João le Rond D’Alembert, e uma longa Memoria sobre a Originalidade dos Descobrimentos Marítimos dos Portugueses no Século Decimoquinto.   

Em 1796 foi encarregado de elaborar um plano para a Instrução pública em Portugal, texto que é submetido anonimamente à Academia em 1799 com o título Plano e Regimento de Estudos. Esse plano dividia a Instrução Pública em quatro graus, e colocava a Academia das Ciências como a única instituição capaz de dirigir e inspecionar os Estudos Públicos, incluindo a educação de adultos, a elaboração de livros e a publicação de jornal literário. O Plano admitia o princípio da obrigatoriedade escolar para todos. O texto de Stockler acaba por ser recusado pela Academia, sendo a base essencial das críticas feitas por António Ribeiro dos Santos (1745-1818). Argumentou-se que o plano era impraticável pois então não havia meios para o realizar, com encargos financeiros excessivos e implicando alterações demasiado radicais das escolas nas suas estruturas internas e nos seus planos de estudos. 

Em 1807, a sua atitude favorável aos franceses, durante a primeira invasão, foi muito polémica, tendo sido passado compulsivamente à reserva e demitido de todas as suas funções em 1809. Igualmente a partir de então a Academia passou a ter uma relação conflitual com Stockler, que terminaria em 1824, com a sua demissão de sócio. 

A Academia começou por recusar a publicação de uma sua resposta ao livro de José Acúrsio das Neves Historia Geral da Invasão dos Francezes em Portugal e da Restauração deste Reino (Lisboa: Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 5 vols, 1810-1811) no qual era acusado de colaboracionista. Estando a Corte no Rio de Janeiro desde 1808, aí se deslocou para argumentar a favor da sua reabilitação. Conseguiu que fosse anulada a sua passagem compulsiva à reserva, tendo sido então promovido em marechal de campo efectivo. Simultaneamente publicou no Rio de Janeiro em 1813 uma sua resposta a José Acúrsio das Neves, Cartas ao autor da “História geral da Invasão dos Francezes em Portugal, e da restauração deste Reino” (Rio de Janeiro: Imprensa Régia).

Em 1815 entrou para a Junta da Direção da recém-fundada Academia Real Militar do Rio de Janeiro, cargo onde se manteve até 1820. Em 1816 foi encarregado de escrever um Plano para a Instrução Pública no Brasil (com a exceção das chamadas Ciências Eclesiásticas), a exemplo do pedido análogo que já se lhe tinha feito para o Portugal Europeu. Este plano foi submetido com o título Projecto sobre o estabelecimento e organisação da Instrucção Pública no Brazil  (incluído no tomo II das suas Obras) mas nunca chegou a ser discutido com vista a uma possível aprovação.

Em 1818 foi promovido a Tenente General, e começou a escrita da sua última obra matemática, o Methodo Inverso dos Limites. No ano seguinte foi promovido a Tenente-General efectivo.

Em 1819 publicou em França o seu Ensaio Histórico sobre as Origens e Progressos das Mathematicas em Portugal, a primeira história da matemática num só país publicada no Ocidente (1819), antecedendo em cerca de 20 anos a obra de Guglielmo Libri (1803-1869) sobre a história da Matemática italiana (Histoire des Sciences Mathématiques en Italie, 4 vols, Paris Jules Renouard et Cie, 1838-1841).  Stockler faz a primeira análise global da história da matemática portuguesa, dos seus primórdios à fundação da Academia das Ciências (1779), análise essa que foi aceite e repetida sem questionamento pelos historiadores da matemática portuguesa até aos princípios do século XX. Stockler considera que o trabalho em história da matemática é essencialmente um trabalho de historiador num domínio específico do conhecimento, os seus métodos são essencialmente os que são utilizados em história. Nunca faz uma análise da evolução e prática dos conceitos matemáticos. A sua principal influência foi o historiador francês Jean Etienne Montucla (1725-1799) e a sua monumental Histoire des Mathématiques, com a primeira edição em 1758 (Paris: Charles-Antoine Jombert), e a segunda, grandemente aumentada e parcialmente publicada após a morte de Montucla, entre 1799 e 1802 (Paris: Henri Agasse). 

Em 1819 propõs à Academia a publicação das suas Poesias Lyricas, mas esta só autorizava a publicação com cortes (por, dizia, ter afirmações contrárias a ortodoxia católica), o que Stockler recusou, publicando o seu livro em 1821 em Londres.

Regressou a Portugal em 1820, e submeteu o seu Methodo Inverso dos Limites para publicação pela Academia. O parecer que esta deu foi negativo. Stockler enviou então o seu texto para a Royal Society of London, que o tinha aceite como sócio estrangeiro em Abril de 1819. Em 1823, saiu no Quarterly Journal of Science (15, (1), 1823: 357-360) um resumo da obra e uma crítica, colocando reservas a alguns procedimentos técnicos nela utilizados. O livro acabou por ser impresso independentemente por Stockler em 1824. Esta última recusa da Academia levou -o a deixar de ser seu sócio.

Por duas vezes, em 1820 e 1823, foi Governador e Capitão general das Ilhas dos Açores no complexo contexto das lutas entre liberais e absolutistas.

Em 1826 saiu o Tomo II das suas obras, que, tal como o primeiro, não contém artigos matemáticos. 

Luís Saraiva

Obras

Compendio da Theorica dos Limites, ou Introducção ao Methodo das Fluxões (Lisboa: Academia R. das Ciências de Lisboa, 1794).

“Memoria sobre os verdadeiros principios do Methodo das Fluxões”, Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, tomo I (1797): 200-217.

“Demonstração do Theorema de Newton sobre a relação, que tem os coefficientes de qualquer equação algébrica com as sommas das potencias das suas raizes, e applicação do mesmo Theorema ao desenvolvimento em serie dos productos compostos de infinitos factores”, in Memorias de Mathematica e Phisica da Academia Real as Sciencias de Lisboa, tomo II (1799): 1-46.

 “Memoria Sobre as Equações de condição das Funcções Fluxionaes”, Memorias de Mathematica e Phisica da Academia Real das Sciencias de Lisboa, tomo II (1799): 196-295.

“Memoria Sobre algumas propriedades dos Coefficientes dos termos do Binómio Newtoniano”, Memorias de Mathematica e Phisica da Academia Real das Sciencias de Lisboa, tomo II (1799): 480-511.

Lettre a M. Le Redacteur du Monthly Review ou Réponse aux Objections qu’on a faites dans ce journal à la methode des limites de fluxions hypothétiques, (Lisbonne: de l’Imprimerie de l’Académie Royale des Sciences, 1800).

Obras, tomo I (Lisboa: Academia das Sciencias, 1805); tomo II (Lisboa: Typ. Silviana, 1826).

Ensaio sobre a Origem e Progressos das Mathematicas em Portugal, (Paris: Officina de P. N. Rougeron, 1819).

Poesias Lyricas (Londres: T. C. Hansard, 1921)

Methodo Inverso dos Limites, ou Desenvolvimento Geral das Funções Algorithmicas  (Lisboa:, Typographia de Thaddeo Ferreira, 1824).

Bibliografia sobre o biografado

Honório, Cecília, A Natureza e o Homem nos Caminhos do Saber e do Poder: Francisco de Borja Garção Stockler (1759-1829),Manuais Universitários (Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 2012).

Saraiva, L M R, On the first History of Portuguese Mathematics, Historia Mathematica, vol. 20, 4 (1993): 415-427.

Idem, Um matemático português no Brasil: Francisco de Borja Garção Stockler e o Methodo Inverso dos Limites, ou desenvolvimento geral das funções algorítmicas (1819-1824), Episteme, 11 (2000): 119-135.

 Idem, Garção Stockler and the Foundation of the Calculus at the End of the 18th Century, Revista Brasileira de História da Matemática, vol.1, nº 2 (2001): 75-100.

Silva, Inocêncio Francisco da, Diccionario Bibliographico Portuguez, volume II, (Lisboa: Imprensa Nacional, 1859): 354~358, e volume IX (Lisboa: Imprensa Nacional, 1870): 271-273 e 448-449

Portugal, Bento de Moura

Moimenta da Serra, Gouveia, 21 março 1702 — Lisboa, 27 Janeiro 1776

Palavras-chave: Bento de Moura Portugal, Royal Society, Inquisição, Marquês de Pombal.

DOI: https://doi.org/10.58277/LWRF4720

Físico e engenheiro português, Bento de Moura Portugal notabilizou-se como engenheiro na criação de máquinas e promoção de obras públicas, após ter adquirido experiência em vários países europeus. Descendente do lado do pai de Cristóvão de Moura Portugal, primeiro marquês de Castelo Rodrigo, consta que efetuou estudos no colégio jesuíta de Gouveia, mas esta escola só foi fundada em 1723, quando Moura Portugal já tinha 21 anos. Certo é que Moura Portugal se formou em Direito na Universidade de Coimbra em 11 de maio de 1731 (deve ter interrompido estudos, pois se tinha matriculado no 1.º ano em 1 de outubro de 1720). Em contraste com a sua formação de base jurídica, Moura Portugal foi um engenheiro e gestor, que trabalhou em diversas obras públicas de mecânica e hidráulica. Pode ser considerado um dos “estrangeirados” do século das Luzes, por ter passado um período da sua vida fora do país e dessa experiência ter trazido ensinamentos para a sua terra natal. Tornou-se Cavaleiro da Ordem de Cristo, em 12 de agosto de 1744, e Cavaleiro da Casa Real, por alvará régio de 24 de março de 1750 (D. João V, que assim o distinguiu, faleceria pouco depois).

Moura Portugal começou por exercer atividades de advocacia, para as quais se tinha preparado. Contudo, a fim de desenvolver as suas invulgares competências técnicas em assuntos mecânicos, foi enviado em 1736 por D. João V numa viagem de formação ao estrangeiro, para a qual lhe atribuiu o que chamaríamos hoje uma bolsa de estudo. Viajou pela Europa durante quatro anos, observando diversas obras públicas, designadamente na Inglaterra (onde aprendeu a filosofia newtoniana), na Hungria (onde ensaiou um invento náutico, que consiste na aplicação de remos a navios de grande porte), na Áustria, na Alemanha (onde inventou uma máquina pneumática), na França, em Espanha e, provavelmente, também na Holanda. Um ministro português escreveu assim ao embaixador em Londres recomendando a pessoa enviada: “passa a essa Corte para aprender algumas sciencias, e particularm.te a profissão de Enginheiro mellitar para a qual tem especial propensão, e capacidade”. Foi admitido como sócio da Real Sociedade de Londres em 5 de Fevereiro de 1741 e viu publicado nas Philosophical Transactions dessa sociedade em 1751 um artigo que apresentava o novo modelo de máquina a vapor (“máquina de fogo”) que tinha demonstrado na praia de Belém, Lisboa, em 1742 perante o rei D. João V e a família real. Tratava-se de um melhoramento da máquina de vapor do inventor inglês Thomas Savery (c. 1650–1715). A nova máquina era capaz de funcionar autonomamente, segundo um progresso que foi muito apreciado pelo engenheiro inglês John Smeaton (1724–1792), um dos pioneiros da locomotiva, que apresentou a comunicação nas Transactions.

Regressado a Portugal em 1740, foi mentor de diversas obras hidráulicas, para benefício da agricultura, designadamente projetos de um dique no rio Tejo em Vila Velha de Ródão para evitar as inundações dos terrenos agrícolas limítrofes e de diques semelhantes no rio Mondego; uma roda hidráulica para secar terras alagadas no paúl de Fôja, em Coimbra; drenagem dos paúis de Vila Nova de Magos, do Juncal e de Tresoito, no Ribatejo; etc. Desempenhou o cargo de “superintendente e Conservador das fabricas reais da fundiçam da artelharia da Comarca de Thomar” (as chamadas “ferrarias”, em Figueiró dos Vinhos, onde se construíam não só armas como alfaias agrícolas). 

Apesar da notoriedade das suas obras, enfrentou adversidades e conheceu finalmente uma sorte trágica. Em 1743 viu-se acusado pela Inquisição, por alegadamente duvidar da existência de milagres (escreveu o frade franciscano que o denunciou: “o tal sojeito por ser bastante subtil, e ao mesmo tempo muito amante da sua opinião, causará damno e prejuízo ás almas, continuando semelhantes disputas”). Foi por isso interrogado pelo Santo Ofício em 1746. Um inquisidor escreveu: “Que todas as questões e duvidas que altercava nas suas praticas e conversas sobre lugares da Sagrada Escriptura o dito Bento de Moura Portugal eraõ nascidas de ter andado e assistido nos reynos estrangeyros como Inglaterra e Olanda onde reyna a heresia calviniana e lutherana”. Em 1748, Moura Portugal entregou uma carta de retractação, prometendo não mais se meter em matérias “alheias da sua profissaõ”. Os inquisidores, embora não convencidos, arquivaram o processo.

Depois de ter trabalhado na construção de uma ponte de barcas no Porto, de ter voltado a problemas de irrigação do Tejo e de ter voltado à ideia da navegação auxiliada por  remos agora não no Danúbio mas no Tejo, ter lidado com problemas do paúl da Ota e de ter estudado novos processos de aplicação de impostos, nomeadamente o “quinto” do ouro do Brasil (consta que terá viajado até ao Brasil, mas provavelmente tal nunca ocorreu), viu-se envolvido, num período marcado por intensas perseguições político-religiosas ordenadas pelo Marquês de Pombal (paradoxalmente, também ele membro da Sociedade Real de Londres, para onde entrou em 15 de maio de 1740, pouco antes de Moura Portugal), no processo político dos Távoras ao ser acusado, por denúncia anónima, de conspirar contra o governo. Foi encarcerado na prisão do forte da Junqueira em Lisboa, em 9 de Julho de 1760, interrogado duas vezes e deixado sem culpa formada na prisão, de onde nunca mais saiu. A sua estada na prisão ao longo de seis anos levou-o à demência e a uma tentativa falhada de suicídio, pouco antes de morrer. Foi sepultado no próprio forte da Junqueira.

Vários dos seus contemporâneos o elogiaram, tanto no estrangeiro como em Portugal. O físico alemão Herman Osterrieder (1719–1783) declarou com algum exagero que “depois do grande Newton em Inglaterra, só Bento de Moura em Portugal”. O oratoriano Teodoro de Almeida (1722–1804) elogiou a sua teoria das marés, procurando reabilitar um cientista caído em desgraça. Em conjunto com uma crítica ao comportamento despótico do Marquês de Pombal, Almeida incluiu, no terceiro volume da sua obra Cartas físico-mathemáticas, uma carta com o título Sobre huma máquina para provar a causa das marés, segundo a doutrina do grande Bento de Moura Portugal. Num gesto que pode ser considerado de homenagem, a Imprensa da Universidade de Coimbra deu à estampa em 1821 um livro que resultou dos 28 cadernos de manuscritos sobre obras públicas escritos no cárcere em condições dramáticas, com papel pardo, um pauzinho ou ossinho e o fumo da candeia e resgatados postumamente por um amigo do autor: Inventos e Vários Planos de Melhoramento para Este Reino… Note-se a data da publicação: 55 anos após a morte, numa altura em que a maior parte desses “melhoramentos” já não faziam sentido. Uma carta de Moura Portugal contida nesse livro enumera uma lista de 18 dos seus inventos, onde destaca “um artefacto por modo de Navio para conduzir madeira do Pinhal de Leiria, ou de outra qualquer parte do Reino, para Lisboa”. Num jardim em Moimenta da Serra existe uma estátua que homenageia Moura Portugal.

Carlos Fiolhais
Centro de Física da Universidade de Coimbra

Arquivos

Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal, [Memória de Bento de Moura Portugal dirigida a uma sociedade científica]. 1750. MSS. 21, n.º 66.

Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal, Novos Inventos Por Bento de Moura Portugal extrahidos das margens de hum Livro intitulado Nouvelles decouvertes sur la Guerre aonde o Auctor entre outros escreveu os três projectos q[ue] contem este traslado. 1776. MSS. 60, n.º 1.

Lisboa, Biblioteca Nacional de Portugal, Modo de affructar os paues e terra alagadiças : Providencias para conter, e diminuir as cheyas dos Rios Mondego e Tejo / Obra posthuma que para benificio comum, e utilidade da Real Corôa, e do Reino, estando prezo nos Carceres do Forte da Junqueira, onde faleceo, a 27 de Janeiro de 1766 compos e trabalhou Bento de Moura Portugal Cavalleiro Professo na Ordem de Christo, Fidalgo da Casa de Sua Magestade Fidelissima, Socio da Academia Real das Sciencias de Londres, e Superintendente das Reaes Ferrarias da Comarca de Tomar. 1801.COD. 10751.

Nova Iorque, Metropolitan Museum of New York, Dialogo sobre hua nova obra no Rio Tejo … 1776 (?). GB1321.M68 1766.

Obras

Portugal, Bento de Moura. Inventos e Vários Planos de Melhoramento para Este Reino. : escriptos nas prisões da Junqueira por Bento de Moura Portugal. Coimbra: na Imprensa da Universidade, 1765 (?).

Bibliografia sobre o biografado:

AlmeidaTeodoro de. Cartas físico-mathemáticas de Theodosio a Eugenio: para servir de complemento á Recreaçaõ Filosophica, Lisboa: Tipografia Régia, 3 tomos, 1784–[1798].

Amaral, Abílio Mendes do. Bento de Moura Portugal na Lisboa da século XVIII. Lisboa: [s.n.], 1973.

Baião, António. Episódios Dramáticos da Inquisição em Portugal, 3ª ed. Vol. II: 41–52. Lisboa: Seara Nova, 1973.

Bento de Moura Portugal – O homem, o cientista e a obra na história do seu tempo e na perenidade do seu génio. Gouveia, Câmara Municipal de Gouveia, 1973.

Carvalho, Rómulo de. Bento de Moura Portugal, Homem de Ciência do Século XVIII, Memórias da Academia de Ciências de Lisboa, XXXIII (1993–1994): 153–224. [Reimpresso em Actividades Científicas em Portugal no Século XVIII, pp. 323–429. Évora, Universidade de Évora, 1996].

Carvalho, Rómulo de. “Portugal nas ‘Philosophical Transactions’ nos Séculos XVII e XVIII”, Revista Filosófica 11 (1956): pp. [Reimpresso em Colectâneea de Estudos Históricos (1953-1994), pp. 9–68. Évora: Universidade de Évora, 1997].

Pinto, Donzília Alves Ferreira Pires da Cruz. “Vida e obra de Bento de Moura Portugal.” Dissertação de mestrado, Universidade Nova de Lisboa, 1993.

Fiolhais, Carlos, ed., Membros Portugueses da Royal Society / Portuguese Fellows  of the Royal Society. CoimbbaUniversidade de Coimbra, 2011. [NB: Ver lista de sócios].

Machado, Alberto Teles de Utra. Bento de Moura Portugal: memória. Lisboa: Typographia da Academia Real das Ciências, 1890.

Smeaton, John. “An engine for raising Water by Fire, being an Improvement of Savery’s Construction, to render it capable of working itself, invented by Mr. De Moura of Portugal, F.R.S.” Philosophical Transactions 47 (1751–1752): 436–439. [NB: contém gravura em folha desdobrável].

Almeida, Teodoro de

Lisboa, 7 janeiro 1722 – 18 abril 1804 

Palavras-chave: Oratoriano, filosofia natural, divulgação, Academia das Ciências.

DOI: https://doi.org/10.58277/CUSI6813

Teodoro de Almeida foi um padre oratoriano, filósofo natural, pedagogo, e um activo divulgador das ciências na segunda metade do século XVIII em Portugal. A sua vida foi atravessada pela perseguição e pelo exílio a que se viu obrigado pelo marquês de Pombal. Foi ainda um dos fundadores da Academia Real das Ciências de Lisboa.

Teodoro de Almeida nasceu em Lisboa, a 7 de Janeiro de 1722, entrou para a Congregação do Oratório aos 13 anos de idade e aí fez toda a sua formação académica secundária. Estudou filosofia e teologia, tendo tido como professor o Padre João Batista, autor da Philosophia Aristotelica restituta ed illustrata qua experimentis qua raciociniis nuper inventis (1748) e a quem é atribuída a responsabilidade da introdução da filosofia moderna, de inspiração gassendiana, nas escolas do Oratório. Batista foi também o responsável, nos princípios da década de 1750, pelo início das conferências de filosofia experimental, na Casa das Necessidades da Congregação e que seriam, depois, continuadas por Teodoro de Almeida. A Casa das Necessidades tinha sido doada, em 1745, por D. João V, à Congregação do Oratório, tendo uma bem fornecida Biblioteca e um Gabinete de Física, onde Teodoro de Almeida frequentemente fazia demonstrações perante o rei e a corte. 

Terminados os seus estudos, foi nomeado, em 1748, substituto do mestre de filosofia da altura, o Padre Luis José e, em 1751, principia a ler filosofia na Congregação, agora como mestre de filosofia. Nesse ano, Almeida publicou os dois primeiros tomos dos dez que comporiam a sua obra mais notável de divulgação das ciências do século XVIII português, Recreasão Filozofica ou Dialogo sobre a Filozofia Natural, para instrução de pessoas curiosas, que não frequentarão as aulas (RF).

Para além dos seis primeiros tomos, publicados até 1763, e que constituíam o projeto inicial, Teodoro de Almeida compôs a RF, com mais 4 tomos, compreendendo a lógica (1768), metafísica (1792), filosofia moral (1793) e teologia natural (1800). Como suplemento à RF e sob o pretexto de aprofundamento de alguns dos temas nela tratados, publicaria ainda, em 3 tomos (1784 e 1799), as Cartas Fisico-Mathemáticas de Theodozio a Eugenio para servir de Complemento á Recreaçaõ Filosofica.

O título explicita as linhas de força do programa de divulgação das ciências que Almeida se propunha levar a cabo. A utilização do diálogo como estratégia de confrontação entre a filosofia moderna e a escolástica, a indexação da instrução à recreação, articuladas por uma retórica em que a razão e a experiência emergem como legitimação epistemológica da nova filosofia, a utilização do português em vez do latim como veículo de divulgação  e, por fim, a escolha de um novo tipo de público , que designava como pessoas curiosas que não frequentaram as aulasconfiguraram  a especificidade  editorial da RF.  A filosofia natural, tal como Almeida a apresenta nos seis primeiros tomos da RF,evidencia uma amplitude temática –  os céus, os astros, o movimento, os ventos e as marés, o globo terráqueo, as plantas, os brutos, o homem e os seus sentidos, enfim, todas as coisas naturais mais as suas causas e efeitos  – que, no século XVIII europeu, a aproximava de iniciativas similares e, ao mesmo tempo, a afastava de alguns dos textos canónicos de filosofia natural de inspiração newtoniana, como os de Pieter van Musschenbroek, Jean Théofile Desaguliers ou  Willem s´Gravesande (1688 – 1742). Esta amplitude temática, adjetivada de enciclopédica pela sua diversidade e de eclética pela natureza da abordagem, configura um programa de divulgação das ciências no contexto de periferia europeia em que se desenvolveu. As marcas deste contexto emergem na RF, por exemplo, sob a forma de debate entre a filosofia moderna e a filosofia peripatética, na resistência – mitigada ao longo das diferentes edições da RF – à teoria newtoniana da dispersão da luz, ou, ainda, na apropriação do copernicianismo, cautelosamente lido de acordo com as determinações adotadas no século anterior pela Igreja Católica.

O sucesso editorial da RF – a que não foi alheia a eleição de Teodoro de Almeida como sócio da Royal Society em 1758 – e das Cartas, comprovado pelas várias reimpressões de cada um dos diferentes tomos da RF, indo alguns até à 7ª edição, ultrapassou fronteiras, incluindo traduções para castelhano e francês e chegando às colónias portuguesas e espanhola. 

As propostas de Almeida enquanto divulgador das ciências partilharam e ajudaram a construir uma ecologia favorável ao processo de renovação cultural que atravessou o século XVIII português. Esta agenda veio, no entanto, a ser perturbada pelos alinhamentos político-religiosos de uma parte significativa da elite oratoriana em que se integrava. As simpatias anti-regalistas de alguns deles tornaram-nos num alvo para o marquês de Pombal que os desterrou, em 1760, para diferentes pontos do país. Almeida fixar-se-ia no Porto por 8 anos, findos os quais se viu obrigado a exilar-se para Espanha, primeiro, e, depois, para França, em Bayonne. Aqui viveu até 1777, prosseguindo a sua ação pastoral, dando lições particulares e fabricando instrumentos astronómicos. Durante este período foi feito sócio da Real Sociedad Vascongada de Amigos del País.

Pouco antes do seu desterro para o Porto, Teodoro de Almeida publicou nas Philosophical Transactions (1757), juntamente com João Chevalier, outro dos oratorianos perseguidos por Pombal, um Eclipsis Lunae die 4ª Februarii, ann. 1757 e, já no exílio, um artigo sobre a observação do trânsito de Vénus de 1761, que foi publicado nas Mémoires de Mathématique et Physique , Presentés à l´Académie Royal des Sciences (1774).

Com a morte de D. José, a quem sucedeu sua filha D. Maria, e a demissão do Marquês de Pombal, estava estabelecido o clima político propício ao regresso de Almeida a Portugal, onde chegou a 13 de Março de 1778. Cerca de um ano depois, a 4 de Julho de 1779, Teodoro de Almeida foi o orador escolhido para a apresentação pública da recém fundada Real Academia das Ciências de Lisboa de que foi membro fundador juntamente com o Duque de Lafões, o Abade Correia da Serra, o Visconde de Barbacena e Domingos Vandelli, entre outros. A sua Oração de Abertura desencadeou uma acesa polémica tal como, embora por motivos diferentes, tinha acontecido em 1752, aquando da publicação dos dois primeiros tomos da RF. Se, neste caso, os alvos dos seus opositores foram o carácter público das novas ciências e uma abordagem de inspiração cartesiana da alma dos brutos e dos acidentes eucarísticos, desta vez, foi o facto de Almeida ter apresentado a Academia como um renascimento cultural caucionado pelo novo poder que motivou o aparecimento de várias cartas manuscritas e anónimas, críticas das posições de Almeida e da nova Academia,em defesa da herança cultural pombalina. 

A ação pastoral de Teodoro de Almeida, para além do ensino e da divulgação das ciências, estendeu-se, também, à publicação de sermões, e textos devocionais e moralizantes dos se salienta, pelo seu sucesso editorial, O Feliz Independente do Mundo e da Fortuna ou Arte de Viver Contente em Quaisquer Trabalhos da Vida (1779). Esta obra teve, até finais do século XIX e no contexto ibérico, uma ampla divulgação, com cinco edições em português, dezasseis em castelhano e uma em francês.

Almeida continuaria, nesta fase final da sua vida, a ensinar Filosofia, primeiro na Casa das Necessidades e, depois, a partir de 1792, na Casa do Espírito Santo, reconstruída após o terramoto de 1755, e a ter uma atividade editorial significativa de que mantinha o privilégio de impressão, concedido por alvará de D. Maria I. Para além de alguns textos devocionais, das Cartas e dos últimos três tomos da RF, foram ainda publicadas, em 3 volumes, as Physicarum Institutionum, libri X, ad usum scholarum (1785, 1786 e 1793) e algumas teses defendidas por discípulos sobre temas de mecânica.

Uma das suas intervenções públicas traduziu-se no estabelecimento em Portugal, em 1784, vindas de Annecy, França, da Ordem da Visitação que, a par da educação religiosa, funcionava também como colégio para instrução de meninas de famílias nobres, tendo sido Almeida o autor do respetivo programa pedagógico

Por razões ainda por esclarecer, que o Abade Correia da Serra atribuiu à sua desatualização científica, Almeida não conseguiu que a Academia publicasse quer a sua polémica oração de abertura, quer o texto das comunicações que aí apresentou. Algumas destas seriam, depois, integradas em obras publicadas por Almeida, como algumas “Cartas” incluídas das Cartas Fisico-Mathemáticas e uma “Dissertação sobre a causa natural do famoso Terramoto de Lisboa no anno de 1755”, esta incluída em Lisboa Destruida (1803), a última obra publicada por Teodoro de Almeida antes de falecer a 18 de Abril de 1822.

José Alberto Silva

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Grande parte das informações biográficas sobre Teodoro de Almeida têm tido como fonte um manuscrito depositado na Torre do Tombo, Manuscritos da Livraria, nº 2316, cuja autoria é atribuída a um discípulo de Almeida, o padre Joaquim Dâmaso, Vida do P. Theodoro de Almeida da Congregação do Oratório de Lisboa. A quase totalidade dos manuscritos da autoria de Almeida, na forma de cartas, orações, memórias, cursos, e outros, bem como as obras impressas de caráter devocional estão referenciados na bibliografia aqui listada e podem ser encontrados na Torre do Tombo, Biblioteca da Academia das Ciências, Biblioteca Pública de Évora, Biblioteca Nacional e Biblioteca da Ajuda. 

Obras

Almeida, Teodoro de. Recreasão Filozofica, ou dialogo sobre a Filozofia Natural, para Instrucsão de pessoas curiosas, que não frequentarão as aulas, tomo I a VI. Lisboa: Na Oficina de Miguel Rodrigues, 1751 a 1763.

—. Recreasão Filozofica, ou dialogo sobre a Filozofia Racional, para Instrucsão de pessoas curiosas, que não frequentarão as aulas, tomo VII. Lisboa: Na Oficina de Miguel Rodrigues, 1768.

—. O feliz Independente do Mundo e da Fortuna, ou arte de viver contente em quasquer trabalhos da vida, dedicado a Jesus crucificado, 3 tomos. Lisboa: Na Regia Officina Typografica, 1779.

—. Cartas Fysico-Mathematicas de Theodozio a Eugenio: para servir de complemento à Recreaçaõ Philosofica , 3 tomos. Lisboa: Na Officina de António Rodrigues Galhardo/Regia Offcina Typográfica, 1784-1798.

—. Physicarum institutionum libri decem ad ususm scholarum, 3 vols. Olisipone: Typographia Regia, 1785/1793.

—. Methodo para a Geografia oferecido às religiosas da Visitação de Santa Maria de Lisboa. Lisboa: Na Officina de António Rodrigues Galhardo, 1787..

—. Recreasão Filozofica, ou dialogo sobre a Metafysica, para Instrucção de pessoas curiosas, que não frequentarão as aulas, tomo VIII. Lisboa: Na Regia Officina Typografica, 1792.

—. Harmonia da Razão, e da Religião ou Respostas Fiosoficas aos argumentos dos incrédulos, que reputaõ a Religião contraria à Boa Razão. Diálogo do Author da Recreação Filosofica sobre a parte da Metafysica, que se chama Teologia Natural, tomo IX. Lisboa: Na Oficina Patriarcal, 1793.

—. Descripção do novo Planetário Universal. Na Regia Officina Typografica, 1796.

—. Recreação Filosofica sobre a Filosofia Moral, em que trata dos costumes, tomo X. Lisboa: Na Regia Officina Typografica, 1800.

Bibliografia sobre o biografado

Azevedo, Maria Leopoldina. Pe. Teodoro de Almeida, Subsídios para o Estudo da sua Vida e Obra, dissertação de licenciatura. Lisboa: FLUC, 1960.

Domingues, Francisco Contente. Ilustração e Catolicismo. Teodoro de Almeida. Lisboa: Edições Colibri, 1994.

Piwnik, Marie-Helène. “Les souscripteurs espagnols du P. Teodoro de Almeida (1722-1804)”, Bulletin des Etudes Portugaises et Brésiliennes, 42(1981), 95-119. 

Santos, Zulmira. Literatura e Espiritualidade na Obra de Teodoro de Almeida (1722-1804). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian/Fundação para a Ciência e Tecnologia, 2007.

Silva, José Alberto. A apropriação da filosofia natural em Teodoro de Almeida (1722 -1804). Lisboa: CIUHCT, 2009.

Silva, José Alberto. “Teodoro de Almeida (1722-1804) ou a arte da recreação” in Ana Simões, Marta C. Lourenço, José Alberto Silva, orgs., Ciência, Tecnologia e Medicina na Construção de Portugal. Razão e Progresso, século XVIII, pp. 449-469, 2º volume de Maria Paula Diogo, Ana Simões, eds., Ciência, Tecnologia e Medicina na Construção de Portugal. Lisboa: Tinta da China, 2021, 4 vols.

Sarmento, Henrique (Jacob) de Castro

Bragança, 1691 — Londres, 14 setembro 1762

Palavras Chave: newtonianismo, medicina setecentista, relações centro-periferia.

DOI: https://doi.org/10.58277/QTOR5398

Henrique, ou Jacob, de Castro Sarmento (1691-1762), médico judeu, nascido em Bragança e exilado em Inglaterra a partir de 1721, é considerado como o introdutor das ideias de Isaac Newton (1662-1727) em Portugal e um dos principais responsáveis pela disseminação da iatroquímica entre os médicos portugueses, contribuindo para o desenvolvimento da medicina e ciência portuguesas do século XVIII.

Sarmento nasceu em Bragança, filho de Francisco de Castro Almeida e de Violante de Mesquita, ambos cristãos-novos. A sua família fugiu daquela localidade para escapar às perseguições da Inquisição na província de Trás-os-Montes, no final do século XVII, tendo ido para Mértola onde Sarmento iniciou os seus estudos. Em 1706, a Inquisição iniciou um processo contra o pai, tendo os bens da família sido confiscados e a prisão deste ocorrido dois anos mais tarde. Quando Sarmento terminou o curso em Artes na Universidade de Évora, em 1710, o pai compareceu no auto de fé que teve lugar naquela cidade a 20 de Julho.

Em 1711, foi para Coimbra, onde frequentou o curso de medicina tendo obtido o grau em 1717. Depois de algum tempo a praticar medicina no Alentejo, foi para Lisboa, dado o seu nome constar de uma lista de 92 pessoas denunciadas por Francisco de Sá Mesquita à Inquisição de Évora. Em Lisboa, Sarmento casou com a sua prima Luísa Inácia, também ela de origem judaica. Desconhece-se quanto tempo permaneceu na capital portuguesa, mas, em 1721, provavelmente devido ao receio de poder ser preso, o médico português e a sua mulher foram para Londres, cidade onde existia uma comunidade judaica importante.

Após a chegada à capital inglesa, foi circuncidado, tendo mudado o seu nome cristão para Jacob. No seio da comunidade sefardita de Bevis Marks, Sarmento conheceu David Nieto (1654−1728), líder da congregação judaica desde o início do século, e Isaac de Sequeira Samuda (1681−1729), médico da legação portuguesa junto da coroa britânica e o primeiro judeu a ser eleito sócio da Royal Society of London. A relação de alguma proximidade estabelecida entre Sarmento e Nieto terá sido relevante para a evolução do pensamento teológico e científico do médico português. Nieto era newtoniano, tendo procurado conciliar a ortodoxia judaica com as implicações teológicas das ideias de Newton, pelo que a amizade estabelecida entre os dois terá sido relevante em diversos aspetos.

Em 1724, foi acusado pelos membros da congregação judaica londrina de ter denunciado cristãos-novos à Inquisição portuguesa. Na sequência do processo iniciado pelos Anciãos da Sinagoga, o médico português foi ilibado de todas as acusações, mas é possível que esta situação tenha prejudicado a sua relação com alguns dos membros da congregação; por outro lado, Sarmento foi diversas vezes admoestado publicamente por não cumprir os ritos judaicos.

Neste mesmo ano, publicou uma obra religiosa intitulada Exemplar de Penitencia dividido em três discursos, para o dia santo de Kipur, dedicado ao grande e omnipresente Deus de Israel. Este livro, cujo parecer foi escrito pelo próprio Nieto, que também terá influenciado a sua escrita, tinha como principais objetivos evidenciar o seu compromisso para com a religião de Moisés e atacar os seus inimigos e detratores.

Apesar destes problemas, o médico português foi consolidando a sua carreira profissional na competitiva classe médica londrina, tendo sido admitido como membro do Royal College of Physicians em 1725, o que lhe permitiu começar a exercer a profissão, ainda que as posições mais vantajosas lhe estivessem vedadas.

Quando Nieto morreu em 1728, Sarmento foi convidado a escrever o elogio fúnebre do ancião, intitulado Sermam Funebre. A partir desta data, e depois de ter sido eleito sócio da Royal Society, a 3 de Fevereiro de 1730, após a morte de Samuda, a sua atividade no âmbito da congregação sefardita parece ter estagnado.

A eleição para sócio da prestigiada sociedade londrina teve um impacto significativo na sua carreira. Logo em 1730, e com o patrocínio de Hans Sloane (1660−1753), presidente da Royal Society, entrou em contato com Emanuel Telles da Silva, Marquês do Alegrete, presidente da Academia Real de História, sugerindo a criação de um horto botânico, com sementes provenientes do Chelsea Garden. Apesar de essa sugestão não ter sido aceite, dadas as características da sociedade portuguesa, orientada para as humanidades, Sarmento continuou a servir de interlocutor entre as duas sociedades. A mesma sugestão foi apresentada ao reitor da Universidade de Coimbra, D. Carneyro de Figueiroa, com quem manteve contacto, ainda que a proposta, uma vez mais, não tenha sido seguida.

Em 1731, D. João V convidou Sarmento a participar no projeto de reforma da medicina portuguesa, tendo Xavier de Meneses, 4.º Conde da Ericeira (1673−1743) servido de mediador. Na sequência desse convite, foi definido que a reforma deveria ser iniciada com a tradução das obras de Francis Bacon, recentemente compiladas por Peter Shaw (1697−1763), seu colega na Royal Society, sendo o rei português aconselhado a enviar médicos nacionais ao estrangeiro de modo a que pudessem trazer para Portugal as novidades médicas. Nesse ano foi publicado um pequeno folheto intitulado Propoziçoens para imprimir as Obras Philosophicas de Francisco Bacon, onde se define o plano da obra. O projeto não foi por diante, havendo indicações de que conselheiros influentes do rei, como o padre jesuíta Johannes Carbone (1694-1750), se tenham oposto à concretização da reforma preconizada por Sarmento. A relação entre este e o Conde da Ericeira prosseguiu durante muitos anos até à morte do conselheiro real.

Nos anos seguintes à sua eleição para sócio, Sarmento apresentou os resultados das observações astronómicas feitas por padres jesuítas em Portugal e no vasto império português, veiculando informações relevantes para a coroa britânica, interessada em consolidar o seu poderio internacional. Algumas das observações foram feitas por Carbone no observatório dos jesuítas, provavelmente equipado com instrumentos adquiridos em Londres por Samuda, e após a morte deste, por Sarmento. 

A chegada a Londres de Marco António de Azevedo Coutinho (1688−1750), em 1735, foi importante para Sarmento por significar o retomar da sua atividade enquanto autor de obras científicas. De facto, nesse ano, publicou a primeira parte da sua obra médica mais importante, intitulada Materia Medica Physico-Historico-Mechanica, cuja escrita havia sido iniciada em 1731, e que deve ter sido pensada originalmente como parte integrante da reforma da medicina portuguesa. A obra foi dedicada a Azevedo Coutinho que anos mais tarde, a 26 de Abril de 1738, nomeou Sarmento médico da legação portuguesa. 

As relações estabelecidas com os enviados da coroa portuguesa foram importantes para a consolidação do seu prestígio junto desta. Quando Sebastião José de Carvalho e Melo (1699−1782), esteve em Londres, o médico português e o diplomata estabeleceram uma relação de alguma proximidade. 

Em 1739, Sarmento obteve o grau de doutor em medicina pela Universidade de Aberdeen, tendo Sloane intercedido a seu favor, numa época em que a referida instituição atribuía diplomas sem necessidade da frequência de aulas. A obtenção deste grau foi importante para a consolidação da sua carreira médica, permitindo-lhe melhorar o seu estatuto profissional.

Nos anos seguintes, escreveu a maior parte das suas obras científicas, abordando diversos aspetos da prática médica, procurando contribuir para o desenvolvimento da medicina portuguesa. Concomitantemente, a sua rede de contactos aumentou; para além dos diplomatas que exerceram funções na legação portuguesa na capital inglesa, estabeleceu contactos com diversas personalidades portuguesas, merecendo especial destaque a relação mantida com alguns médicos, como João Mendes Sachetti Barbosa, ou António Nuno Ribeiro Sanches (1699−1783), que esteve em Londres durante algum tempo, antes de ir para Leyden, onde foi discípulo de Hermann Boerhaave.

Enquanto sócio da Royal Society, Sarmento esteve envolvido na eleição de diversas personalidades portuguesas para aquela instituição, incluindo Bento de Moura Portugal, Teodoro de Almeida e todos os enviados do rei português à capital britânica. Apresentou também diversas comunicações, algumas publicadas nas Philosophical Transactions.

Em 1748, Sarmento abandonou a comunidade judaica que o tinha acolhido, referindo, na nota que acompanha o seu pedido, a existência de atritos com outros membros. É possível que o abandono da congregação se relacione diretamente com o seu desejo de casar com a amante cristã, com quem efetivamente casou após ter enviuvado de Isabel Inácia. 

As boas relações entre Sarmento e a coroa portuguesa mantiveram-se após a subida ao trono de D. José I, continuando a desempenhar as funções de intermediário entre Inglaterra e Portugal. Os problemas de saúde de que padeceu durante uma parte da sua vida agravaram-se com a idade, tendo morrido em 1762 e enterrado num cemitério não judaico.

A primeira obra de Sarmento foi importante para o estabelecimento do seu prestígio internacional. Intitulada A Dissertation on the method of inoculating the Small-Pox, foi publicada logo em 1721 no auge da polémica relacionada com a introdução da inoculação das bexigas (varíola) em Inglaterra, que antecedeu a vacinação desenvolvida por Edward Jenner (1749-1823). Esta técnica esteve envolta em polémica, por implicar a introdução do agente de uma doença num corpo são.

A Dissertation é a única obra que Sarmento publicou em inglês e a primeira na Europa a abordar esta temática. Sarmento aludiu de forma explícita às ideias de Newton quando procurou explicar o modo como a doença produz os seus efeitos no corpo humano, sendo esta a primeira manifestação da sua adesão ao sistema newtoniano. No ano seguinte, foi publicada a versão latina, tendo esta sido alvo de contrafação. A obra circulou em diversos países, como a Holanda, a Alemanha ou a França, tornando Sarmento conhecido fora de Inglaterra. Em 1730, após a sua eleição para sócio da Royal Society, foi publicada a segunda edição da obra em latim. O livro nunca circulou em Portugal de forma autónoma, tendo o autor optado por incluir a segunda edição latina em obras posteriores. A inoculação das bexigas não foi bem recebida pela comunidade médica portuguesa, tendo sido aplicada na prática apenas no final do século XVIII, muitos anos após a morte de Sarmento, quando foi criado o Hospital Real da Inoculação das Bexigas. 

Em 1726, foi publicada a sua primeira obra científica escrita em português, intitulada Syderohydrologia, onde aborda a utilização das águas minerais para fins terapêuticos, tendo esta temática sido desenvolvida pelo seu autor em outros livros. 

Na Materia Medica, publicada em 1735, as águas minerais são abordadas com maior pormenor, incluindo uma primeira tentativa de caracterização das águas das Caldas da Rainha, pelas quais tinha particular interesse. Anos mais tarde, na sequência do envio para Inglaterra de amostras destas águas, publicou um apêndice à obra, com o título Appendix ao que se acha escrito na Materia Medica (1753), onde incluiu uma descrição pormenorizada dos ensaios efetuados para determinar a composição das águas das referidas termas. Sarmento conheceu pessoalmente Thomas Short e Peter Shaw, seus colegas na Royal Society, médicos que melhoraram os métodos experimentais propostos por Friedrich Hoffman para a elucidação das propriedades das águas minerais. 

Sarmento foi um dos impulsionadores da utilização das águas minerais e termais no tratamento de doenças em Portugal, tendo sublinhado a necessidade de se efetuarem testes laboratoriais às águas minerais existentes em solo nacional, de modo a determinar quais as suas potenciais aplicações terapêuticas. 

A Materia Medica veicula uma visão da medicina baseada na experimentação e no conhecimento das propriedades terapêuticas das substâncias. Contém, por isso, a descrição de diversas substâncias utilizadas no tratamento das doenças, indicando os métodos a ser seguidos na determinação da sua composição. Esta é a primeira obra portuguesa de iatromecânica, sistema seguido pelo médico português e pela maior parte dos seus colegas ingleses, sendo notória a influência de autores como Robert Boyle, Newton e Boerhaave. Numa altura em que o ensino médico na Universidade de Coimbra era dominado pela influência do galenismo, associado à superstição e à crença em poderes ocultos que continuavam a orientar a prática clínica, o livro terá contribuído para uma alteração da atitude dos médicos portugueses relativamente à sua profissão. As duras críticas que lhes foram endereçadas, especialmente a João Curvo Semedo (1635-1719), exemplificam o modo como Sarmento encarava a medicina portuguesa da sua época.

Em 1758, foi publicada a segunda edição da Materia Medica, que incluiu uma segunda parte, dedicada aos reinos animal e vegetal. Esta é menos extensa do que a primeira, dedicada ao reino mineral, apesar de incluir plantas, como o barbatimão (Stryphonodendrom adgistrens), cuja utilização era ainda desconhecida dos médicos portugueses. Esta foi a última contribuição de Sarmento para o desenvolvimento da medicina portuguesa.

A Theorica Verdadeira das Mares, editada em 1737, foi a sua principal contribuição para a disseminação do newtonianismo em Portugal. Trata-se de uma obra ímpar no contexto das obras de filosofia natural portuguesas da primeira metade do século XVIII, por abordar uma temática polémica, numa época em que a mera alusão ao sistema coperniciano era ainda encarada com suspeição por parte das autoridades responsáveis pela censura dos livros. A obra utiliza o formalismo matemático, baseado nos artigos de John Theophilus Desaguliers, demonstrador da Royal Society, de quem Sarmento era amigo, e de Edmund Halley. Não são conhecidas reações à obra em Portugal. Tudo leva a crer que a linguagem utilizada tenha afastado os leitores, contribuindo para o seu insucesso. 

Das restantes obras publicadas por Sarmento, merecem especial destaque as que se dedicam aos medicamentos secretos. A primeira, intitulada Relaçam de Alguns Experimentos, e Observaçoens sobre as Medicinas de Madam Stephen para dissolver a Pedra (1742), é a tradução de um livro de Stephen Hales sobre o medicamento de Madame Stephens para dissolver a pedra na bexiga, cujo segredo foi vendido ao Parlamento Inglês por uma soma avultada. A tradução foi feita por sugestão do Marquês de Pombal, a quem a obra foi dedicada. 

A Água de Inglaterra, o medicamento de segredo mais importante do século das luzes, era utilizada no tratamento das febres intermitentes (paludismo). O processo para a sua obtenção foi desenvolvido pelo médico inglês Robert Talbot, que terá comunicado o seu segredo a Henrique Mendes, médico pessoal de D. Catarina de Bragança, mulher do rei D. Carlos II. Tanto Talbot como Mendes acabaram por vender o segredo da preparação do medicamento, tornando públicos os ingredientes utilizados. No caso de Mendes, foi concedido privilégio real para que ele e os seus familiares comercializassem esta droga. Existem indícios de que Sarmento terá iniciado a produção e comercialização deste medicamento a partir de 1731, provavelmente aproveitando o facto de os descendentes do Dr. Mendes, entretanto falecido, fabricarem um produto de duvidosa qualidade. Utilizando o seu prestígio e os contatos estabelecidos com membros da corte portuguesa e com médicos da universidade de Coimbra, Sarmento conseguiu que a Água de Inglaterra se impusesse no mercado português, utilizando os seus livros para anunciar o medicamento. Na Materia Medica, é defendida a manutenção do segredo do processo utilizado na preparação da Água de Inglaterra, sustentando que apenas deveria ser revelada a sua composição. 

A obra intitulada Dos Usos e Abusos das minhas Agoas de Inglaterra, editada em 1756, não é mais do que a bula do seu medicamento, indicando como este deveria ser administrado no tratamento do paludismo e de outras doenças. Mesmo após a morte de Sarmento, a Água de Inglaterra continuou a ser produzida durante muito tempo por um familiar que lhe roubou a receita. A criação da Real Junta do Proto-Medicato, no reinado de D. Maria I, que passou a regular o exercício da atividade médica, não impediu a continuação da sua produção até meados do século XIX.

Sarmento também publicou, em 1746, um livro dedicado aos cirurgiões, intitulado Tratado das Operaçoens de Cirurgia. Esta tradução de uma obra de Samuel Sharp teve um sucesso significativo, tendo sido reeditada, provavelmente devido ao rigor das descrições e por existirem poucas obras similares escritas em português.

A obra e a atividade de Jacob de Castro Sarmento assumem particular relevância no contexto da ciência e da medicina portuguesas do século XVIII, por ilustrarem o modo como a informação circulou entre a Grã-Bretanha e Portugal. Newtoniano, médico, autor de obras científicas, judeu e produtor de medicamentos de segredo, Sarmento teve um papel importante na paulatina mudança em curso na medicina e ciência portuguesas, apresentando às elites portuguesas algumas das novidades médicas e científicas do século.

Hélio Pinto

Arquivos

Biblioteca Nacional.
Biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa.

Obras

Sarmento, Jacob de Castro, A Dissertation on the method of inoculating the Small-pox with critical remarks on the several authors who have treated of this disease. Londres: Thomas Bickerton, 1721.

Sarmento, Jacob de Castro, Siderohydrologia: OU Discurso Practico Das Agoas Mineraes Espadanas ou Chalybeadas; Em que se mostra Sua Natureza, Composição, Methodo de as beber, e os achaques em que são Convenientes. Londres: J. Humfreys, 1726.

Sarmento, Jacob de Castro, Serman funebre as deploraveis memorias do muy Reverendo e doutissimo Haham Assalem Morenu, A. R. David Netto, Insigne Theologo, Eminente Pregador e Cabeça da Illustre Congregação de Sahar Hassamaym. Londres: 1727.

Sarmento, Jacob de Castro, Materia Medica, Physico-Historico-Mechanica, Reyno Mineral, Parte I, a que se ajuntam Os principaes Remedios do prezente estado da Materia Medica; como Sangria, Sanguessugas, Ventosas Sarjadas, Emeticos, Vesicatorios, Diureticos, Sudorificos, Ptyalismicos, Opiados, Quina Quina, e, em especial, as minhas Agoas de Inglaterra como também, Huma Dissertaçam Latina sobre a Inoculaçam das Bexigas. Londres: 1735.

Sarmento, Jacob de Castro, Theorica Verdadeira das Mares, conforme a Philosophia do incomparavel cavaleiro Isaac Newton. Londres: 1737.

Sarmento, Jacob de Castro, Relaçam de Alguns Experimentos, e Observaçoens, Feitas sobre as Medicinas de Madam Stephens, para dissolver a Pedra. Em que Se tras a Exame, e se mostra a sua Faculdade Dissolvente Por Estevao Hales, Dr. em Theologia, Reytor de Faringdon, &c. e Socio da Sociedade Real. Ajuntasse hum Compendio Historico De todos os Factos, des de a Origem deste Descobrimento, ate que, por fazelo publico, recebeo a sua Inventora, do Parlamento de Inglaterra, o premio de cinco mil Livras, ou cincoenta mil cruzados. Londres: 1742.

Sarmento, Jacob de Castro, Tratado das Operaçoens de Cirurgia Com as figuras e descripçam dos Instrumentos de que nellas se faz uzo, e huma Introducçaõ sobre a natureza, e Methodo de tratar as Feridas, Abcessos, e Chagas, traduzido em Portuguez da quarta edição de Mons. S. Sharp Cirurgiaõ do Hospital de Guy de Londres. Londres: 1746.

Sarmento, Jacob de Castro, Appendix ao que se acha escrito na Materia Medica do Dr. Jacob de Castro Sarmento sobre a Natureza, Contentos, Effeytos, e Uso pratico, em forma de bebida, e banhos das Agoas das Caldas da Rainha. Partecipado a o Publico, em huma Carta escrita Ao Dr. Joaõ Mendez Saquet Barboza, Socio da Sociedade Real de Londres, &c. A que se ajunta O novo Methodo de fazer uzo da Agoa do Mar, na Cura de muitas Enfermidades Chronicas, em especial nos Achaques das Glandulas. Londres: 1753.

Sarmento, Jacob de Castro, Do Uso, e Abuso Das Minhas Agoas De Inglaterra Ou Directorio, e Instrucçam Para Se saber seguramente, quando se deve, ou naõ, usar dellas, assim nas enfermidades agudas; com em algumas chronicas; e em casos propriamente de Cirurgia Pello Inventor das mesmas Agoas. Londres: Guilherme Strahan, 1756.

Sarmento, Jacob de Castro, Materia Medica Physico-Hystorico-Mechanica. Reyno Mineral Parte I A que se ajuntam Os principaes Remedios do prezente Estado da Materia Medica; como Sangria, Sanguessugas, Ventozas Sarjadas, Emeticos, Purgantes, Vesicatorios, Diureticos, Sudorificos, Ptyalismicos Opiados, Quina Quina, e, em especial, as minhas Agoas de Inglaterra. Ediçam nova, corrigida, e repurgada, a que se accrescentam por continuaçam desta Obra, para fazela Completa, Os Reynos Vegetavel , e Animal Parte II. Londres: Guilherme Strahan, 1758.

Bibliografia sobre o biografado

Barnett, Richard, “Dr. Jacob de Castro Sarmento and Sephardim in Medical Practice in Eighteenth-Century London.”, Trnsactions of the Jewish Historical Society of England, 37(1982): 84-114.

Carvalho, Rómulo de, “A aceitação em Portugal da filosofia newtoniana.”, Revista da Universidade de Coimbra, 36(1991): 445-457.

d’Esaguy, Augusto, História da Medicina. Jacob de Castro Sarmento. Notas relativas à sua vida e à sua obra. Lisboa: Ática, 1946.

Goldish, Matt, “Newtonian, Converso, and Deist: The Lives of Jacob (Henrique) de Castro Sarmento.”, Science in Context, 10, 4(1997): 621-675.

Pinto, Hélio, “Jacob de Castro Sarmento e o Conhecimento Médico e Científico do século XVIII.”, Tese de Doutoramento, Universidade Nova de Lisboa, 2015.

Gusmão, Bartolomeu Lourenço de

Santos, São Paulo ca. dezembro 1685 — Toledo, 19 novembro 1724

Palavras-chave: Aeróstato, Passarola, D. João V, Academia Real da História Portuguesa.

DOI: https://doi.org/10.58277/SDLZ9476

Bartolomeu Lourenço nasceu em Santos, na Capitania de São Vicente (atual estado de São Paulo), Brasil, em finais de 1685. É considerado um dos percursores da navegação aérea, ao realizar as primeiras experiências aerostáticas conhecidas no Ocidente. A maior parte dos seus biógrafos sustenta que o seu pai Francisco Lourenço Rodrigues era cirurgião-mor do presídio de Santos. Contudo, Jaime Cortesão encontrou evidências de que a atividade do pai eram os negócios. Sabe-se que foi batizado em 19 de dezembro desse ano. Bartolomeu Lourenço recebeu a primeira instrução na sua vila natal e entrou em seguida, como noviço, no Seminário jesuíta de Belém, na vila baiana da Cachoeira, entregue aos cuidados do reitor o Padre Alexandre de Gusmão (1649-1724). Em 1718 adotou o apelido Gusmão, tal como veio a acontecer como o seu irmão Alexandre (1695-1753) – secretário do rei D. João V (1689-1750) e saliente diplomata – em homenagem ao antigo perceptor jesuíta. Desde cedo se revelou um jovem inteligente, dotado de uma extraordinária memória. Após terminar os estudos no Seminário, por volta de 1699 ou 1700, transferiu-se para o Colégio de Salvador, onde se situava a capital Brasileira na época.

Em 1701 viajou para Lisboa e, nos círculos intelectuais da metrópole, as suas capacidades e conhecimentos causaram admiração. Ficou hospedado em casa de D. Rodrigo Anes de Sá Almeida e Meneses (1676-1733), 3º Marquês de Fontes (a partir de Agosto de 1718, 1º Marquês de Abrantes). D. Rodrigo foi um dos mais influentes e eruditos nobres da Corte e, entre 1712 e 1718, foi ele que chefiou a célebre embaixada ao Papa. A estadia permitiu a Bartolomeu Lourenço melhorar a formação em matérias técnicas e científicas e certamente usufruir da rica biblioteca e museu de raridades do seu patrono.

Regressado ao Brasil, em 1705 pediu patente ao Senado da Câmara da Baía de uma invenção para elevar água. O conhecimento da hidráulica e da hidrostática ficou testemunhado por essa primeira criação, um dispositivo para levar água desde o rio Paraguaçu até ao Seminário de Belém, vencendo um desnível de cerca de 100 metros. Apesar da documentação conhecida que chegou até nós não incluir qualquer desenho, o que ajudaria a compreender o funcionamento do engenho, tratar-se-ia muito possivelmente de uma bomba hidráulica. A patente deste invento foi concedida por D. João V, a 23 março de 1707, depois de um parecer favorável do Concelho Ultramarino datado de 18 de novembro de 1706.

Terminados os estudos na Baía no início de 1709 foi ordenado padre secular – optando assim por não ingressar na Companhia de Jesus. Ao contrário do que referem diversas fontes Bartolomeu Lourenço nunca foi jesuíta. Porém, a sua formação foi em grande medida adquirida com os inacianos e, sabemos hoje, entre as bibliotecas das escolas da Companhia circulavam livros científicos, antigos e modernos, chegando mesmo aos colégios mais longínquos. É pois natural admitir que, num contexto formal ou informal, o jovem Bartolomeu tenha conhecido e estudado tratados científicos, e em particular as obras de Arquimedes de Siracusa (287 a.C.-212 a.C.). Esse contacto deve ter acontecido sobretudo no Colégio de Salvador uma vez que no Seminário de Belém não havia curso de Filosofia, e segundo os currículos jesuítas as matemáticas mistas e outros assuntos científicos eram ensinados no âmbito do programa de Filosofia. Acresce que várias provas, diretas e indiretas, apontam para o facto de a biblioteca do Colégio de Salvador ter sido a mais significativa das coleções bibliográficas jesuíticas da América Portuguesa, onde se incluíam obras de cariz literário, filosófico e científico. Se no virar do século XVII para o XVIII o número de volumes rondava os 3 000, estima-se que por alturas da expulsão dos jesuítas, em 1759, a biblioteca do Colégio já tinha ultrapassado os 15 000 volumes.

Em 1708 Bartolomeu volta a embarcar para Lisboa. No dia 1 de dezembro matriculou-se na Faculdade de Cânones da Universidade de Coimbra, abandonando os estudos alguns meses depois. 

Em Abril de 1709, já na capital do reino e novamente acolhido pelo seu protetor, o Marquês de Fontes, apresentou ao rei a petição de patente de «hum instrumento para se andar pello ar da mesma sorte, que pella terra, e pello mar, e com muito mais brevidade». O monarca despachou favoravelmente o pedido a 17 de Abril, acrescentando várias benesses às que Bartolomeu solicitara, entre elas a de «Lente de Prima de Mathematica» na Universidade de Coimbra. No texto Bartolomeu Lourenço alegava que a sua máquina voadora poderia percorrer mais de 200 léguas por dia, transportar passageiros e carga, e mostrava-se ciente das vantagens do voo para a exploração terrestre, as comunicações e a guerra – em 1709 Portugal estava envolvido na Guerra da Sucessão de Espanha. Em particular, chamava a atenção para a exploração das regiões polares: «sendo da Naçaõ Portugueza a gloria deste descobrimento», se se viesse a concretizar; e para a possibilidade de a navegação aérea poder resolver um dos principais problemas científicos da época: o da determinação das longitudes.

Um autor coevo, José Soares da Silva, relatou numa Gazeta manuscrita que D. João V mandou entregar a Bartolomeu as chaves da quinta do Duque de Aveiro para a fabricação da máquina voadora, tendo no entanto o inventor preferido uma outra propriedade, pertencente ao rei, em Alcântara. Acrescentava ainda Soares de Silva que a confeção do engenho consumia papel e grande quantidade de arame.

No início de agosto de 1709, no dia 3, perante a Corte de D. João V, Bartolomeu fez a primeira de 5 experiências com balões de ar quente de pequenas dimensões. Nessa primeira tentativa, realizada no torreão do Palácio da Ribeira o protótipo ardeu antes de se elevar. No segundo ensaio, dia 5, noutra dependência do Palácio Real o aeróstato elevou-se a 4 metros mas como começou a arder foi derrubado por dois servos armados de paus. Estes receavam que o fogo se propagasse ao Palácio. As restantes demonstrações foram quase todas coroadas de êxito, sendo que numa delas – realizada provavelmente no dia 7, no Terreiro do Paço – o balão se elevou a grande altura tendo pousado posteriormente sem pegar fogo. Vários ensaios foram testemunhados pelo núncio apostólico em Lisboa, Michelangelo Conti (1655-1724), que relatou para Roma a 16 de agosto de 1709 o que viu: «O sujeito […] fez por estes dias duas experiências na presença do Rei havendo formado um corpo esférico de pouco peso; mas como a virtude impulsiva ou atrativa parece ser constituída por espíritos [álcool], estes pegaram fogo, e queimou-se o engenho da primeira vez sem se mover da terra […] ele, empenhado em fazer crer que não corre perigo a sua invenção, está a fabricar outro engenho maior». Ao construir balões sucessivamente maiores Bartolomeu avançava na direção certa, no entanto o desiderato de transportar pessoas e animais só seria conseguido em França, em 1783, pelos aeróstatos dos irmãos Joseph-Michel Montgolfier (1740-1810) e Jacques-Étienne Montgolfier (1745-1799).

Contrastando com a imagem excessiva e quase caricatural de D. João V, construída pela historiografia portuguesa do século XIX, o monarca surge aqui – ainda no início do seu reinado – como um protetor das artes e das ciências, interessado em inovações técnicas – mesmo nas mais arrojadas, como acontecia com a invenção proposta pelo Padre Bartolomeu Lourenço.

Apesar do apoio do rei e de fidalgos importantes da Corte nos meio literários e entre a população as propostas fantásticas de Bartolomeu foram recebidas com ceticismo. Para além de ganhar o epiteto de «voador» foi alvo de um bom número de poemas e outros textos satíricos. Certamente que uma parte da responsabilidade dessa reação se deveu à gravura e descrição da «Passarola». A imagem e respetivo texto, que se difundiram pela Europa, tiveram origem no próprio Bartolomeu que, com a conivência do filho primogénito do Marquês de Fontes, D. Joaquim Francisco de Sá Almeida e Menezes (1695-1756), os terá elaborado como manobra de diversão, com vista a desviar as atenções do verdadeiro invento. D. Joaquim Francisco era então aluno de matemática do inventor e, aparentemente, a única testemunha da fabricação dos pequenos aeróstatos. A descrição que acompanhava a gravura prometia o transporte de homens, víveres, mensagens ou dinheiro, e explicava o funcionamento do veículo recorrendo ao magnetismo. Algumas semelhanças estruturais sugerem que Bartolomeu conhecia a obra Prodromo Ovvero Saggio di Alcune Inventione Nuove Premesso All’Arte Maestra (1670) do jesuíta Francesco Lana Terzi (1631-1687), e a sua barca voadora sustentada por balões de vácuo. Como recorda a historiadora Lorelay Brilhante Kury a proposta de Lana Terzi baseava-se na impulsão arquimediana aplicada ao ar e esse é, sem dúvida, um ponto de contacto com as experiências de Bartolomeu Lourenço, embora o inventor americano tenha optado por uma solução técnica distinta. Os escritos do Padre Bartolomeu não citam Arquimedes, nem qualquer outra autoridade. Contudo, neles é clara a ideia de considerar o ar, tal como a água, um fluido.

Em 1710 obteve privilégio de patente de uma nova bomba hidráulica para esgotar água entrada nos porões das naus. Em 1713, talvez receoso do Santo Ofício, abandonou o país com poucos recursos materiais, errando três anos pela Holanda e pela França, vivendo de ocupações modestas, incluindo a de ervanário em Paris, até se encontrar na Embaixada portuguesa com o seu irmão Alexandre, então secretário da missão diplomática do Conde da Ribeira. Com ele regressou a Portugal e, a expensas deste, completou os estudos na Universidade de Coimbra, doutorando-se em Cânones, a 16 de junho de 1720. D. João V designou-o fidalgo Capelão-mor da Capela Real, em 1722, e nessa qualidade foi como enviado extraordinário a Roma, encarregue de tratar com a Cúria pontifícia da obtenção de privilégios pretendidos pelo monarca em benefício da Sé de Lisboa e do seu Clero.

Não obtendo sucesso nesse ano de negociações foi substituído em Roma pelo irmão Alexandre, em 1723. No regresso ao reino, todavia, seria nomeado por D. João V sócio efetivo da Academia Real de História Portuguesa, um dos 50 académicos de número, o que lhe valeu terem-se impresso, até 1721, os seus sermões e outras obras. Como notou Rómulo de Carvalho, a inclusão de Bartolomeu de Gusmão entre a elite erudita da Academia Real da História revela como continuou a ser respeitado pelo rei, apesar de não ter conseguido cumprir completamente as suas promessas e planos da máquina voadora.

Perseguido pela Inquisição sob suspeita de ter abraçado o Judaísmo fugiu para Espanha em 1724, em companhia de outro irmão, o carmelita descalço frei João Álvares. Adoecendo gravemente à chegada a Toledo, teve de recolher ao hospital, onde, apesar dos seus 38 anos, veio a morrer em 19 de novembro vencido pelos rigores da viagem e pela doença.

Luís Tirapicos

Arquivos

Archivio Segreto Vaticano (Roma)
Fondo Bolognetti, 116, fl. 36-37
Arquivo Nacional Torre do Tombo (Lisboa)
Chancelaria D. João V, Liv. 31, fl. 202v-203v
Tribunal do Santo Ofício, CG/A/8/I/4356
Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra
Ms. 342; Ms. 392; Ms. 537, fl. 314-316; Ms. 677, fl. 410-410v

Obras 

Varios modos de esgotar sem gente as naos que fazem agua: offerecidos ao muyto alto e muyto poderoso Rey de Portugal, & dos Algarves D. Joam V. Nosso Senhor pelo P. Bartholomeu Lourenço. Lisboa: na Officina real Deslandense, 1710.

Bibliografia sobre o biografado

Faria, Vicomte. Bartholomeu Lourenço de Gusmão (1685-1724) Américain-Brésilien Inventeur du Premier Aerostat. Lausanne: Imprimeries Réunies, 1910..

Filho, Murillo Cruz. Bartolomeu Lourenço de Gusmão: Sua Obra e o Significado Fáustico de Sua Vida (Rio de Janeiro: Biblioteca Reprográfica Xerox/MAST, 1985).

Fiolhais, Carlos (coord.). Bartolomeu Lourenço de Gusmão: o Padre Inventor. Rio de Janeiro: Universidade do estado/Andrea Jakobsson Estúdio, 2011..

Taunay, Affonso de E. Bartholomeu de Gusmão e a sua prioridade aerostática (S. Paulo: Escolas Profissionaes Salesianas, 1935).

Visoni, Rodrigo M. e João Batista G. Canalle. “Bartolomeu Lourenço de Gusmão: o primeiro cientista brasileiro,” Revista Brasileira de Ensino da Física 31:3 (2009): 3604-1 – 3604-12.