Tomás, Álvaro (Alvarus Thomas)

Lisboa, ca. 1489 — Paris, 1521

Palavras-chave: filosofia natural, medicina, tradição calculatória, Collège de Cocqueret, Universidade de Paris. 

DOI: https://doi.org/10.58277/FMHY1443

Álvaro Tomás nasceu em Lisboa e faleceu na cidade de Paris, onde viveu muito provavelmente a partir de 1500. 

Destacou-se pelos seus trabalhos no âmbito da ciência do movimento; desenvolveu um estudo sobre as propriedades do movimento uniformemente acelerado; apresentou uma análise complexa da teoria das proporções; e alcançou resultados relevantes no estudo das séries infinitas. O prestígio que lhe conferiram estes trabalhos científicos tornaram-no uma figura marcante da tradição calculatória europeia, de tal forma que alguns historiadores o consideraram até como um precursor de Pedro Nunes e de Galileu Galilei.

Muito escassas são as informações sobre a sua biografia. A primeira notícia data de 1509, ano em que Tomás surge como professor de artes no Collège de Cocqueret (ou Cocquerett) da Universidade de Paris. Em 1513, Tomás estava ainda a ensinar Filosofia Natural no mesmo colégio universitário. Como era hábito àépoca, muitos estudantes inscritos nas Faculdades de Medicina, Teologia e Direito trabalhavam como professores nos colégios parisienses para conseguirem pagar as suas propinas universitárias. Entre 1515 e 1518, licenciou-se primeiro em Medicina e, logo depois, recebeu o título de Doutor. Em 1518, começou a ensinar na Faculdade de Medicina, onde foi nomeado professor, e ficou com este cargo até à data da sua morte, em 1521. 

O ambiente intelectual de Paris e da sua universidade no início do século XVI era extremamente estimulante Na altura em que Álvaro Tomás chegou á universidade, estava já bem enraizada uma forte tradição de estudantes ibéricos. Entre outros, contam-se Francisco de Melo, Pedro Margalho, Pedro Ciruelo e Juan de Celaya.

Publicado em Paris, em 1509, o Liber de triplici motu é a única obra conhecida de autoria de Álvaro Tomás. Trata-se de uma obra sofisticada e complexa, sobretudo escrita por um homem com pouco mais de vinte anos. O Liber de triplici motu revela uma evidente filiação à escola dos calculadores do Merton College, em Oxford – e principalmente à obra de Richard Swineshead (Suiseth, fl. 1340-1354) –, integrada nos trabalhos científicos da tradição medieval parisiense representada por Nicole Oresme .Não obstante a complexidade técnica do Liber de triplici motu, a obra teve uma larga divulgação e era bem conhecida pelos intelectuais do seu tempo. 

Luana Giurgevich 

Obras

Álvaro Tomás, Liber de triplici motu proportionibus annexis magistri Alvari Thomae Ulixbonensis philosophicas Suiseth calculationes ex parte declarans, Impressum Parrisiis, per Guillermum Anabat, 1509.

Bibliografia relevante sobre o biografado

Carlos Correia de Sá, “A soma de séries na obra De triplici Motu de Álvaro Tomás,” in Encontro Luso-Brasileiro de História da Matemática (2004), disponível online, último acesso a 26 de Janeiro de 2017: http://chcul.fc.ul.pt/textos/Sa_2004-Tomas.pdf.

Edith Sylla, “Alvarus Thomas and the role of Logic and Calculations in sixteenth century Natural Philosophy,” in Studies in Medieval Natural Philosophy, ed. Stefano Caroti (Firenze: Leo S. Olschki, 1989), 257-298. 

Edith Sylla, “Mathematics in the Liber de triplici motu of Alvarus Thomas of Lisbon,” in The practice of Mathematics in Portugal (Coimbra: 2004), 109-161.

Francisco Gama Caeiro, “Tomás, Álvaro,” in Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, vol. 17 (Lisboa: Editorial Verbo, 1963-1985), 1643.

Francisco Gomes Teixeira, “Alvaro Tomaz e Gaspar Nicolas, aritmeticos,” in História das Matemáticas em Portugal (Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa, 1934), 95-97.

Heinrich Wieleitner, “Zur Geschichte der unendlichen Reihe im Christlichen Mittelalter,” Bibliotheca Mathematica, Dritte Folge 14 (1914) 150-168.

Henrique Leitão, “Notes on the life and work of Álvaro Tomás,” Bulletin do CIM [Centro Internacional de Matemática] 9 (2000) 10-15.

Henrique Leitão, “Álvaro Tomás, calculator português em Paris,” Ciência em Portugal: Personagens e Episódios, disponível online, último acesso a 26 de Janeiro de 2017: http://www.instituto-camoes.pt/cvc/ciencia/e44.html. 

Julio Rey Pastor, Los Matematicos Españoles del Siglo XVI (Toledo: Biblioteca Scientia, 1926), 82-89.

Luís de Matos, Les Portugais à l’Université de Paris entre 1500 et 1550 (Coimbra: Universidade de Coimbra, 1950).

Maria Elfrida Ralha e Maria Fernanda Estrada, “Os conceitos matemáticos de número irracional e de razão composta, segundo Álvaro Tomás, no seu Liber de Triplici Motu,” in 4.º Encontro Nacional de História das Ciências e da Tecnologia: Construir Ciência, Construir o Mundo, 12-14 de Junho de 2014, disponível online, último acesso a 26 de Janeiro de 2017: http: //hdl.handle.net/1822/42845. 

Pascal Brioist e Jean-Jacques Brioist, “Harriot, lecteur d’Alvarus Thomas et de Niccolo Tartaglia,” in Mathématiques et théories du mouvement. XIVe-XVIe siècles, ed. Joel Biard e Sabine Rommevaux (Villeneuve d’Ascq: Presse Universitaire du Septentrion, 2008), 147-172.

Pierre Duhem, Études sur Léonard de Vinci, vol. 3 (Paris: Hermann et Fils, 1906-1913), 532-543.

Stefan Paul Trzeciok, Alvarus Thomas und sein Liber de triplici motu, 2 vols. (Berlin: Max Planck Institute for the History of Science-Edition Open Access: 2016) [Sources 7].

William Wallace, “Thomaz, Alvaro,” in Dictionary of Scientific Biography, ed. Charles Coulston Gillispie, vol. 13 (New York: Charles Scribner’s Sons, 1970-1980), 350.

Luís, António

Lisboa, ca.1510 – m. ca.1575

Palavras-chave: Medicina Renascentista, Filosofia Natural, João de Barros, Humanismo português.

DOI: https://doi.org/10.58277/PSLB7742

António Luís foi um médico humanista com um domínio reconhecido das línguas clássicas e hebraica. Legou-nos uma obra multifacetada que atesta a pluralidade dos seus interesses, desde a medicina à filosofia, desde a teologia à retórica ou à gramática, não só compondo estudos de carácter médico e filosófico ou uma oração panegírica a D. João III, mas também vertendo de grego para latim tanto textos de medicina, filosofia e retórica, como um comentário patrístico de um livro do Antigo Testamento, a que acrescem duas obras desaparecidas em língua portuguesa.

António Luís pertence à primeira geração de cristãos-novos, nascida após a Conversão Geral (1497), sendo filho do “físico” mestre Luís. Em conjunto com um grupo de eleição de cristãos-novos, António Luís obteve o bacharelato no Estudo de Salamanca, primeiro em artes e depois em medicina (15/03/1532). Entre os seus colegas contam-se Amato Lusitano, Diogo Pires, Duarte Gomes, Luís Nunes de Santarém, Manuel Lindo, Manuel Reinel ou Tomás Rodrigues da Veiga. Nos primeiros anos da década de trinta, quase todos regressaram a Portugal, onde se dedicaram ao exercício da medicina ou procuraram ingressar como docentes na Universidade de Lisboa. António Luís apresentou-se com alguns dos seus condiscípulos como oponente a dois concursos na Universidade de Lisboa, primeiro como candidato a uma vaga para a cadeira de Súmulas (12/08/1532), mais tarde a uma outra vaga para a cadeira de artes (12/08/1534), que antes pertencera a Garcia de Orta. Malgrado o insucesso em ambos os concursos, António Luís logrou obter o grau de licenciado em medicina na Universidade de Lisboa (29/11/1533). A maioria dos colegas foi abandonando Portugal rumo ao desterro, nos anos antecedentes e subsequentes ao estabelecimento da Inquisição em Portugal, em 1536, instalando-se quase sempre na praça de Antuérpia. António Luís permaneceu em Portugal, embora não seja de excluir a possibilidade de ter passado pela cidade do Escalda, tanto mais que o seu primeiro livro (Enchiridion, 1537) foi dado à estampa em Antuérpia, contendo versões latinas de textos gregos de Miguel Pselo, Teles e Sótades, acompanhadas de um ensaio intitulado De pudore. A composição desta obra, conforme se retira da carta dedicatória a João de Barros, resultou de um pedido do feitor da Casa da Índia ao autor, para que este reunisse um conjunto de lugares-comuns sobre o tema da vergonha nas literaturas clássicas, que haveriam de servir de inspiração para a redação do Diálogo da viciosa vergonha (1540).

Momento marcante na vida de António Luís foi, sem dúvida, o processo que lhe foi movido pela inquisição de Lisboa, nos primeiros dias de fevereiro de 1539. Denunciado pelos senhorios da casa em que vivia com o progenitor, António Luís foi considerado suspeito de envolvimento na criação de um panfleto anticristão afixado em algumas igrejas de Lisboa, tendo sido interrogado em sua casa, alvo de buscas, pelo inquisidor João de Melo e detido durante cerca de 11 dias. Os inquisidores não parecem ter conseguido comprovar a ligação do médico aos acontecimentos havidos em Lisboa, tendo sido libertado pouco depois, no dia 21/02/1539. É provável que tenha existido alguma intervenção superior no sentido de propiciar a rápida libertação de António Luís, pouco consonante com as suspeitas graves levantadas nos depoimentos e com a posse ilegal de livros em hebraico na sua livraria. Este processo ocorre numa época em que a questão judaica assume uma importância capital na sociedade portuguesa, em vésperas da reorganização e do agravamento da atuação do Tribunal do Santo Ofício, confrontando-se duas visões distintas sobre a forma como os cristãos-novos deveriam ser efetivamente convertidos ao catolicismo, pelo uso da força ou do diálogo. António Luís parece ser apologista da via do diálogo, segundo se depreende de certas passagens do De pudore, em linha com a posição advogada pelo próprio João de Barros no Diálogo Evangélico sobre os Artigos da Fé contra o Talmud dos Judeus. A via da força, porém, rapidamente ganharia preponderância com o apertar da malha inquisitorial, agravada com a celebração dos primeiros autos-de-fé em Lisboa a partir de 1540, na sequência dos quais abandonaram o país, rumo a Antuérpia, Duarte Gomes, Luís Nunes de Santarém, Manuel Reinel ou Duarte Pinel, mais tarde conhecido como Abraão Usque.

A publicação das restantes quatro obras impressas de António Luís, todas saídas dos prelos de Luís Rodrigues, ocorre na sequência do auto inquisitorial, entre 1539 e 1540, destacando-se três livros de temática filosófica e médica (Problematum libri quinqueDe occultis proprietatibus e De re medica opera), a que acresce a oração panegírica a D. João III (Panagyrica oratio). É de notar a publicação da segunda edição do De pudore, juntamente com De occultis proprietatibus, embora nesta edição, compreensivelmente, tenham sido retirados vários passos em que o autor demonstrava sobejo conhecimento da língua hebraica e das Sagradas Escrituras, nomeadamente de livros do Antigo Testamento. Depois da publicação destes quatro livros, não volta a haver notícias de António Luís até ao momento em que, por alvará de D. João III, datado de 11/01/1547, foi nomeado para reger, na Universidade de Coimbra, a cadeira de medicina, lendo Aristóteles e Galeno em grego, tendo recebido, alguns meses depois, o honroso convite do Conselho da universidade para proferir a Oração de Sapiência na abertura do ano letivo de 1548. Esta curta experiência docente, que se prolongou por três anos, constituiu a única ocupação remunerada conhecida em toda a vida de António Luís. No processo inquisitorial diz-se que ele não praticava a medicina, à semelhança de seu pai, preferindo dedicar-se antes à reflexão, tanto na área da medicina como da filosofia, afirmando ele próprio que era universal em todas as ciências. Por certo, as obras médicas de António Luís contidas na miscelânea à guarda da Biblioteca da Ajuda, cuja dedicatória a D. João III data de 1 de setembro de 1548, devem estar relacionadas, no todo ou em parte, com o magistério conimbricense, havendo vários comentários e versões latinas de obras galénicas.

No quadro das relações estreitas que António Luís estabeleceu com algumas figuras destacadas do Humanismo português, em particular com João de Barros, revelam-se os interesses, as preocupações e os contactos do autor. Os diversos textos prefaciais com que António Luís consagrou as suas principais obras a João de Barros manifestam, de forma inequívoca, o alto apreço e o enorme respeito existente entre ambos. O próprio João de Barros pôs à disposição de António Luís o códice que possuía dos Comentários a Isaías de S. Cirilo de Alexandria, para que o amigo o pudesse verter de grego para latim, tal como se depreende da dedicatória que precede a versão do médico lisboeta, realizada provavelmente após a publicação da primeira Década da Ásia (1552). Entre o círculo de relações de António Luís, pontuam outras figuras de relevo na sociedade portuguesa de Quinhentos, sendo de destacar, além dos referidos condiscípulos de Salamanca, nomes como André de Resende, frei Brás de Barros, André Cotrim, Luís Pires, António Pinheiro, a quem é dedicada a versão latina das declamações de Libânio (este manuscrito apresenta a data de 1544), ou Rodrigo Sánchez e Jerónimo Cardoso, cuja correspondência com o autor está documentada.

Apesar da diversidade, a obra de António Luís está marcada, indelevelmente, pelo espírito humanista, pelo regresso aos textos dos autores clássicos, seja na versão de textos gregos para latim, seja na recriação original de temas e modelos clássicos, seja na mais pura reflexão de carácter médico e filosófico, inspirada sobretudo nos textos de Aristóteles, Hipócrates ou Galeno. Um domínio excecional das línguas e literaturas clássicas, associado a um conhecimento inegável da língua hebraica e das Sagradas Escrituras, concederam ao autor a capacidade de produzir uma obra singular no contexto do Humanismo português. António Luís compôs a sua obra, quase na totalidade, em latim, embora haja notícia de que tenha deixado manuscritas duas obras em português, entretanto desaparecidas, um Tratado da Língua Portuguesae um Tratado de Agricultura, títulos semelhantes aos de João de Barros ou Fernando Oliveira. António Luís, tal como os colegas salmanticenses, tinha também um domínio perfeito do castelhano. Através dos testemunhos prestados no auto inquisitorial, ficou a conhecer-se o labor intenso em que António Luís passava os seus dias, rodeado de muitos livros de teologia, que afirmou ter estudado em Salamanca. Uma suspeita, a que foi dada escassa atenção, foi a de que andava há cerca de dois anos a verter textos da “briuja” para castelhano. Não será de excluir que António Luís tenha participado, com outros antigos colegas, como Diogo Pires ou Duarte Gomes, na Bíblia de Ferrara (1553), primeira versão castelhana impressa do Antigo Testamento. 

António Luís adotou o método filológico de análise, comentário e versão dos textos originais como o caminho mais adequado para o acesso à verdade inscrita nas obras dos autores da Antiguidade, alicerçado no domínio do grego, do latim e do hebraico, bem como das línguas vernáculas como o português e o castelhano. O conhecimento das línguas, como bem reconheceu o autor na abertura de cariz autobiográfico da Panagyrica oratio, constituiu-se para ele como a condição necessária “para se penetrar nos arcanos das ciências e das doutrinas”.

António Manuel Lopes Andrade
CLLC- Centro de Línguas, Literaturas e Culturas
Universidade de Aveiro

Arquivos

Basileia, Universitätsbibliothek Basel, Cod. F VI 38.

Évora, Biblioteca Pública de Évora, Cod. CIX/2-2.

Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Corpo Cronológico, II Parte, maço 239, n.º 1.

Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Inquisição de Lisboa, processo n.º 7807 (“Auto que se fez sobre o licenciado António Luís …”). Processo transcrito por Mário Brandão in Francisco Leitão Ferreira, Notícias cronológicas da Universidade de Coimbra, Coimbra, Por ordem da Universidade, 1944, volume 3.º, tomo 1.º, pp. 729-741.

Lisboa, Biblioteca da Ajuda, Cod. 46-VII1-12.

Louvain-la-Neive, Archives de l’Université catholique de Louvain, Cod. A 33.

Obras

Cardoso, Jerónimo. Epistolarum Familiarium libellus. Lisboa: João Barreira, 1556.

Luís, António. Quae in hoc Enchiridio continentur Anthonii Lodouici Olisiponensis medici, de Pudore liber unus. In quo tum multa pulchra et recondita ex uaria et frequentissima Graecorum historia, iam inde deprompta, referuntur. Tum plurima ex Platone et Aristotele et aliis philosophorum disputata et eleganter impugnata reperiet diligens Lector. Michaelis Psellii sapientissimi allegoria tres. Prima in Tantalum. Secunda in Sphingem. Tertia in Circem. Teles: de comparatione diuitiarum et paupertatis. Sotades: quod uita plurimis plena malis. Et alia quaedam omnia ex graeco traducta ab eodem Anthonio Lodouico. Epistola nuncupatoria fini adiecta est. Legat studiosus lector et philologus et, quamuis in homine peregrino, transmarinam quamdam et peregrinam eruditionem cum facundia non uulgari deprehendet. Excussum Antuerpiae typis Michaelis Hillenii sub intersigni Rapi. Anno MDXXXVII. [“Matérias que se contêm neste Livrinho: um livro do médico lisboeta António Luís Acerca da Vergonha, no qual não apenas se apontam muitas coisas excelentes e pouco acessíveis extraídas da variegada e povoadíssima história dos Gregos, mas também o interessado leitor encontrará muitos temas discutidos e elegantemente impugnados, a partir de Platão, Aristóteles e outros princípios dos filósofos. Três alegorias do sapientíssimo filósofo Miguel Pselo: a primeira sobre Tântalo, a segunda sobre a Esfinge e a terceira sobre Circe. Telete: “Sobre a comparação da riqueza e da pobreza”. Sótades: “Que a vida está cheia de inúmeros males”. E alguns outros textos, tudo traduzido do grego pelo mesmo António Luís. No final acrescentou-se uma “Epístola dedicatória”. Leia o leitor estudioso e filólogo: e, em um homem estrangeiro, irá encontrar uma espécie de erudição helénica e peregrina unida a uma eloquência pouco vulgar. Impresso em Antuérpia na oficina de Miguel Hillen, no ano de 1537”]

Luís, António. Panagyrica oratio elegantissima plurima rerum et historiarum copia referta Ioanni huius nominis tertio inuictissimo Lusitaniarum regi nuncupata. Vlysbonae. Apud Logdouicum Rotorigium Tipographum. MDXXXIX [“Oração panegírica elegantíssima, cheia de muita abundância de factos e histórias, dedicada ao invictíssimo rei dos portugueses D. João, o terceiro deste nome. Em Lisboa. Na tipografia de Luís Rodrigues, 1539”]

Luís, António. Problematum libri quinque opus absolutum, et facundum, et uarium, multiuagaque eruditione refertissimum. Olyssippone. MDXXXIX [“Cinco livros de Problemas: obra perfeita, eloquente e variegada, assaz opulenta de multiforme erudição. Em Lisboa. 1539”]

Luís, António. De occultis proprietatibus libri quinque. Opus praeclarissimum. Olisipone MDXL [“Cinco livros acerca das propriedades ocultas. Obra muitíssimo notável. Em Lisboa. 1540”]

Luís, António. De re medica opera quae hic sequuntur: ~ Erotematum siue commentariorum in libros de crisibus Galeni libri tres ~ Erotematum numeri ternarii libri sex in quibus tota fere ars medica continetur ~ Erotemata de difficili spiratione ~ Erotematum de usu respirationis liber alius ~ De corde liber unus absolutissimum in quo tum Aristotelis quam plurimi errores explicantur, tum uero plurimae quaestiones enodantur ~ Galeni liber de ptisana ~ Galeni de eo quid sit animal, id quod utero continetur ~ De eo quod Galenus animam immortalem esse dubitauerit, liber unus ~ Item quaedam. Legat lector candidus et nec sermonis ornatum nec doctrinam quod rarum est in homine nec in Latio, nec in Hellade nato desiderabit. Olisipone. MDXL [“Obras acerca de matéria médica que aqui se seguem: ~ Três livros de questões ou comentários sobre os livros Acerca das crises, de Galeno ~ Seis livros de questões tripartidas. Nas quais se encerra quase por inteiro a arte médica ~ Questões acerca da respiração difícil ~ Outro livro de questões acerca da função respiratória ~ Um livro muitíssimo completo acerca do coração, no qual não só se esclarecem inúmeros erros de Aristóteles, mas também se elucidam diversas dúvidas ~ Livro de Galeno Acerca da tisana ~ De Galeno, sobre a questão de que é animal o que se contém no útero ~ Um livro sobre a questão de que Galeno duvidou da existência da alma ~ Também algumas outras coisas. Leia o leal leitor e não sentirá a falta nem de primor de linguagem nem de apurado saber, algo que é raro numa pessoa que não nasceu no Lácio nem na Hélade. Em Lisboa. 1540”]

Bibliografia sobre o biografado

Brito, A. da Rocha. Duas assinaturas de António Luiz. Porto: Jornal do Médico, 1947. 

Luís, António. Cinco livros de problemas. Tradução de António Guimarães Pinto. Lisboa: Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 2010 (Colecção Translata 3).

Pérez Ibáñez, María Jesús e Ortega Villaro, Begoña. “António Luís y sus traducciones de textos no médicos”. Myrtia 27 (2012): 259-280.

Pinto, António Guimarães. Apostilas a António Luís: 1. António Luís e João de Barros; 2. António Luís, António Pinheiro e Rodrigo Sánchez. Coordenação editorial e prefácio de Antonio Manuel Lopes Andrade. Lisboa – Aveiro: Cátedra de Estudos Sefarditas “Alberto Benveniste” da Universidade de Lisboa, Centro de Línguas e Culturas da Universidade de Aveiro, 2013.

Ramalho, Américo da Costa. “António Luís, corrector de Erasmo. Humanitas 45 (1993): 243-254.

Almeida, Teodoro de

Lisboa, 7 janeiro 1722 – 18 abril 1804 

Palavras-chave: Oratoriano, filosofia natural, divulgação, Academia das Ciências.

DOI: https://doi.org/10.58277/CUSI6813

Teodoro de Almeida foi um padre oratoriano, filósofo natural, pedagogo, e um activo divulgador das ciências na segunda metade do século XVIII em Portugal. A sua vida foi atravessada pela perseguição e pelo exílio a que se viu obrigado pelo marquês de Pombal. Foi ainda um dos fundadores da Academia Real das Ciências de Lisboa.

Teodoro de Almeida nasceu em Lisboa, a 7 de Janeiro de 1722, entrou para a Congregação do Oratório aos 13 anos de idade e aí fez toda a sua formação académica secundária. Estudou filosofia e teologia, tendo tido como professor o Padre João Batista, autor da Philosophia Aristotelica restituta ed illustrata qua experimentis qua raciociniis nuper inventis (1748) e a quem é atribuída a responsabilidade da introdução da filosofia moderna, de inspiração gassendiana, nas escolas do Oratório. Batista foi também o responsável, nos princípios da década de 1750, pelo início das conferências de filosofia experimental, na Casa das Necessidades da Congregação e que seriam, depois, continuadas por Teodoro de Almeida. A Casa das Necessidades tinha sido doada, em 1745, por D. João V, à Congregação do Oratório, tendo uma bem fornecida Biblioteca e um Gabinete de Física, onde Teodoro de Almeida frequentemente fazia demonstrações perante o rei e a corte. 

Terminados os seus estudos, foi nomeado, em 1748, substituto do mestre de filosofia da altura, o Padre Luis José e, em 1751, principia a ler filosofia na Congregação, agora como mestre de filosofia. Nesse ano, Almeida publicou os dois primeiros tomos dos dez que comporiam a sua obra mais notável de divulgação das ciências do século XVIII português, Recreasão Filozofica ou Dialogo sobre a Filozofia Natural, para instrução de pessoas curiosas, que não frequentarão as aulas (RF).

Para além dos seis primeiros tomos, publicados até 1763, e que constituíam o projeto inicial, Teodoro de Almeida compôs a RF, com mais 4 tomos, compreendendo a lógica (1768), metafísica (1792), filosofia moral (1793) e teologia natural (1800). Como suplemento à RF e sob o pretexto de aprofundamento de alguns dos temas nela tratados, publicaria ainda, em 3 tomos (1784 e 1799), as Cartas Fisico-Mathemáticas de Theodozio a Eugenio para servir de Complemento á Recreaçaõ Filosofica.

O título explicita as linhas de força do programa de divulgação das ciências que Almeida se propunha levar a cabo. A utilização do diálogo como estratégia de confrontação entre a filosofia moderna e a escolástica, a indexação da instrução à recreação, articuladas por uma retórica em que a razão e a experiência emergem como legitimação epistemológica da nova filosofia, a utilização do português em vez do latim como veículo de divulgação  e, por fim, a escolha de um novo tipo de público , que designava como pessoas curiosas que não frequentaram as aulasconfiguraram  a especificidade  editorial da RF.  A filosofia natural, tal como Almeida a apresenta nos seis primeiros tomos da RF,evidencia uma amplitude temática –  os céus, os astros, o movimento, os ventos e as marés, o globo terráqueo, as plantas, os brutos, o homem e os seus sentidos, enfim, todas as coisas naturais mais as suas causas e efeitos  – que, no século XVIII europeu, a aproximava de iniciativas similares e, ao mesmo tempo, a afastava de alguns dos textos canónicos de filosofia natural de inspiração newtoniana, como os de Pieter van Musschenbroek, Jean Théofile Desaguliers ou  Willem s´Gravesande (1688 – 1742). Esta amplitude temática, adjetivada de enciclopédica pela sua diversidade e de eclética pela natureza da abordagem, configura um programa de divulgação das ciências no contexto de periferia europeia em que se desenvolveu. As marcas deste contexto emergem na RF, por exemplo, sob a forma de debate entre a filosofia moderna e a filosofia peripatética, na resistência – mitigada ao longo das diferentes edições da RF – à teoria newtoniana da dispersão da luz, ou, ainda, na apropriação do copernicianismo, cautelosamente lido de acordo com as determinações adotadas no século anterior pela Igreja Católica.

O sucesso editorial da RF – a que não foi alheia a eleição de Teodoro de Almeida como sócio da Royal Society em 1758 – e das Cartas, comprovado pelas várias reimpressões de cada um dos diferentes tomos da RF, indo alguns até à 7ª edição, ultrapassou fronteiras, incluindo traduções para castelhano e francês e chegando às colónias portuguesas e espanhola. 

As propostas de Almeida enquanto divulgador das ciências partilharam e ajudaram a construir uma ecologia favorável ao processo de renovação cultural que atravessou o século XVIII português. Esta agenda veio, no entanto, a ser perturbada pelos alinhamentos político-religiosos de uma parte significativa da elite oratoriana em que se integrava. As simpatias anti-regalistas de alguns deles tornaram-nos num alvo para o marquês de Pombal que os desterrou, em 1760, para diferentes pontos do país. Almeida fixar-se-ia no Porto por 8 anos, findos os quais se viu obrigado a exilar-se para Espanha, primeiro, e, depois, para França, em Bayonne. Aqui viveu até 1777, prosseguindo a sua ação pastoral, dando lições particulares e fabricando instrumentos astronómicos. Durante este período foi feito sócio da Real Sociedad Vascongada de Amigos del País.

Pouco antes do seu desterro para o Porto, Teodoro de Almeida publicou nas Philosophical Transactions (1757), juntamente com João Chevalier, outro dos oratorianos perseguidos por Pombal, um Eclipsis Lunae die 4ª Februarii, ann. 1757 e, já no exílio, um artigo sobre a observação do trânsito de Vénus de 1761, que foi publicado nas Mémoires de Mathématique et Physique , Presentés à l´Académie Royal des Sciences (1774).

Com a morte de D. José, a quem sucedeu sua filha D. Maria, e a demissão do Marquês de Pombal, estava estabelecido o clima político propício ao regresso de Almeida a Portugal, onde chegou a 13 de Março de 1778. Cerca de um ano depois, a 4 de Julho de 1779, Teodoro de Almeida foi o orador escolhido para a apresentação pública da recém fundada Real Academia das Ciências de Lisboa de que foi membro fundador juntamente com o Duque de Lafões, o Abade Correia da Serra, o Visconde de Barbacena e Domingos Vandelli, entre outros. A sua Oração de Abertura desencadeou uma acesa polémica tal como, embora por motivos diferentes, tinha acontecido em 1752, aquando da publicação dos dois primeiros tomos da RF. Se, neste caso, os alvos dos seus opositores foram o carácter público das novas ciências e uma abordagem de inspiração cartesiana da alma dos brutos e dos acidentes eucarísticos, desta vez, foi o facto de Almeida ter apresentado a Academia como um renascimento cultural caucionado pelo novo poder que motivou o aparecimento de várias cartas manuscritas e anónimas, críticas das posições de Almeida e da nova Academia,em defesa da herança cultural pombalina. 

A ação pastoral de Teodoro de Almeida, para além do ensino e da divulgação das ciências, estendeu-se, também, à publicação de sermões, e textos devocionais e moralizantes dos se salienta, pelo seu sucesso editorial, O Feliz Independente do Mundo e da Fortuna ou Arte de Viver Contente em Quaisquer Trabalhos da Vida (1779). Esta obra teve, até finais do século XIX e no contexto ibérico, uma ampla divulgação, com cinco edições em português, dezasseis em castelhano e uma em francês.

Almeida continuaria, nesta fase final da sua vida, a ensinar Filosofia, primeiro na Casa das Necessidades e, depois, a partir de 1792, na Casa do Espírito Santo, reconstruída após o terramoto de 1755, e a ter uma atividade editorial significativa de que mantinha o privilégio de impressão, concedido por alvará de D. Maria I. Para além de alguns textos devocionais, das Cartas e dos últimos três tomos da RF, foram ainda publicadas, em 3 volumes, as Physicarum Institutionum, libri X, ad usum scholarum (1785, 1786 e 1793) e algumas teses defendidas por discípulos sobre temas de mecânica.

Uma das suas intervenções públicas traduziu-se no estabelecimento em Portugal, em 1784, vindas de Annecy, França, da Ordem da Visitação que, a par da educação religiosa, funcionava também como colégio para instrução de meninas de famílias nobres, tendo sido Almeida o autor do respetivo programa pedagógico

Por razões ainda por esclarecer, que o Abade Correia da Serra atribuiu à sua desatualização científica, Almeida não conseguiu que a Academia publicasse quer a sua polémica oração de abertura, quer o texto das comunicações que aí apresentou. Algumas destas seriam, depois, integradas em obras publicadas por Almeida, como algumas “Cartas” incluídas das Cartas Fisico-Mathemáticas e uma “Dissertação sobre a causa natural do famoso Terramoto de Lisboa no anno de 1755”, esta incluída em Lisboa Destruida (1803), a última obra publicada por Teodoro de Almeida antes de falecer a 18 de Abril de 1822.

José Alberto Silva

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Grande parte das informações biográficas sobre Teodoro de Almeida têm tido como fonte um manuscrito depositado na Torre do Tombo, Manuscritos da Livraria, nº 2316, cuja autoria é atribuída a um discípulo de Almeida, o padre Joaquim Dâmaso, Vida do P. Theodoro de Almeida da Congregação do Oratório de Lisboa. A quase totalidade dos manuscritos da autoria de Almeida, na forma de cartas, orações, memórias, cursos, e outros, bem como as obras impressas de caráter devocional estão referenciados na bibliografia aqui listada e podem ser encontrados na Torre do Tombo, Biblioteca da Academia das Ciências, Biblioteca Pública de Évora, Biblioteca Nacional e Biblioteca da Ajuda. 

Obras

Almeida, Teodoro de. Recreasão Filozofica, ou dialogo sobre a Filozofia Natural, para Instrucsão de pessoas curiosas, que não frequentarão as aulas, tomo I a VI. Lisboa: Na Oficina de Miguel Rodrigues, 1751 a 1763.

—. Recreasão Filozofica, ou dialogo sobre a Filozofia Racional, para Instrucsão de pessoas curiosas, que não frequentarão as aulas, tomo VII. Lisboa: Na Oficina de Miguel Rodrigues, 1768.

—. O feliz Independente do Mundo e da Fortuna, ou arte de viver contente em quasquer trabalhos da vida, dedicado a Jesus crucificado, 3 tomos. Lisboa: Na Regia Officina Typografica, 1779.

—. Cartas Fysico-Mathematicas de Theodozio a Eugenio: para servir de complemento à Recreaçaõ Philosofica , 3 tomos. Lisboa: Na Officina de António Rodrigues Galhardo/Regia Offcina Typográfica, 1784-1798.

—. Physicarum institutionum libri decem ad ususm scholarum, 3 vols. Olisipone: Typographia Regia, 1785/1793.

—. Methodo para a Geografia oferecido às religiosas da Visitação de Santa Maria de Lisboa. Lisboa: Na Officina de António Rodrigues Galhardo, 1787..

—. Recreasão Filozofica, ou dialogo sobre a Metafysica, para Instrucção de pessoas curiosas, que não frequentarão as aulas, tomo VIII. Lisboa: Na Regia Officina Typografica, 1792.

—. Harmonia da Razão, e da Religião ou Respostas Fiosoficas aos argumentos dos incrédulos, que reputaõ a Religião contraria à Boa Razão. Diálogo do Author da Recreação Filosofica sobre a parte da Metafysica, que se chama Teologia Natural, tomo IX. Lisboa: Na Oficina Patriarcal, 1793.

—. Descripção do novo Planetário Universal. Na Regia Officina Typografica, 1796.

—. Recreação Filosofica sobre a Filosofia Moral, em que trata dos costumes, tomo X. Lisboa: Na Regia Officina Typografica, 1800.

Bibliografia sobre o biografado

Azevedo, Maria Leopoldina. Pe. Teodoro de Almeida, Subsídios para o Estudo da sua Vida e Obra, dissertação de licenciatura. Lisboa: FLUC, 1960.

Domingues, Francisco Contente. Ilustração e Catolicismo. Teodoro de Almeida. Lisboa: Edições Colibri, 1994.

Piwnik, Marie-Helène. “Les souscripteurs espagnols du P. Teodoro de Almeida (1722-1804)”, Bulletin des Etudes Portugaises et Brésiliennes, 42(1981), 95-119. 

Santos, Zulmira. Literatura e Espiritualidade na Obra de Teodoro de Almeida (1722-1804). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian/Fundação para a Ciência e Tecnologia, 2007.

Silva, José Alberto. A apropriação da filosofia natural em Teodoro de Almeida (1722 -1804). Lisboa: CIUHCT, 2009.

Silva, José Alberto. “Teodoro de Almeida (1722-1804) ou a arte da recreação” in Ana Simões, Marta C. Lourenço, José Alberto Silva, orgs., Ciência, Tecnologia e Medicina na Construção de Portugal. Razão e Progresso, século XVIII, pp. 449-469, 2º volume de Maria Paula Diogo, Ana Simões, eds., Ciência, Tecnologia e Medicina na Construção de Portugal. Lisboa: Tinta da China, 2021, 4 vols.