Vasconcelos, Fernando de Almeida Loureiro e

Santa Maria Maior (Chaves), 26 de março 1874 — Santa Catarina (Lisboa), 2 de novembro 1944

Palavras-chave: história da matemática, sociedades científicas, engenharia militar.

DOI: https://doi.org/10.58277/VBQZ7014

Fernando de Vasconcelos teve uma vida intensa e diversificada. Foi militar, político, professor universitário de matemática, historiador da matemática e publicista. Não teve, por isso, uma carreira cronologicamente ordenada, mas várias, em simultâneo. Como historiador da Matemática foi o único português a publicar trabalhos sobre a matemática na Antiguidade.

Fernando de Vasconcelos nasceu a 26 de Março de 1874 em Chaves, filho de Fernando de Almeida e Vasconcelos, capitão de Infantaria, e de Mariana Augusta de Vasconcelos de Abreu Castelo Branco. Casou com Mónica de Vilhena em 1901, filha do 1.º Visconde de Ferreira do AlentejoJosé Joaquim Gomes de Vilhena, e de sua mulher e prima Amélia Augusta de Vilhena, residentes em Ferreira do Alentejo, tendo tido dois filhos. Faleceu em Lisboa, a 2 de Novembro de 1944.

Frequentou o Colégio Militar com o n.º 56, em 1884-89 (2.º-6.º anos), sempre com excelentes classificações (especialmente a português, francês, latim, matemática, história, filosofia e geografia).  Recebeu em todos os anos lectivos diversos diplomas, prémios (primeiros e segundos) e medalhas de mérito em várias disciplinas, excetuando as de desenho.

A carreira militar de Fernando de Vasconcelos iniciou-se com o alistamento como voluntário no Regimento de Infantaria N.º 1 em 1889. Fez o curso do Real Colégio Militar em 1889, o curso preparatório para engenharia militar na Escola Politécnica de Lisboa em 1892, e, finalmente, o curso de Engenharia Militar da Escola do Exército em 1895. Nestas duas últimas instituições foi distinguido com vários prémios. Em 1985 foi promovido a alferes de engenharia e, decorridos dois anos, foi chamado a desempenhar a sua primeira missão política como oficial, às ordens no gabinete do ministro da guerra, General Francisco Maria da Cunha. 

Ainda como tenente de engenharia, foi requisitado para uma Comissão de Serviço no Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, desempenhando funções na Direcção-Geral de Agricultura, de 30 de Maio de 1899 até Junho de 1905. Em 1901, estava em serviço na prospecção técnica das farinhas e do pão, e, em 1915, encontrava-se ao serviço do Ministério do Fomento como engenheiro subalterno de 1.ª classe do corpo de obras públicas e minas. A 16 de Fevereiro de 1918, já estava ao serviço do Ministério do Comércio, para, depois, ser colocado, como adido, no então Ministério do Comércio e Comunicações, em 1920. Foi eleito deputado pelo círculo eleitoral de Beja, nas listas do partido regenerador, nas eleições legislativas de Abril de 1906, e reeleito pelo mesmo círculo eleitoral nas eleições de 1908. Integrou em 1908 as omissões parlamentares de obras públicas e de instrução primária e secundária. Em 1909, fez parte da comissão interparlamentar de colonização. Em 1914, desempenhou o cargo de Governador Civil do distrito de Portalegre. O seu percurso militar terminou em 1926, ao atingir a patente de coronel de engenharia. 

No que respeita à carreira científica e académica, Fernando de Vasconcelos foi repetidor das cadeiras de Matemática (1.ª Cadeira, Álgebra Superior, Geometria Analítica e Trigonometria Esférica) da Escola Politécnica (Nomeado em novembro de 1897), e passou a 1.º assistente da secção de matemática, quando da transformação daquela instituição na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, em 1911. Foi professor interino (lente) e depois professor catedrático no Instituto Superior de Agronomia, onde regeu a cadeira de Cálculo Diferencial e Integral e das Probabilidades e o Curso de Construções Rurais — 2.ª parte do Curso de Desenho de Construções. Foi exonerado, a seu pedido, a 15 de julho de 1937. 

Além de dois artigos e diversas conferências sobre a matemática grega na Antiguidade, a obra maior de Fernando de Vasconcelos é a sua História das Matemáticas na Antiguidade que se dirigia ao grande público. Nela se expõem as origens económicas, sociais e culturais das ciências, no mais vasto sentido, e as aspirações dos povos à compreensão do mundo, evidenciando a concepção das matemáticas do autor como a “base dos conhecimentos positivos para a inteligência humana”. O autor cobre o período clássico da matemática grega, hindu e árabe até ao fim da Segunda Escola de Alexandria (641 d.C.). Apesar das muitas descobertas e desenvolvimentos na história das matemáticas ocorridas desde que o livro foi escrito, nomeadamente, sobre as matemáticas antigas dos orientes próximo e longínquo, esta obra de Fernando de Vasconcelos continua a ser uma obra de referência histórica. 

Fernando de Vasconcelos esteve ligado a várias instituições ligadas às actividades económicas, industriais e agrícolas, e a diversas sociedades científicas. Foi fundador da Liga Económica Nacional (1915-1918), e membro da Associação dos Engenheiros Civis Portugueses, da Associação Industrial (presidente da omissão revisora de contas), da Associação Central de Agricultura Portuguesa, da Sociedade de Geografia e Grupo Português de História das Ciências – secção de Lisboa, de que foi fundador e primeiro presidente, de 1932 a 1934.

Foi delegado do Instituto Superior de Agronomia junto do comissariado-geral do governo na Exposição Internacional do Rio de Janeiro (1926) e integrou a missão gratuita de serviços que se deslocou ao estrangeiro para colher elementos para a organização do trabalho agrícola (1929). Tomou parte no congresso de Bilbao, da Asociación Española para el Progreso de las Ciencias (1919), no congresso do Porto, da Associação Portuguesa para o Progresso das Ciências (1921), e no congresso de Salamanca da Asociación Española para el Progreso de las Ciencias (1923). 

Fernando de Vasconcelos representou o governo português e a Universidade de Lisboa no congresso internacional de matemáticas de Toronto, em 1924. Foi delegado do governo português ao 13.º Congresso Internacional de Agricultura em Roma, em 1927, e relator, por parte de Portugal, do tema sobre “Organização científica do Trabalho Agrícola”. Foi nomeado para fazer parte da comissão portuguesa na organização científica do trabalho agrícola em França, Inglaterra, Bélgica e Holanda, em 1930. Foi eleito membro efectivo da Academia Internacional de História das Ciências e do Comité International d’Histoire des Sciences em 1934 e Presidente da Comissão Internacional de Prioridades Científicas, no mesmo ano. Sócio correspondente do Circolo Matematico de Palermo e do Instituto de Coimbra. Foi presidente da comissão executiva do III Congresso Internacional de História das Ciências de 1934.

Foi agraciado com a Ordem do Mérito Militar de Espanha e a Ordem de Avis.

Augusto J. Franco de Oliveira
Professor Emérito da Universidade de Évora
Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa

Obras

1. Vasconcelos, Fernando “Sur la rotation des forces autour de leurs points d’application et l’équilibre astatique”. Annaes da Academia Polytechnica do Porto, tomo VII, n.os 1, 2, 3, 1912, pp. 5-45, 65-83, 129-159.

2. Vasconcelos, Fernando “A numeração fraccionada no Papiro de Rhind e em Herão de Alexandria”. Associação Portuguesa para o Progresso das Ciências, Congresso do Porto (1921). Coimbra, 1922. 

3. Vasconcelos, Fernando “A origem grega do valor  e dos números fundamentais das tábuas de senos das Siddhântas”, Asociación Española para el Progreso de las Ciencias. Congresso de Salamanca, 1924.

4. História das Matemáticas na Antiguidade, Aillaud & Bertrand, 1925. Segunda edição com Prefácio, revisão, biografia e coordenação por Augusto J. Franco de Oliveira, Ludus e Museu de Ciência, Lisboa, 2009.

5. Vasconcelos, Fernando “L’Organisation scientifique du travail agricole (Portugal)”, XIIIème Congrès International d’Agriculture, Roma, 1927.

6. Vasconcelos, Fernando “Daniel Augusto da Silva et la constitution de l’astatique. Une priorité des sciences mathématiques portugaises”.Archeion, 16,1934.

Bibliografia sobre o biografado

Mónica, Maria Filomena (coordenadora). Dicionário Biográfico Parlamentar (1834-1910) Assembleia da República.  Lisboa, 2006 (ISBN 972-671-167-3), pp. Vol. III. 977-8.

Oliveira, Augusto J. Franco de,“Nota Biográfica”, In Vasconcelos, Fernando Loureiro (ed.). História das Matemáticas na Antiguidade, segunda edição, Lisboa, Associação Ludus, 2009:  481-484.

Teixeira, Francisco Gomes. “Elogio Histórico de Daniel Augusto da Silva”, In Panegíricos e Conferências, ed. Teixeira, Francisco Gomes, 155-193.Coimbra: Imprensa da Universidade, 1925.

Sousa, Francisco Luís Pereira de

Funchal, 22 setembro 1870 — Portimão, 25 setembro 1931

Palavras-chave: engenharia militar, Serviços Geológicos, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, terramoto de 1755, tectónica.

DOI: https://doi.org/10.58277/TXFQ2967

Francisco Luís Pereira de Sousa foi talvez um exemplo de um certo homem de ciência que existiu em Portugal na transição do século XIX para o seguinte.

Pereira de Sousa passou a infância e a adolescência na sua cidade natal, onde realizou os primeiros estudos. Aos dezassete anos, partiu para Lisboa a fim de cursar os preparatórios de Engenharia Militar na Escola Politécnica e, em 1888, ingressou na Escola do Exército a fim de completar a sua formação. Concluiu o curso em 1894 e foi colocado na divisão de engenharia militar em Tancos. A 10 de outubro de 1904, com o posto de tenente, foi nomeado engenheiro subalterno de segunda classe do Corpo de Engenharia Civil da secção de Obras Públicas. Promovido a capitão no mesmo mês, foi destacado para a Direção Geral dos Correios e Telégrafos.

No dia 1 de janeiro de 1911, Pereira de Sousa passou a prestar serviço, a seu pedido, na Comissão do Serviço Geológico, uma vez que a geologia lhe despertava grande interesse desde há muito. Entre 1918 e 1922, chefiou, interinamente, por duas vezes, os Serviços Geológicos (SG), instituição que, em 1918, substituiu a Comissão do Serviço Geológico. Pereira de Sousa permaneceu nos SG até setembro de 1928, quando foi forçado a abandonar a instituição devido à publicação de legislação que limitava a acumulação de cargos na função pública.

A par de trabalhar nos SG, Pereira de Sousa foi igualmente professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) desde a sua criação, em 1911. Ingressou na carreira académica como segundo assistente da cadeira de Geologia e, em 1915, foi promovido a primeiro assistente, tendo passado a reger, além da cadeira de Geologia, a de Geografia Física e Física do Globo e a de Mineralogia e Petrologia. Em abril de 1929, foi nomeado professor catedrático e diretor do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico anexo à FCUL, sendo-lhe atribuído, em julho do mesmo ano, o título de doutor em Ciências Histórico-Naturais.

Pereira de Sousa foi sócio da Associação dos Engenheiros Civis Portugueses; sócio e vice-presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa e da Associação dos Arqueólogos Portugueses e sócio efetivo da Academia de Ciências de Lisboa. No plano internacional, foi sócio da Sociedade Geológica de França, tendo desempenhado as funções de vice-presidente, em 1922.

Fora do âmbito científico e académico, Pereira de Sousa foi presidente do Conselho Fiscal do Banco Nacional Ultramarino e membro de uma comissão nomeada pela ditadura nacional com a finalidade de estabelecer uma nova divisão administrativa de Portugal.

Pouco se sabe sobre o trabalho de Pereira de Sousa antes de ter sido destacado para os SG mas é de supor que, além de tratar de aspetos burocráticos inerentes ao funcionalismo público, a sua principal atividade fosse o aconselhamento e o acompanhamento técnico. Efetivamente, durante este período, Pereira de Sousa fez parte do Conselho Superior de Obras Públicas e de um comité de inspeção do Observatório Astronómico de Lisboa.

Foram os anos que Pereira de Sousa passou, primeiro na Comissão do Serviço Geológico, e, em seguida, nos SG, que, do ponto de vista científico, foram os mais produtivos e significativos da sua carreira. No entanto, este foi também um dos períodos mais difíceis da vida da instituição. Quando Pereira de Sousa ingressou nos SG, Paul Léon de Choffat (1849–1919) era o único geólogo que aí trabalhava; a convivência entre os dois, a influência e os ensinamentos de Choffat terão sido decisivos na formação geológica de Pereira de Sousa. Todavia, não é possível afirmar que existiu entre ambos uma relação de mestre/discípulo.

A presidência interina dos SG a que Pereira de Sousa se viu obrigado, não parece ter sido uma experiência particularmente gratificante. Acima de tudo, a acumulação das funções desempenhadas nos SG com as de docente na FCUL não deixavam a Pereira de Sousa tempo suficiente para desenvolver a sua atividade científica. As pretensões de Pereira de Sousa no que respeita ao abandono da chefia dos SG acabaram por ser atendidas, mas o geólogo permaneceu na instituição até ter sido legalmente impedido.

Enquanto professor na FCUL, Pereira de Sousa parece ter sido um dos poucos a fomentar a realização de saídas geológicas junto dos seus alunos. Muitos desses alunos frequentavam o curso de Ciências Histórico-Naturais com o objetivo de virem a ser professores de ciências no ensino secundário. Outros eram obrigados a ter aproveitamento em cadeiras de Geologia que faziam parte dos cursos preparatórios de Engenharia. Poucos eram os alunos que pretendiam prosseguir uma carreira de algum modo relacionada com a geologia, o que não permitiu a Pereira de Sousa criar discípulos, nem na FCUL, nem nos SG.

Na verdade, no que respeita à geologia, as condições académicas, científicas e mesmo sociais existentes à época no país não permitiam o efetivo desenvolvimento desta ciência. Ao criar, em 1931, o Boletim do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico, cujo objetivo era a publicação de estudos inéditos dedicados à geologia portuguesa, Pereira de Sousa pretendeu, certamente, contribuir para uma desejada transformação do panorama da investigação e prática geológicas.

Os estudos de Pereira de Sousa relativos à geologia do Algarve, que se encontravam relacionados com a realização pelos SG de uma Carta Geológica do Algarve na escala 1:50,000, são, talvez, os mais reveladores da sua atividade científica. Esses estudos permitiram-lhe escrever e publicar diversos artigos sobre a petrografia, o vulcanismo, a tectónica e a estratigrafia da região e constituíram grande parte da sua produção científica entre 1917 e 1922. Foram ainda fundamentais para o conhecimento do Carbónico do Algarve, que se encontrava, na época, ainda pouco estudado. A maior parte desses estudos foram publicados nas Comptes Rendus de l’Académie des Sciences de Paris e nas Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal.

O trabalho de investigação de Pereira de Sousa levou a que se deslocasse com frequência ao Laboratório de Mineralogia do Museu de História Natural de Paris, onde trabalhou com François Antoine Alfred Lacroix (1863–1948), que considerava seu mestre. Teorias relativas às estruturas tectónicas deste e de outros geólogos franceses, bem como as do sismólogo Fernand Montessus de Ballore (1851–1913), foram as principais e mais diretas influências nos estudos de Pereira de Sousa dedicados à tectónica. Indiretamente, Pereira de Sousa foi também influenciado pelas teorias do geólogo austríaco Eduard Suess (1831–1914), uma vez que os geólogos franceses com quem privou eram parte de uma linhagem de seguidores de Suess.

Uma das consequências das teorias tectónicas de Suess foi o renovado interesse da comunidade geológica pela questão da Atlântida no início do século XX. Pereira de Sousa interessou-se pelo tema, tanto mais que a localização lendária da Atlântida dada por Platão era de modo a poder situá-la próximo de Portugal, o que conferia à questão um interesse acrescido. Pereira de Sousa considerava que a Atlântida teria sido um grande continente que ocupava quase todo o oceano Atlântico em tempos anteriores ao Quaternário e que ligava as actuais Europa, África e América; os arquipélagos das Canárias e da Madeira seriam os vestígios deixados pela submersão dessa hipotética Atlântida.

As teorias de Suess e dos geólogos franceses foram, igualmente, o ponto de partida para aquele que é, sem dúvida, o trabalho mais conhecido de Pereira de Sousa: a obra em quatro volumes dedicada ao terramoto de Lisboa de 1755, publicada entre 1919 e 1931 e deixada incompleta pelo facto do geólogo ter falecido subitamente devido a uma síncope cardíaca quando realizava trabalho de campo no Algarve.

Neste trabalho, Pereira de Sousa identificou regiões com diferente sismicidade em Portugal Continental, utilizando, para tal, as intensidades relativas apresentadas pelo terramoto em várias localidades. As intensidades foram obtidas a partir de dados retirados dos inquéritos mandados realizar pelo marquês de Pombal no seguimento da catástrofe. Pereira de Sousa considerou ainda que o epicentro do sismo se teria situado a sul do Algarve ocidental e a nordeste do arquipélago da Madeira e a sua origem estaria relacionada com movimentos epirogénicos de uma depressão existente no fundo do Mediterrâneo, com atividade tectónica recente.

Apesar do seu impacto científico limitado, tanto nacional como internacionalmente, o estudo de Pereira de Sousa sobre o terramoto de 1755 constituiu uma das primeiras tentativas no campo da investigação geológica de sismos em Portugal.

Pereira de Sousa foi um geólogo por vocação, uma vez que não possuía qualquer formação específica em geologia. A sua vontade de construir uma reputação científica enquanto geólogo, levou-o a conseguir uma posição nos SG, o único sítio em Portugal onde era possível desenvolver uma prática geológica efetiva. A sua carreira na instituição apresenta assim um padrão semelhante à de outros geólogos portugueses que, durante o século XIX, aí trabalharam: engenheiros militares cujo gosto pela geologia os levou a uma quase autoaprendizagem que permitiu a alguns deles tornarem-se competentes geólogos.

Pode dizer-se que Pereira de Sousa é o último dos geólogos do período pioneiro da geologia em Portugal e que, à data da sua morte, a sua carreira científica possuía alguma visibilidade, até mesmo no estrangeiro, algo que não voltaria a acontecer a um geólogo português nas duas décadas seguintes.

Teresa Salomé Mota
Gestão e conversação do património geológico

Arquivos

Lisboa, Arquivo Histórico da Academia de Ciências de Lisboa.

Lisboa, Arquivo Histórico de Economia.

Lisboa, Arquivo Histórico do Laboratório Nacional de Engenharia e Geologia.

Lisboa, Arquivo Histórico do Museu de Ciência da Universidade de Lisboa.

Obras

Gentil, Louis e Francisco Luís Pereira de Sousa. “Sur les effets au Maroc du Grand Tremblement de Terre en Portugal (1755).” Comptes Rendus de l’Académie des Sciences de Paris 157 (1913): 805–808.

Sousa, Francisco Luís Pereira de. “Algumas rochas eruptivas das orlas mesozoica e cenozoica de Portugal.” Boletim do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico da Universidade de Lisboa 1 (1931–1934): 1–16.

Sousa, Francisco Luís Pereira de. “Alguns prognósticos possíveis do terramoto de 1755.” Boletim da Academia das Ciências de Lisboa 1 (1929): 98–109.

Sousa, Francisco Luís Pereira de. “Aperçu sur le Carbonique de la rive droite du Guadiana.” Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal 15 (1924): 43–48.

Sousa, Francisco Luís Pereira de. “Contribution à l’étude petrographique du nord d’Angola.” Comptes Rendus de l’Académie des Sciences de Paris 157 (1913): 1450–1453.

Sousa, Francisco Luís Pereira de. “Estudo geológico do Polygno de Tancos.” Revista de Engenharia Militar 15 (1902): 1–34.

Sousa, Francisco Luís Pereira de. “La Serre de Monchique.” Bulletin de la Société Géologique de France 26 (1926): 321–350.

Sousa, Francisco Luís Pereira de. O Terremoto do 1º de Novembro de 1755 em Portugal e um Estudo Demográfico. Lisboa: Oficina Gráfica Lda, 1919-1931. 4 vols.

Sousa, Francisco Luís Pereira de. “Sur les mouvements épirogéniques pendant le Quaternaire à l’Algarve.” Comptes Rendus de l’Académie des Sciences de Paris 166 (1918): 688–691.

Sousa, Francisco Luís Pereira de. “Sur les roches éruptives de la partie occidentale de l’Algarve (Portugal).” Comptes Rendus de l’Académie des Sciences de Paris 191 (1930): 59–61.

Bibliografia sobre o biografado

Almeida, Fernando Moitinho de e António Barros Carvalhosa. “Breve História dos Serviços Geológicos em Portugal.” Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal 58 (1974): 239–265.

Carneiro, Ana e Teresa Salomé Mota. “Francisco Pereira de Sousa (1870–1931): um terramoto para uma vida.” In O Terramoto de 1755 — Impactos Históricos, ed. Ana Cristina Araújo, José Luís Cardoso, Nuno Gonçalo Monteiro, Walter Rossa e José Vicente Serrão, 131-143Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais e Livros Horizonte, 2007.

Costa, Alfredo Augusto d’Oliveira Machado e. “O Professor Dr. Francisco Luís Pereira de Sousa, 1870-1931.” Boletim do Museu de Mineralogia e Geologia da Universidade de Lisboa 2 (1933): 2–14.

Simões, Jorge Macedo de Oliveira. “Biografia de geólogos portugueses — Francisco Luís Pereira de Sousa (1870-1931).” Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal 17 (1931): 3–11.

Fortes, Manuel de Azevedo

Lisboa, ca. 1660 – Lisboa, 28 março 1749

Palavras-chave: engenharia militar, estrangeirado, ensino, Iluminismo.

DOI: https://doi.org/10.58277/JYLX6844

Manuel de Azevedo Fortes nasceu em 1660, filho natural de Monsieur Lembrancour, um nobre francês então na Corte de Lisboa exercendo o cargo de Intendente das tropas francesas, e de uma senhora portuguesa de alta condição, cujo nome não se sabe. Embora os pais não assumissem a paternidade, pelo que Manuel de Azevedo Fortes foi exposto no Hospital Real de Todos os Santos (Fortes deu, para fins oficiais, várias indicações diferentes no que respeita à sua filiação), o pai responsabilizou-se activamente pela sua educação, na qualidade de benfeitor, permitindo-lhe, desde cedo, um contacto com o estrangeiro, onde, aliás, fez toda a sua formação em moldes totalmente diferentes do que, à época, se fazia em Portugal nas classes abastadas e, particularmente, na corte.  

Com apenas 10 anos o jovem Manuel de Azevedo Fortes foi enviado, primeiro para o Colegio Imperial de Madrid, essencialmente vocacionado para as belas letras e, depois, para a Universidade de Alcalá de Henares para “se instruir nas sciencias severas”, nomeadamente na área da Filosofia. O êxito dos seus estudos, levaram o pai a enviá-lo para França, para o famoso Colégio de Plessis-Sorbonne, com o objectivo de aperfeiçoar os seus conhecimentos em Filosofia Moderna, Filosofia Experimental e Matemática, tendo sido em todas estas disciplinas um aluno brilhante. 

Já formado, Manuel de Azevedo Fortes concorreu ao lugar de professor de Matemática na Universidade de Siena, onde, após leccionar um primeiro triénio, lhe foi pedido pelo governador da cidade, Francisco Maria de Médicis, irmão do Grão-Duque da Toscânia, que permanecesse mais três anos, o que, efectivamente, aconteceu. A morte de seu pai durante este último período e, portanto, a cessação do apoio financeiro que deste recebia, levaram-no a aceitar um benefício oferecido por Francisco de Médicis. 

Para resolver questões burocráticas indispensáveis à tomada de posse deste benefício, Azevedo Fortes deslocou-se a Portugal, onde foi recebido entusiasticamente pelos círculos intelectuais portugueses, nomeadamente por D. Francisco Xavier de Meneses, 4º Conde de Ericeira, um dos ícones das “Luzes” portuguesas. O círculo de Ericeira, como é habitualmente conhecido, era o corolário de uma linhagem de academias – Academia dos Generosos (1649-1692), Academia das Conferências Discretas (ou Academia dos Discretos, 1696-1717) – em que se fomentava o debate sobre temas de filosofia e ciência europeias que, de outra forma, dificilmente chegavam a Lisboa. A casa do Conde de Ericeira, no Largo da Anunciada, era o centro das ideias do iluminismo em Portugal, constituindo o nosso primeiro cenáculo esclarecido. À volta do Conde da Ericeira e das suas Conferências Discretas e Eruditas, gravitava um círculo de políticos, eruditos, professores e homens viajados a par das novas ideias científicas, conhecedores e leitores das obras mais recentes em diversos campos, como o Reverendo D. Manuel Caetano de Sousa, D. José de Barbosa, Manuel Serrão Pimentel, D. Luís Caetano de Lima e Rafael Bluteau. A esta plêiade de intelectuais iluministas, juntou-se Manuel de Azevedo Fortes, convidado ainda na sua viagem de regresso, para abordar temas relacionados com a nova Lógica. 

O rei D. Pedro II, partilhando das opiniões extremamente favoráveis relativas a Azevedo Fortes, força a sua permanência no reino e na corte, oferecendo-lhe, em 1686, o cargo de docente de Matemática na Aula de Fortificação e Arquitectura Militar, na Ribeira das Naus, onde leccionou pelo menos até 1703, e empossando-o, em 1698, na patente de Capitão de Infantaria, com aplicação de engenheiro, e em 1703 na de Sargento-Mor engenheiro. Já em plenas funções na carreira militar, o facto de falar correctamente o português, o castelhano o italiano e o francês, levou-o a desempenhar, a par dos trabalhos mais comuns à fortificação, algumas funções específicas, nomeadamente de espião militar, disfarçado de hortelão, em praças espanholas, e de oficial de ligação, com as funções de tradutor, entre as praças e patentes mais baixas portuguesas e os oficiais superiores do exército estrangeiro. Em 1710, já no reinado de D. João V, é nomeado governador da Praça de Castelo de Vide, com o posto de Coronel, sendo o responsável pela reedificação desta praça. Em 1719 é nomeado Engenheiro-Mor e Brigadeiro dos Exércitos do Reino e, em 1735, é promovido a Sargento-Mor de batalha.

Quando, em 1720, D. João V fundou a Academia Real de História, Manuel de Azevedo Fortes foi um dos 27 sócios fundadores indicados pelo Conselho de Sua Majestade, sendo-lhe atribuída, em conjunto com o matemático Padre Manoel de Campos (um dos 23 sócios fundadores indicados por instituições religiosas), a responsabilidade pelos “pontos Geograficos da Historia, assim Ecclesiastica, como Secular destes Reynos”, tarefa cartográfica que, não obstante o seu empenhamento, não conseguiu levar a bom termo.

Apesar deste desaire, referido inúmeras vezes pelo próprio, Manuel de Azevedo Fortes conseguiu impor o seu projecto mais global de afirmação da engenharia militar portuguesa. Neste contexto, interveio directamente na construção de um espaço pedagógico e profissional para o métier de engenheiro, na óptica do que mais moderno se fazia ao tempo, mantendo-se sempre fiel à difusão das novas formas do pensamento europeu em Portugal. A par dos projectos académicos e pedagógicos, Manuel de Azevedo Fortes participou em numerosos projectos de fortificação em todo o país, quer de raiz, quer introduzindo modificações, assumindo-se como uma referência na área da engenharia militar. 

A educação que teve fora de Portugal, a carreira profissional que iniciou no estrangeiro, os contactos que manteve com o que se passava no exterior das fronteiras do reino, em larga medida proporcionados pelo seu conhecimento de três línguas europeias, e a sua integração no círculo ericeirence, fazem de Manuel de Azevedo Fortes um caso paradigmático da importância dos estrangeirados na definição de uma nova racionalidade científico-tecnológica em Portugal, ligada aos princípios do Iluminismo. Esta nova atitude face ao papel a desempenhar pela ciência e a tecnologia nas sociedades modernas, com que Fortes convivera nos países estrangeiros, está bem espelhada nas suas obras. 

No quadro das Luzes, os trabalhos de Azevedo Fortes, embora focando-se em aspectos específicos da engenheiro militar, partilham de um projecto global de modernização da sociedade portuguesa, de que o uso do vernáculo, e não do latim, é emblemático. A importância da educação formal e a relevância da sedimentação de uma comunidade nacional de engenheiros militares são claras, não só pelo número de militares com exercício de engenharia que a procuram e frequentam, como pelos esforços no sentido do seu alargamento a outras partes do Reino, nomeadamente ao Brasil e à Índia.  

É precisamente sobre estas questões profissionais e de formação que o recém-nomeado Engenheiro-Mor do reino publicou, em 1719, a Representação sobre o Modo e Direcção que devem ter os Engenheiros para melhor sevirem n’este Reino e suas Conquistas, primeiro esboço de um regulamento para o exercício da profissão de engenheiro.

No contexto das suas tarefas na Academia Real de História, Fortes escreveu o Tratado do modo mais fácil e o mais exacto de fazer cartas geographicas, assim como do mar e tirar as plantas das praças, cidades e edíficios com instrumentos e sem instrumentos (1722), obra que, tendo como motivação última recuperar a liderança portuguesa na área da cartografia, se tornou de ensino obrigatório para os engenheiros e outros oficiais da Academia Militar, introduzindo-os nas regras de fortificação dos matemáticos Claude Millet Deschalles e Jacques Ozamam. Ainda na sua qualidade de académico, Fortes escreveu vários textos, dos quais se destaca a Oração Académica pronunciada na presença de Suas Magestades indo a Academia ao Paço em 22 de Outubro de 1739, na qual, a propósito dos trabalhos de organização das cartas geográficas da História Eclesiástica e Secular de Portugal, defendeu, de forma vigorosa, a ciência baseada na matemática e elogia o apoio dado por D. João V às novas atitudes face ao conhecimento.  

Em 1728, Azevedo Fortes retoma o tema da formação dos engenheiros, publicando O Engenheiro Portuguez, obra dividida em dois tratados, versando sobre a fortificação e o ataque e defesa das praças. Ambos os Tratados contêm, no fim do respectivo volume, um Apêndice (no primeiro tomo sobre cálculos baseados na trigonometria rectilínea e no segundo sobre armas de guerra) e estampas ilustrativas sobre os conteúdos tratados. Esta obra, de vocação eminentemente didáctica, pretende expor, de forma sistematizada, os conhecimentos considerados fundamentais para o exercício da profissão de engenheiro, aqui apresentado como um técnico que, de uma forma particular, incorpora num mesmo sistema de saber os planos teórico e prático. Esta nova visão da engenharia como área privilegiada de contacto e interacção entre a ciência e a prática, insere-se numa óptica de modernidade assente na crítica ao ensino de tipo escolástico praticado nas escolas portugueses. Trata-se, portanto, de disponibilizar em português, para os futuros engenheiros portugueses, um corpus de conhecimentos que o Engenheiro-Mor do reino conhecia, porque havia contactado com ele no estrangeiro durante a sua formação académica e profissional, mas que se encontrava ausente ou profundamente desactualizado no ensino português. O Engenheiro Portuguez baseia-se nas referências da escola francesa, nomeadamente nos influentes Marquês de Vauban e Conde de Pagan e nos engenheiros militares Errard de Bar-le-Duc, Antoine de Ville e Manesson Mallet. 

Obra usada como manual na Aula de Fortificação e de Arquitectura Militar, o Engenheiro Portuguez era considerado pelos alunos como um símbolo da nova postura da engenharia portuguesa e da sua integração numa comunidade transnacional. Neste contexto, e perante um ataque à obra de Azevedo Fortes, os alunos reagem escrevendo a Evidencia apologetica e critica sobre o primeiro e segundo tomo das “Memorias militares”, pelos particantes da Academia militar d’ esta corte (1733), em que criticam os opositores do Engenheiro-Mor pela sua falta de precisão e desactualização no plano da terminologia.  

Em 1744, já numa fase tardia da sua vida, Manuel de Azevedo Fortes publicou a Lógica Racional, Geométrica e Analítica, obra claramente cartesiana, que introduz as novas correntes da filosofia europeia em Portugal. Contrapondo a lógica dos modernos, nomeadamente Descartes, Tycho Brahe, Regiomontanus, Roberval, Galileu e Gassendi, à argumentação escolástica (que considerava ser uma interpretação deturpada da filosofia aristotélica, com base nas leituras árabes e de comentadores medievais como Averróis e Avicena), Fortes impõe uma visão cognitiva da ciência assente na matemática. Esta obra, que antecedeu em dois anos e preparou o caminho para o trabalho de Luís António Verney, O Verdadeiro Método de Estudar, foi igualmente usada como livro de instrução para os alunos da Aula de Fortificação  e de Arquitectura Militar.

Azevedo Fortes morre em Lisboa, em Março de 1749. A forma inovadora como entende a figura profissional o engenheiro e o facto, pouco comum em Portugal, de ter efectivamente agido como formador de uma nova mentalidade tecnológica (através das suas obras, que são adoptadas como livros de texto nas escolas de engenharia nacionais), tornam-no uma referência incontornável na engenharia portuguesa. Sendo um estrangeirado, e tendo, portanto, contactado, nos planos educativo e profissional, com as elites intelectuais da Europa das Luzes, soube usar esta experiência, adquirida precocemente e mantida ao longo da sua vida,  para moldar o perfil da engenharia militar portuguesa e dotá-la de um estatuto multifacetado, sólido e moderno que se prolongará nos séculos seguintes.

Maria Paula Diogo

Obras 

Representação sobre o Modo e Direcção que devem ter os Engenheiros para melhor servirem n’este Reino e suas Conquistas. Lisboa: Officina de Mathias Pereira da Silva & João Antunes Pedroso, 1719-1720.

Tratado do modo mais fácil e o mais exacto de fazer cartas geographicas, assim como do mar e tirar as plantas das praças, cidades e edifícios com instrumentos e sem instrumentos. Lisboa: Officina de Paschoal da Silva, 1722.

O Engenheiro Portuguez. Lisboa: Officina de Manoel Fernandes da Costa, 1728-29.

Lógica Racional, Geométrica e Analítica. Lisboa: Officina de José António Plates, 1744.

Oração Académica pronunciada na Presença de Suas Magestades indo a Academia do Paço em 22 de Outubro de 1739. 

Bibliografia sobre o biografado

Andrade, António Alberto Banha de. “Manuel de Azevedo Fortes, primeiro sequaz, por escrito, das teses fundamentais cartesianas em Portugal”, in Contributos para a história da mentalidade pedagógica portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda 1982, pp. 191-126. 

Bernardo, Luís Manuel Aires Ventura. O Projecto Cultural de Manuel de Azevedo Fortes: Um Caso de Recepção do Cartesianismo aa Ilustração Portuguesa. Lisboa : Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2005.

Coxito, Amândio A. O Compêndio de lógica de M. Azevedo Fortes e as suas fontes doutrinais, (Coimbra: Universidade de Coimbra,1981). 

Cruz, José Gomes da. Elogio Fúnebre de Manoel de Azevedo Fortes. Lisboa:1754.

Diogo, Maria Paula. “Manuel de Azevedo Fortes: o nascimento da engenharia moderna em Portugal”, XIX Colóquio de História Militar, 100 Anos do Regime Republicano: políticas, rupturas e continuidades. Lisboa: Comissão Portuguesa de História Militar, 2011, pp. 167-181. 

Diogo, Maria Paula, Ana Carneiro, Ana Simões. “El Grand Tour de la Tecnología: El Estrangeirado Manuel de Azevedo Fortes”, in A. Lafuente, A. Cardoso Matos, T. Saraiva (eds.), in Maquinismo Ibérico – Tecnologia y cultura en la península ibérica, siglos XVIII-XX. Aranjuez: Doce Calles, 2006, pp 119-139.