Grande, José Maria

Portalegre, 13 abril 1799 — Lisboa?, 15 dezembro 1857

Palavras-chave: agronomia, Regeneração, Instituto Agrícola, Guerras Liberais.

DOI: https://doi.org/10.58277/VRQX1231

José Maria Grande, liberal convicto e agente mobilizador da resistência ao absolutismo, distinguiu-se ao comando de forças liberais e alcançou um lugar de relevo na política portuguesa das primeiras décadas da monarquia constitucional. Crente no potencial da ciência e da tecnologia como motor de desenvolvimento económico, foi um dos mais importantes defensores da modernização agrícola do país, tendo sido responsável pela criação da lei reguladora do ensino técnico agrícola e pela fundação do Instituto Agrícola, escola de que foi o seu primeiro diretor.

Grande nasceu em Portalegre, em 1799. O seu pai, o médico espanhol Francisco Grande e Metelo, era doutorado em Medicina pela Universidad de Salamanca e exercia em Portalegre. A sua mãe, Antónia Isabel Caldeira de Andrade, provinha de uma família de proprietários rurais e lavradores de algum estatuto social, do concelho do Crato. 

Até aos 14 anos, a educação de Grande esteve a cargo do seu pai. Em 1814, frequentou o Colégio das Artes em Coimbra, tendo, no ano seguinte, iniciado o percurso de formação em Medicina na Universidade de Coimbra, no qual se distinguiu com diversos prémios. Em 1824, um ano após a conclusão dos estudos, Grande regressou à sua região natal, onde exerceu em hospitais militares.

O percurso de Grande foi abalado em 1828 pelo golpe absolutista favorável a D. Miguel. Como outros liberais desta época, sofreu perseguições, acabando por se exilar em Espanha. Opondo-se ativamente ao regime absolutista, envolveu-se diretamente nas Guerras Liberais, organizando e comandando ataques na região de Portalegre, entre 1833 e 1834. Os seus feitos militares valeram-lhe algumas condecorações. 

Os serviços prestados à causa liberal durante a Guerra Civil conferiram-lhe notoriedade e abriram-lhe portas a uma carreira política, após a derrota das forças absolutistas em 1834. Passou por cargos de administração e alcançou o lugar de governador civil do distrito de Portalegre em 1835. Na sequência da Revolução de Setembro de 1836, foi demitido devido às suas tendências moderadas, voltando a exilar-se em Espanha. No ano seguinte, ainda participou na contrarrevoluçãoconhecida como Revolta dos Marechais, mas o fracasso do golpe obrigou-o a deixar o país.

Este segundo período de exílio foi importante, pois permitiu a Grande viajar por alguns países e complementar a sua formação científica. Em França, assistiu a aulas de matérias médicas, botânica e agricultura. Foi provavelmente nesta altura que se aproximou das doutrinas saint-simonistas, vendo no saber técnico-científico potencial para a modernização e o desenvolvimento das nações. Continuou a sua formação na Bélgica, onde se doutorou em Medicina na Université Catholique de Louvain, em 1838. Passou ainda por Inglaterra.

Em 1839, com o afastamento da ala liberal mais à esquerda que liderara a Revolução de Setembro, Grande regressou a Lisboa e foi eleito deputado, retomando a sua atividade política. Nos anos que se seguiram, contribuiu para a aprovação de medidas em domínios diversos, entre os quais a saúde pública, a modernização agrícola, o desenvolvimento das vias de comunicação, a reforma das prisões ou a reforma do ensino. A ação de Grande em várias frentes atesta o seu empenho em adaptar o país ao novo modelo do liberalismo.

Além de uma atividade política intensa, Grande também se dedicou ao ensino, lecionando a cadeira de Botânica da então recentemente criada Escola Politécnica de Lisboa, instituição para a qual foi nomeado professor em 1840. A Escola encontrava-se em linha com o pensamento de Grande, pois disseminava conhecimentos técnico-científicos que poderiam ser utilizados na modernização do país. Além da regência da cadeira, Grande acumulou a direção do estabelecimento que lhe fora incorporado, o Jardim Botânico da Ajuda, tentando resgatá-lo da situação precária em que se encontrava há anos. 

Ainda que fosse um apoiante da Carta Constitucional de 1826 e não tivesse criticado a sua restauração na sequência do golpe conduzido por Costa Cabral em 1842, a promulgação de medidas de cariz mais autoritário, como a restrição da liberdade de imprensa, levaram a que Grande se posicionasse entre os opositores ao governo em 1846. Após a Revolta da Maria da Fonte, a insatisfação com o rumo que a política nacional tomara fê-lo afastar-se das lides parlamentares, passando a concentrar-se na modernização da agricultura nacional, tarefa que tomou como uma missão pessoal. O seu primeiro grande contributo consistiu na escrita e publicação de uma obra pormenorizada de divulgação de boas práticas agrícolas, o Guia ou manual do cultivador. Grande entendia que a reforma da agricultura era essencial ao desenvolvimento do país, dado o seu peso na economia portuguesa. De facto, este era o sector económico de maior relevo, pois empregava cerca de três quartos da população ativa.

No início da década de 1850, dois acontecimentos deram destaque político aos planos de Grande para a modernização agrícola do país. O afastamento definitivo de Costa Cabral do poder, a partir do golpe de estado ocorrido em maio de1851, e a instauração da nova cultura política da Regeneração levaram Grande a reaproximar-se aos meios políticos. A ascensão de Fontes Pereira de Melo e a sua abertura à criação de escolas técnico-científicas, levou-o a empenhar-se seriamente na elaboração da lei reguladora do ensino técnico agrícola, tendo sido um dos seus principais contribuidores. Para este fim, Grande visitou quintas de escolas técnicas agrícolas e estudou o seu modo de organização e aplicabilidade ao contexto nacional, aproveitando uma viagem a Paris, em 1851, em representação do país à Conferência Sanitária Internacional.

A lei fundadora do ensino técnico agrícola foi publicada no final de 1852, organizando-o em três níveis. Ainda que a implementação tivesse ficado aquém das intenções de Grande, a sua maior concretização consistiu na criação de uma escola técnica de nível superior em Lisboa, o Instituto Agrícola, de que foi nomeado diretor. Encontrando-se na posição ideal para levar a cabo as reformas que vinha defendendo há anos, Grande organizou-o com relativa rapidez, dotando-o das infraestruturas e meios necessários para se tornar num estabelecimento de qualidade e apto a melhorar a instrução de futuros trabalhadores agrícolas. O antigo palácio da Cruz do Tabuado foi remodelado para servir de sede, e a quinta da Bemposta foi preparada para receber as aulas práticas, onde se testava a aclimatização de espécies vegetais de interesse económico e novas técnicas agrícolas baseadas em estudos científicos. Em 1855, Grande incorporou na instituição a Escola de Veterinária, ampliando as suas valências com um hospital veterinário, uma farmácia anexa e uma oficina siderotécnica para o fornecimento e a reparação de ferragens para aparelhamento de animais e para a construção de instrumentos agrícolas. Andrade Corvo, colega de Grande no Instituto Agrícola e também na Escola Politécnica de Lisboa, chegou mesmo a adquirir instrumentos agrícolas modernos para uso pedagógico no Instituto quando se deslocou à Exposição Universal de Paris, em 1855.

Grande participou ainda na resolução de problemas agrícolas concretos, como o estudo da praga de oídio que dizimara as vinhas portuguesas no início da década de 1850. Por volta de agosto de 1856, encontrava-se a estudar a agricultura e a economia rural da sua região natal, provavelmente no intuito de propor medidas para a sua modernização.

Grande adquiriu uma posição social de relevo, acumulando diversos títulos, como o de conselheiro de Estado (1845), presidente da Secção de Ciências Matemáticas, Físicas e      Naturais da Academia das Ciências de Lisboa (após a reforma de dezembro de 1851) e Par do Reino (1853).

Defensor da Carta Constitucional, Grande foi um cidadão empenhado na transformação do país segundo o modelo do liberalismo moderado. Faleceu em dezembro de 1857, deixando como grande legado o Instituto Agrícola e marcando o início do movimento de modernização técnico-científica da agricultura em Portugal.

Daniel Gamito-Marques

Obras

Grande, José Maria. Guia e manual do cultivador ou elementos de agricultura. Lisboa: Tipografia Galhardo Irmãos. 2 vols., 1849.

Grande, José Maria. Considerações sobre os principais obstáculos que se opõem ao aperfeiçoamento da nossa agricultura e sobre os meios de os remover. Lisboa: Imprensa Nacional, 1853.    

Grande, José Maria. Considerações sobre a influência maléfica dos pântanos, e sobre os meios de atenuar ou destruir essa influência. Lisboa: Imprensa de Francisco Xavier de Sousa, 1854.

Grande, José Maria. Memória sobre a moléstia das vinhas. Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa, 1854.          

Grande, José Maria. Relatório sobre os trabalhos escolares, processos, operações e serviços rurais instituídos no Instituto Agrícola e Escola Regional de Lisboa durante o ano escolar de 1853–54. Lisboa: Imprensa Nacional, 1854.

Grande, José Maria. Relatório dos trabalhos escolares e serviços rurais instituídos no Instituto Agrícola durante o ano escolar de 1855–56. Lisboa: Tipografia do Jornal do Comércio, 1857.

Bibliografia sobre o biografado

Conde, José Martim dos Santos. José Maria Grande: figura nacional do Liberalismo. Lisboa: Colibri, 1998.

Gusmão, Francisco António Rodrigues de. Memórias biográficas dos médicos e cirurgiões portugueses que, no presente século, se têm feito conhecidos por seus escritos. Lisboa: Imprensa Nacional, 1858.

“José Maria Grande.” Revista Contemporânea 4 (1856): 24–30.

Pereira, Zélia. “GRANDE, José Maria (1799–1857).” In Dicionário Biográfico Parlamentar, 1834–1910. Volume 2, ed. Maria Filomena Mónica, 366–369. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais e Assembleia da República, 2005.

Espregueira, Manuel Afonso de (Manoel Affonso d’Espregueira)

Viana do Castelo, 5 junho 1833 — 28 dezembro 1917

Palavras-chave: Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses, portos, saint-simonismo, Regeneração.

DOI: https://doi.org/10.58277/KXJI6473

Manuel Afonso de Espregueira, cavaleiro, oficial, comendador, grande oficial e grã-cruz da Ordem de São Bento de Avis, comendador da Ordem de Nossa Senhora da Conceição de Vila Viçosa e da Ordem de Carlos III de Espanha, oficial da Legião de Honra de França, da Ordem da Rosa do Brasil, grã-cruz da Ordem da Águia Vermelha e da Ordem do Mérito Militar, foi um engenheiro, general do Exército, administrador, parlamentar e ministro português que se destacou nos planos de fomento que caracterizaram a segunda metade de Oitocentos.

Nasceu no seio de uma família da alta burguesia de Viana de Castelo, filho de Mateus António dos Santos Barbosa e Teresa Carolina Afonso Barbosa. Em 1873 casou com Maria Rosa da Silva São Miguel com quem teve dois filhos (Maria Adriana e Manuel da Silva).

Frequentou o curso preparatório da Escola Politécnica de Lisboa, antes de se alistar como voluntário (1850) no Regimento de Infantaria 3, onde atingiu as patentes de cabo (1851), furriel, sargento, porta-bandeira (1852) e alferes (1856) e onde concluiu o curso do Estado-Maior do Exército (1856). Obteve ainda várias licenças para continuar os seus estudos de Matemática e Filosofia na Universidade de Coimbra (onde estava inscrito desde 1849). Tornou-se bacharel em Matemática em 1854 e logo após inscreveu-se no curso de Engenharia da Escola do Exército, o qual concluiu dois anos depois. 

Em Maio de 1857 entrou ao serviço do Ministério das Obras Públicas, nas direções reunidas de Obras Públicas do Minho (como engenheiro subalterno do Corpo de Engenharia Civil). Foi colocado nas obras do porto de Viana do Castelo e da vila de Caminha.

Em 1859 foi um dos selecionados do governo para ir estudar no estrangeiro, tendo sido admitido em outubro na Escola de Pontes e Calçadas de Paris, onde permaneceu até 1862. No âmbito do curso visitou obras públicas de Inglaterra, Itália, Bélgica e Holanda, o que o apetrechou para os desafios técnicos que enfrentaria ao longo da sua carreira. 

Regressou a Portugal em 1864, sendo incumbido da histórica e persistente questão do melhoramento da barra do Douro e da construção de um novo porto artificial de serviço à Invicta. Em 17 de março de 1865, já colocado no quadro fora de arma na hierarquia do Exército, apresentou ao diretor-geral de Obras Públicas, Caetano Alberto Maia, o seu relatório, onde sugeriu a construção de um porto em Leixões, uma vez que quaisquer obras na foz do Douro teriam um impacto muito limitado em virtude dos obstáculos naturais que ali se encontravam. Aproveitando os estudos anteriores de Freebody e Rennie (1855), decidiu elaborar desde logo o projeto definitivo da obra ao invés de redigir um novo anteprojeto. Citando exemplos de outros portos europeus, Espregueira garantiu que a despesa orçada de 4 000 contos (2 500 000 000 euros, atualmente), que deveria ser assumida pelo Estado e não por uma companhia privada, não seria improdutiva, devido à prosperidade e potencial da região que iria servir. O engenheiro não se ficou pelas questões técnicas, alvitrando ainda o modo pelo qual a angariação do capital deveria ser feita (através da hipoteca dos rendimentos da Alfândega do Porto e de um novo imposto sobre os navios entrados na barra do Douro). O seu projeto foi exibido na Exposição Internacional de 1865 no Palácio de Cristal. Em consulta de 17 de abril de 1868 o Conselho Superior de Obras Públicas, o órgão que reunia a elite da engenharia nacional e que aconselhava diretamente o governo sobre as mais importantes questões de fomento, aprovou o projeto, salvo modificações que os trabalhos no terreno recomendassem. No entanto, a empreitada só seria realizada em 1883, seguindo o projeto de John Cood e Afonso Joaquim Nogueira Soares (para um porto de abrigo).

Em finais de 1865, foi-lhe novamente confiada uma tarefa hidráulica, ao ser nomeado diretor das obras da barra da Figueira da Foz e do melhoramento dos campos do Mondego. Um ano depois, após optar definitivamente pelo serviço do ministério das Obras Públicas, acumulou com um cargo na Primeira Circunscrição Hidráulica que compreendia todos os portos a norte do Mondego exceto Aveiro. Nestas funções trabalhou nas barras de Esposende, Vila do Conde, Póvoa de Varzim e Viana do Castelo. Depois de ter denunciado anormalidades cometidas na administração dos campos do Mondego, foi incumbido de elaborar, juntamente com João Pedro da Câmara, o higienista José Ferreira de Macedo Pinto e o lente de Direito Joaquim José Pais da Silva Júnior, um relatório sobre as irregularidades cometidas e o modo de as corrigir. O relatório foi entregue a 14 de outubro de 1867. Continuou a trabalhar nas obras da Figueira da Foz e do Mondego (com uma curta missão como júri de exames da Escola do Exército) até 1871 quando, já tenente (1868), foi transferido para idêntica missão no porto de Ponta Delgada, considerada a mais difícil obra de engenharia hidráulica em Portugal (que só seria definitivamente concluída em 1942).

Politicamente, estreou-se nas lides parlamentares em 1869, ao ser eleito deputado nas listas do Partido Histórico pelo círculo de Viana do Castelo, onde a sua família detinha uma importante influência (um seu irmão, João Afonso de Espregueira, chegou mesmo a ser governador civil do distrito). Foi novamente eleito em 1870 pelo mesmo partido e círculo. 

Em 1872, tornou-se diretor da Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses, o principal operador ferroviário da época e a maior empresa privada a operar em Portugal. Embora a nomeação fosse uma forma de a companhia apaziguar a relação com o governo e com a opinião pública, foi também o reconhecimento oficial não só da competência de Espregueira, mas sobretudo da proficiência dos engenheiros portugueses. Até então o cargo fora sempre ocupado por engenheiros estrangeiros, com resultados menos que satisfatórios (a companhia declarara suspensão de pagamentos em 1866). Espregueira teve sobre os seus ombros a missão de demonstrar que os técnicos nacionais podiam gerir uma companhia ferroviária melhor que os seus colegas estrangeiros e de facto desempenhou-a com relativo sucesso, já que se manteve naquela função até 1884. Foi o responsável pela resolução do problema da travessia ferroviária do Douro (que se arrastava desde 1864). Não podendo a companhia intimar o empreiteiro José de Salamanca a fazer a obra, apresentou Espregueira um novo projeto para a ponte entre Vila Nova de Gaia (serra do Pilar) e o Porto (monte do Seminário), que foi depois estudada por Pedro Inácio Lopes, executada por Gustave Eiffel e inaugurada em 1877. Espregueira esteve ainda envolvido no financiamento da construção da ponte (que implicou um novo acordo com o governo), na decisão de construção do ramal de Cáceres (indo contra a opinião dos seus camaradas na Associação de Engenheiros, que preferiam a construção de uma ferrovia pelo vale do Tejo) e nos investimentos da Companhia Real em Espanha (que se viriam a revelar ruinosos).

Durante este período, em que foi sucessivamente promovido a capitão (1873), major (1880) e tenente-coronel (1883), continuou a colaborar com o Ministério das Obras Públicas e com a Associação de Engenheiros Civis Portugueses (que ajudara a fundar em 1869), designadamente nos projetos da nova Alfândega de Lisboa (1872), na discussão sobre o plano da rede ferroviária (1875–1877), nos melhoramentos no porto de Lisboa (1883) e na regulamentação dos serviços hidrográficos do Reino (1884).

Quando regressou ao serviço do ministério, foi nomeado vogal da Junta Consultiva de Obras Públicas e Minas, o órgão que substituiu o Conselho Superior de Obras Públicas. Ali permaneceu até 1890. Ainda em 1884 foi novamente enviado em périplo a França, Bélgica e Holanda para estudar as estações marítimas de caminhos de ferro, missão que devia preparar o governo para o projeto de obras no porto de Lisboa. Especificamente em Antuérpia, centrou a sua análise na ligação do porto com as respetivas estações marítimas, nos meios de exploração da infraestrutura e na participação de outras entidades que não o Estado na sua operação. Concluiu que o sucesso de Antuérpia se devia à ação combinada com os caminhos de ferro explorados pelo Estado, que permitiam grandes facilidades de trânsito de mercadorias e passageiros.

Nos anos seguintes a sua perícia continuou a ser usada em diversas funções e comissões: alterações no Corpo de Engenharia Civil (1886–1887), vistoria aos teatros São Carlos e D. Maria (1887), entreposto comercial de Lisboa (1887), delegado aos congressos de caminhos de ferro (1887 e 1889), sistema de esgotos da capital (1888), Comissão Superior de Guerra (1888), acabamento das obras do porto e barra da Figueira da Foz (1888), avaliação das reclamações dos empreiteiros da linha do Algarve (1889) e avaliação do projeto do novo edifício dos Correios (1889). Foi promovido na carreira de Obras Públicas a inspetor graduado e engenheiro de primeira classe (1886).

Em 1890 regressou à Companhia Real como diretor-geral de exploração e construção (substituindo Pedro Inácio Lopes), sendo ainda responsável pelas operações dos investimentos ferroviários da empresa em Espanha. Representou a Companhia Real na Comissão Superior de Guerra (1894) quando este órgão começou a analisar e regulamentar as implicações dos caminhos-de-ferro sobre a estratégia marcial. Permaneceu naquela sociedade até 1894, mas tal como acontecera anteriormente não deixou de colaborar com o governo nas questões das obras do porto de Lisboa (1893) e do sistema de tarifação do transporte ferroviário (1894).

De regresso ao ministério das Obras Públicas e até ao fim da Monarquia voltou à discussão das questões sobre os melhoramentos do Tejo (1895), Corpo de Engenharia Civil (1897), porto de Lisboa (1898) e congressos de caminhos de ferro (1909). Foi também incumbido do estudo de novas questões ligadas à resistência de pontes metálicas (1897, 1901 e 1906), rede de estradas distritais e municipais (1898), inspeção das Direções de Obras Públicas de Coimbra, Santarém e Castelo Branco (1898), adaptação de estradas ordinárias ao assentamento de vias férreas (1902) e caminho de ferro de Coimbra a Arganil (1903). Regressou ao Conselho Superior de Obras Públicas (1901) e ascendeu na carreira de Obras Públicas a diversos escalões do cargo de inspetor (1899-1902). Na carreira de armas foi promovido às patentes de coronel, general de divisão (1899) e general de brigada (1901), tendo-se reformado do exército em 1907.

Acumulou estas funções com uma profícua carreira parlamentar, que retomou em 1887 e manteve quase ininterruptamente (só não foi eleito para o infame Solar dos Barrigas em 1895) até à implantação da República, sempre nas fileiras do Partido Progressista e sempre por círculos do Minho (Arcos de Valdevez em 1897, Viana do Castelo em todas as outras eleições). Em 4 de abril de 1905, foi nomeado par do reino. 

No parlamento interveio em questões da sua arte. Começou por se destacar na discussão sobre as obras do porto de Lisboa ao rebater ponto por ponto as acusações do deputado regenerador Pedro Vítor da Costa Sequeira. Nos discursos de 2 e 4 de maio de 1888, Espregueira não só defendeu politicamente o projeto do governo como sustentou a autoridade dos cálculos e dos engenheiros que o haviam elaborado, revelando-se inclusivamente injuriado por aquilo que considerava o amesquinhamento que a oposição fazia do trabalho dos seus camaradas. Interveio novamente na discussão sobre o novo apoio financeiro ao sindicato português que construíra em Espanha as linhas de Salamanca a Barca d’Alva e Vilar Formoso. Alinhando-se com o governo progressista, defendeu a necessidade da intervenção bem como o projeto de apropriação comercial do porto de abrigo de Leixões, aproveitando, porém, para criticar o governo regenerador por ter dado origem à questão em 1882. Apesar de ser um influente local em Viana, raramente defendeu os interesses da sua província (fê-lo em 1897 em prol de um caminho de ferro americano entre Valença e Monção e em 1902 a favor da linha do vale do Lima entre Ponte de Lima e Viana do Castelo). Envolveu-se também em discussões de fomento colonial como a linha de Moçâmedes (1890) e o contrato Williams para a concessão da via-férrea de Benguela (1902). Embora reconhecesse que o futuro nacional passava pelo ultramar, defendeu que os melhoramentos nas colónias não podiam ser sorvedouros de dinheiros públicos e que não deviam implicar o esquecimento de melhoramentos na metrópole (sobretudo em Trás-os-Montes e na sua província do Minho).

Foi também um parlamentar muito ativo no debate de questões económico-financeiras. Como corolário dessa atividade, publicou em 1896 As despezas publicas e a administração financeira do Estado. Apesar de admitir que o exagero de expectativas com a política de fomento tinha causado dano financeiro a Portugal, afirmou que a despesa com os melhoramentos materiais não foi a responsável pelo desequilíbrio das finanças públicas, que antes se ficou a dever ao recurso constante ao crédito para cobrir os défices orçamentais anuais e ao desvio de empréstimos destinados ao fomento para aquele mesmo fim. Apelou a uma completa reorganização financeira do Tesouro que passava na sua opinião pela disponibilização de um maior volume de informação, pela moderação das despesas ordinárias aos recursos ordinários e pela extinção do défice de modo a voltar a merecer a confiança estrangeira. 

Por estas ideias, pela sua experiência à frente da Companhia Real e pela sua crescente influência política, assumiu a pasta da Fazenda em dois gabinetes de Luciano de Castro (1898–1900 e 1904–1905), no governo da Acalmação de Ferreira do Amaral (1908) e no ano seguinte no executivo de Campos Henriques. Apesar de algumas polémicas relativas ao contrato dos tabacos, ao financiamento da linha da Suazilândia e a uma alegada preferência dada ao Banco Lisboa & Açores (a cujo Conselho Fiscal pertenceu entre 1903 e 1907), a ação ministerial de Espregueira foi alcunhada de “la bonne ménagere” por ter regularizado a situação financeira do país após o convénio de 1902.

Indefetível monárquico — em 1908 considerou que “a monarchia é o melhor penhor e garantia da nossa independencia” — Espregueira foi saneado pelos republicanos que em dezembro de 1910 o suspenderam de toda a atividade. Em 1911 foi colocado em inatividade, exonerado do Conselho Superior e de todos os cargos do ministério das Obras Públicas e finalmente demitido do Exército. Exilou-se em Paris e Bruxelas, onde estudou a organização económica e administrativa de França e Bélgica. Regressou a Portugal em 1917 para participar na Revolução de dezembro. Morreu dias depois na sua casa de Viana do Castelo.

Manuel Afonso de Espregueira foi um engenheiro que pertenceu ao escol de técnicos que na segunda metade do século XIX implementaram as ideias saint-simonianas ao programa de melhoramentos materiais delineado por Fontes Pereira de Melo. Especialista por experiência profissional em hidráulica e em obras ligadas à construção e melhoramento de barras, rios e portos, Espregueira usou ainda o seu conhecimento em diversos palcos (terreno, Ministério das Obras Públicas, Parlamento) e noutras áreas da engenharia, nomeadamente em caminhos de ferro. Foi precisamente no sector ferroviário que a sua carreira se destacou das dos seus colegas, por ter sido o primeiro engenheiro a exercer funções executivas numa companhia ferroviária privada — na principal companhia a operar em Portugal à época. Espregueira foi assim dos primeiros a enfrentar o desafio de conciliar os muitas vezes desavindos interesses privados e interesses púbicos, tarefa que nem sempre conseguiu desempenhar com sucesso, como foi exemplo o caso do ramal de Cáceres, condenado pela maioria da engenharia nacional, mas defendido pelos engenheiros da Companhia Real e eventualmente aprovado pelo governo.

Hugo Silveira Pereira

Arquivos

Lisboa, Acervo Infraestruturas, Transportes e Comunicações, Processos Individuais, Cx, 57, Manuel Afonso de Espregueira, PT/AHMOP/PI/057/013.

Arquivo Histórico Militar, Cx. 1193, processo individual de Manuel Afonso de Espregueira.

Obras 

Associação dos Engenheiros Civis Portugueses. Comissão encarregada de estudar a rede dos caminhos de ferro em Portugal. “Relatorio ácerca do plano da rede geral dos caminhos de ferro em Portugal.” Revista de Obras Públicas e Minas 102–103 (1878): 289–304.

Comissão Nomeada por Decreto de 9 de Agosto de 1866. Relatorio dirigido a S. Ex.ª o Ministro das Obras Publicas. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1869.

Espregueira, Manuel Afonso de. A Interpellação sobre as obras do Porto de Lisboa. Lisboa: Imprensa Nacional, 1888.

Espregueira, Manuel Afonso de. A questão Leixões-Salamanca. Lisboa: Imprensa Nacional, 1889.

Espregueira, Manuel Afonso de. As despezas publicas e a administração financeira do Estado. Lisboa: Imprensa Nacional, 1896.

Espregueira, Manuel Afonso de. Caminho de Ferro de Mossamedes. Lisboa: Imprensa Nacional, 1890.

Espregueira, Manuel Afonso de. “Conclusão da rêde de caminhos de ferro entre o Douro e o Minho.” Gazeta dos Caminhos de Ferro de Portugal e Hespanha 49 (1890): 1–2.

Espregueira, Manuel Afonso de. Lista civil e joias da Coroa. Lisboa: Imprensa Nacional, 1908.

Espregueira, Manuel Afonso de. Memoria descriptiva do projecto de um porto de abrigo em Leixões. Lisboa: Imprensa Nacional, 1874.

Espregueira, Manuel Afonso de. Missao de estudo ao porto de Antuerpia. Lisboa: Imprensa Nacional, 1886.

Espregueira, Manuel Afonso de, Augusto César Justino Teixeira, e Augusto Luciano Simões de Carvalho. Caminhos de ferro de Salamanca á fronteira de Portugal. Relatorio ácerca do custo da sua construcção. Porto: Tipografia de Alexandre da Fonseca Vasconcelos, 1899.

Bibliografia sobre o biografado

Abragão, Frederico de Quadros. “No Centenário dos Caminhos de Ferro em Portugal.” Gazeta dos Caminhos de Ferro 1652 (1956): 472–509.

Diario do Senado, 7 (31 de julho de 1918): 7–8.

Matos, Ana Cardoso de. “Asserting the Portuguese Civil Engineering Identity: the Role Played by the École des Ponts et Chausées.” In Jogos de Identidade Profissional: os Engenheiros entre a Formação e a Acção, ed. Ana Cardoso de Matos, Maria Paula Diogo, Irena Gouzévitch e André Grelon, 177–208. Lisboa: Colibri, 2009.

Moreira, Fernando. “Manuel Afonso de Espregueira (1833–1917).” In Dicionário Biográfico Parlamentar, ed. Maria Filomena Mónica, vol. 2: 66–68. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais, 2005–2006.

Q. “Manoel Affonso d’Espregueira.” Diario Illustrado 475 (1873): 1.Salgueiro, Ângela Sofia Garcia. “A Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses 1859-1891.” Dissertação de mestrado. Lisboa: Universidade NOVA de Lisboa, 2008.

Carvalho, Lourenço António de

Lisboa, 27 fevereiro 1837 — Lisboa, 3 outubro 1891

Palavras-chave: linha do Douro, Regeneração, plano de rede, engenharia.

DOI: https://doi.org/10.58277/VXTZ3174

Lourenço António de Carvalho foi um engenheiro, que implementou a política de melhoramentos materiais do Fontismo no terreno, no ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria (MOPCI) no parlamento e no governo. Dirigiu a construção da linha do Douro, a primeira grande obra pública realizada inteiramente por técnicos nacionais.

Filho de Manuel António de Carvalho, barão de Chanceleiros e ex-ministro da coroa, e de Maria José Carvalhosa Henriques, nasceu no seio de uma rica e influente família com propriedades no Douro, Ribatejo e Estremadura. Os seus quatro irmãos (Sebastião José, António Maria, João Anastácio e Pedro Augusto) desempenharam funções como ministros e deputados. Quando casou, em 1877, com Carolina do Casal Ribeiro, filha dos condes de Casal Ribeiro, solidificou a sua posição económica e política.

Frequentou Filosofia e Matemática na Universidade de Coimbra, tendo terminado os cursos em 1855 e 1857, respetivamente. Candidatou-se em seguida ao concurso para estudar Engenharia no estrangeiro, por conta do Estado. Não sendo selecionado, prosseguiu estudos na Escola do Exército. Quando terminou o curso de Engenharia, em 1860, foi contratado pela Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses, para a construção das linhas do Norte e Leste.

Depois da Companhia Real, a sua carreira desenrolou-se no terreno e nos círculos político-parlamentares de decisão e poder, nas fileiras do Partido Regenerador, beneficiando da influência política da sua família. Contribuiu para a planificação da política de fomento, em particular para a expansão da rede ferroviária. 

Em 1864, ingressou no MOPCI e, em 1865, no parlamento, onde, dois anos depois, redigiu o projeto de lei que autorizou a construção das linhas do Minho e Douro pelo Estado (iniciada em 1872). A sua primeira grande responsabilidade técnica foi, porém, a operação dos caminho de ferro de Sul e Sueste (1868–1872), nacionalizados em 1867. Esta tarefa não o impediu de voltar a São Bento em 1868 e 1870. Seguiu-se a planificação e construção da linha do Douro. Tendo iniciado as obras na Régua em 1875, foi sem surpresa que, neste ano, foi eleito por este círculo para o parlamento, tendo sobraçado ainda a pasta das Obras Públicas. Quando o executivo caiu, em 1877, regressou à direção das linhas do Sul e Sueste, aproveitando a ocasião para intervir também na discussão sobre o plano de rede ferroviária em curso na Associação de Engenheiros Civis Portugueses. Em 1878, com o regresso de Fontes ao poder, retomou os cargos de deputado e ministro. Deu continuidade aos debates mantidos na Associação de Engenheiros e apresentou ao parlamento uma proposta de lei para fixar a malha ferroviária nacional. Se aprovado, o diploma limitaria a ação dos governos na concessão de novas linhas, razão pela qual nunca foi posto à discussão. Lourenço de Carvalho acompanhou a demissão do governo em 1879. A sua experiência guindou-o, em 1881, à Junta Consultiva de Obras Públicas e Minas, órgão consultivo do MOPCI, onde se manteve até 1888. Acumulou estas funções com as de par do reino (eleito em 1885 e 1890) e de vice-governador do Crédito Predial. Morreu em 1891, de doença prologada.

Lourenço de Carvalho foi um importante elemento da afirmação dos engenheiros nacionais na sociedade portuguesa do último quartel do século XIX. A sua ação na linha do Douro provou que técnicos lusos, formados em Portugal, podiam perfeitamente assumir-se como agentes do progresso prometido pelo Fontismo. Como ministro, tentou também expressar a capacidade dos engenheiros para planificar aquela agenda desenvolvimentista, sendo disto exemplo a sua proposta de lei para fixar a rede férrea nacional. Ao a não conseguir aprovar, acabou, contudo, por igualmente demonstrar que as competências técnicas dos engenheiros estavam impertinentemente limitadas pelos interesses políticos.

Hugo Silveira Pereira

Arquivos

Lisboa, Acervo Infraestruturas, Transportes e Comunicações, Processos Individuais, Cx. 34, Lourenço António de Carvalho, PT/AHMOP/PI/034/045.

Bibliografia sobre o biografado

Macedo, Marta Coelho de. Projectar e construir a nação. Engenheiros e território em Portugal (1873–1893). Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2012.

Pereira, Hugo Silveira. “A política ferroviária nacional (1845-1899).” Tese de doutoramento. Porto: Universidade do Porto, 2012.

Revista de Obras Públicas e Minas 23 (1892): 7–8.Soares, Maria Isabel. “Lourenço António de Carvalho (1837-1891).” In Dicionário Biográfico Parlamentar, ed. Maria Filomena Mónica, vol. 1: 658–660. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais, 2005–2006. 

Teixeira, Augusto César Justino

Alandroal, 10 abril 1835 – Lisboa, 2 fevereiro 1923

Palavras-chave: caminhos-de-ferro, Regeneração, Fontismo, Gazeta dos Caminhos de Ferro.

DOI: https://doi.org/10.58277/QKVN4255

Augusto César Justino Teixeira foi um engenheiro ferroviário que acompanhou de perto a construção da rede de caminhos de ferro desde inícios da década de 1870 até aos primeiros anos do século XX.

Filho mais novo do marechal-de-campo Justino Teixeira e de sua esposa Henriqueta Giffenig, nasceu numa família numerosa de forte tradição militar — dois dos seus irmãos chegaram à patente de general e um terceiro a major. Também Justino Teixeira fez carreira no Exército, no qual ingressou como voluntário em 1855, sendo sucessivamente promovido a tenente (1864), major, tenente-coronel (1884), coronel (1893) e general de brigada (1899), sendo reformado na patente de general de divisão em 1909. Casou por duas vezes, primeiro com Emília Águia (de quem teve oito filhos) e em segundas núpcias com Ângela Mascarenhas e Pessanha (sem descendência).

As fontes são omissas em relação à sua formação, que passou provavelmente pela Escola do Exército, à semelhança do percurso de muitos dos seus camaradas.

Certo é que entrou ao serviço do Ministério das Obras Públicas em 1862, na Direção de Obras Públicas de Viseu, encarregado do estudo da estrada de Trancoso a Lamego. Foi promovido depois a chefe de secção do quinto grupo de estradas, elaborando as plantas da rodovia de Castelo Branco a Penamacor.

Em 1867, ingressou na ferrovia, sector ao qual se ligou até se reformar. Trabalhou nos estudos das linhas do Minho e Douro (1867–1869), as quais ajudou a construir e explorar (interpoladamente entre 1874 e 1898); foi chefe de exploração dos caminhos de ferro de Sul e Sueste (1869–1874 e 1900–1903); projetou a rede ferroviária a norte do Mondego (1886–1887 e 1898); no Porto, analisou a questão da ligação da estação de Campanhã à Alfândega (1880–1881 e 1888), a Leixões (1889) e ao centro da cidade (1892); elaborou os planos do ramal de Estremoz a Vila Viçosa (1901) e do caminho de ferro do litoral do Algarve (1902); fiscalizou a exploração das vias-férreas do Tua (1887), Guimarães e Porto à Póvoa de Varzim e Famalicão (1888) e a construção das linhas de Salamanca à fronteira portuguesa (1888), do Oeste, Urbana e de Cintura de Lisboa (1890).

Integrou diversas comissões administrativas para várias tarefas: organização dos serviços de exploração e fiscalização ferroviária (1886 e 1891); revisão de tarifas (1889 e 1894); proposta de passes e organização do pessoal técnico de obras públicas (1891); proposta de plano de ligação das gares ferroviárias aos centros de produção adjacentes (1898); e reforma dos serviços económicos, administrativos e técnicos dos caminhos de ferro estatais (1899).

Foi membro do Conselho Superior de Obras Públicas desde 1898, vogal do Conselho de Administração dos Caminhos de Ferro do Estado desde 1899 e vogal da comissão militar de caminhos de ferro e telégrafos em 1900, sendo também membro fundador da Gazeta dos Caminhos de Ferro em 1887.

Na carreira de obras públicas, foi sucessivamente promovido a engenheiro subalterno de segunda classe (1867), engenheiro de primeira classe adido (1886), engenheiro-chefe de primeira classe (1892), engenheiro de primeira classe (1899), inspetor (1901) e inspetor-geral (1902), antes de se reformar em 1909. Morreu em 1923.

Justino Teixeira pode ser considerado um dos primeiros engenheiros ferroviários nacionais, tendo dedicado 42 dos seus 47 anos de carreira à ferrovia, em particular às redes a norte do Douro e do sul do Tejo. Neste sentido, assumiu-se como um verdadeiro ponta-de-lança do progresso, no contexto da política fontista, participando, tanto no terreno, como em gabinete, na planificação, construção, exploração e gestão da rede ferroviária nacional. Concorreu decisivamente para o estabelecimento e operação do caminho de ferro em Portugal, ainda que muitas das sugestões que aventou e dos estudos que assinou, não tenham sido efetivamente realizados.

Hugo Silveira Pereira

Arquivos

Lisboa, Acervo Infraestruturas, Transportes e Comunicações, Processos Individuais, Cx. 176, Augusto César Justino Teixeira, PT/AHMOP/PI/176/013.

Lisboa, Arquivo Nacional Torre do Tombo, Ministério do Interior, Secretaria Geral, mç. 328, lv. 5, n.º 35

Obras 

Espregueira, Manuel Afonso de, Augusto César Justino Teixeira e Augusto Luciano Simões de Carvalho. Caminhos de ferro de Salamanca á fronteira de Portugal. Relatorio ácerca do custo da sua construcção. Porto: Tipografia de Alexandre da Fonseca Vasconcelos, 1889.

Teixeira, Augusto César Justino. Relatorio da Direcção de exploração do caminho de ferro do Minho e Douro relativo ao anno de 1882. Lisboa: Imprensa Nacional, 1883.

Teixeira, Augusto César Justino. Relatorio da Direcção de exploração do caminho de ferro do Minho e Douro relativo ao anno de 1883. Lisboa: Imprensa Nacional, 1884.

Teixeira, Augusto César Justino. Relatorio da Direcção de exploração do caminho de ferro do Minho e Douro relativo ao anno de 1885. Lisboa: Imprensa Nacional, 1888.

Teixeira, Augusto César Justino. Relatorio da Direcção de exploração do caminho de ferro do Minho e Douro relativo aos annos de 1886, 1887 e 1888. Lisboa: Imprensa Nacional, 1891.

Bibliografia sobre o biografado

Pereira, Hugo Silveira. “A política ferroviária nacional (1845-1899)”. Dissertação de doutoramento. Porto: Universidade do Porto, 2012.

Aguiar, Joaquim Nunes de (Aguiar, Joaquim Nunes d’)

Funchal, 22 setembro 1812 — Funchal, 14 novembro 1872

Palavras-chave: caminhos-de-ferro, abastecimento de água, saint-simonismo, Regeneração.

DOI: https://doi.org/10.58277/WGXY3389

Joaquim Nunes de Aguiar foi um engenheiro português que se destacou no arranque da Regeneração, nomeadamente no sector ferroviário e em questões ligadas ao abastecimento urbano de água.

Nada fazia prever que se viesse a tornar um importante agente ao serviço do Fontismo, já que a sua família o havia destinado a uma carreira comercial, e, de facto, começou por trabalhar como tesoureiro na Alfândega do Funchal. 

Porém, depois de herdar uma pequena fortuna familiar, resolveu seguir a sua vocação para uma carreira científica e, em 1841, partiu para Paris para estudar em instituições francesas. Nos cinco anos seguintes, e sem qualquer apoio do governo, estudou, com aproveitamento, diversas ciências, adquirindo assim a formação necessária para poder ingressar no curso de Engenharia Civil na Escola de Pontes e Calçadas, em 1846.

Regressou a Portugal em 1849, sendo colocado na Direção de Obras Públicas do Funchal. Em 1850, mudou-se para Lisboa, uma vez que não encontrou na ilha suficiente emprego para as suas capacidades técnicas. Não encontrando também na capital ocupação como engenheiro civil, aceitou o cargo de secretário no Governo Civil de Santarém.

Nunes de Aguiar teve que esperar pelo advento da Regeneração para poder aplicar as ideias saint-simonianas de progresso e as competências técnicas que adquirira em França. Por portaria de 17 de janeiro de 1852, entrou no serviço das Obras Públicas, ao tempo ainda uma repartição do Ministério do Reino. Em outubro seguinte, já dentro do Ministério das Obras Públicas (criado por decreto de 30 de agosto), foi nomeado para a comissão encarregada de determinar a diretriz do caminho de ferro do Porto a Lisboa (juntamente com Sousa Brandão e Gromicho Couceiro). A comissão, não só determinou a rota do caminho de ferro, como sugeriu que este se tornasse a base de todas as ligações com Espanha, num primeiro e muito lato planeamento da rede ferroviária portuguesa. Em particular, Nunes de Aguiar alvitrou que desde Coimbra saísse uma outra via-férrea até à fronteira entre o Douro e Almeida. 

Em seguida, continuou a ser empregado na ferrovia, sendo colocado, em 1854, como fiscal do governo junto da Companhia Central Peninsular, que construía a linha de Lisboa a Santarém. A 3 de outubro de 1854, foi exonerado deste cargo para se encarregar da fixação do traçado do caminho de ferro de Santarém à fronteira. Como corolário desta tarefa, foi-lhe ordenado que se reunisse com Júlio Guerra, Carlos Ribeiro e Isidoro Baptista para debater com os técnicos espanhóis Ramón Pellico, Aldama Ayala, Carlos de Castro e José Barco a importante questão da ligação da linha-férrea na fronteira. O acordo final foi atingido após difíceis negociações e não previu uma solução que agilizasse a ligação entre Portugal, Espanha e França. Nunes de Aguiar foi assim um dos primeiros tecnodiplomatas nacionais e um dos primeiros a entender a complexidade em concretizar o ideal saint-simoniano de usar o caminho-de-ferro para unir as nações europeias: cruzar uma fronteira com uma ferrovia era uma tarefa mais difícil que atravessar o mais profundo dos vales, que exigia uma combinação entre competências técnicas e diplomáticas.

Em 1857, foi incumbido de reconhecer novamente o vale do Tejo, no sentido de encontrar um traçado mais direto entre Lisboa, a fronteira e Madrid. Da análise no terreno, Nunes de Aguiar concluiu que o alvitre mais eficaz seria direcionar a linha para Badajoz. 

A sua experiência acumulada levou-o, ainda em 1857, ao Conselho de Obras Públicas e Minas, o órgão consultivo do ministério, como vogal supranumerário. Em setembro, o governo autorizou-o a empregar-se ao serviço do conde de Réus, Juan Prim y Prats, no estudo de uma linha do Porto a Vigo. Nunes de Aguiar completou os estudos entre a Invicta e Caminha em 1858, mas, acusado por um jornal de Lisboa de abuso de confiança e burla no pagamento dos seus honorários, pediu para ser exonerado e julgado por um comité competente. Nada se fez e o governo decidiu mantê-lo no Norte do País como diretor de Obras Públicas dos três distritos do Minho (Porto, Braga e Viana). Nesta condição contribuiu, com o engenheiro Conrado Chelmicki, para a discussão técnica dos melhoramentos da barra do Douro (1859). 

As, provavelmente infundadas, acusações foram definitivamente afastadas quando Nunes de Aguiar foi nomeado, em 1859, inspetor de uma das cinco Inspeções de Obras Públicas do Reino (criadas por decreto de 19 de agosto daquele ano). Acumulou esta função com a de administrador-geral do caminho de ferro de Lisboa a Santarém, em substituição de João Crisóstomo de Abreu e Sousa. Quando esta linha foi entregue à Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses, foi nomeado fiscal do governo junto desta empresa durante a construção das linhas do Norte e Leste (Lisboa a Porto e Elvas).

Em 1863, foi empregado na fiscalização do abastecimento de água a Lisboa, sendo depois transferido para a Companhia das Águas, ao serviço da qual estudou o canal do Alviela (portaria de 30 de agosto de 1864) e projetou a estação elevatória do largo do Chafariz de Dentro (Alfama). Neste âmbito, deslocou-se, entre 1866 e 1868, a França para estudar questões ligadas ao fornecimento de água e para adquirir bombas para o sistema da parte oriental de Lisboa.

Em 1864, foi nomeado para a comissão do projeto de reforma do edifício da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa e para comissão incumbida de redigir uma proposta de lei geral sobre caminhos de ferro (decretada em 31 de dezembro desse ano). Ainda neste ano, os seus esforços e carreira foram recompensados com a comenda de Nossa Senhora de Vila Viçosa (30 de novembro) e com a promoção a engenheiro-chefe de primeira classe do Corpo de Engenharia Civil (7 de fevereiro). 

Já no novo posto, trabalhou para a melhoria do serviço aduaneiro de Lisboa, tendo, em 1865, elaborado com Cabral Couceiro um projeto de duas pontes para o serviço da Alfândega da capital. Em 1868, desenvolveu com o engenheiro naval Vasconcelos Correia um sistema de docas, construídas com barcas flutuantes, para abrigar, carregar e descarregar navios, obtendo para a invenção um privilégio de patente por 15 anos (alvará de 9 de dezembro de 1869). 

Regressou em 1870 à Companhia Real, como fiscal do governo (decreto de 1 de outubro), para uma comissão que ficaria marcada por um grave incidente com o diretor-geral da empresa, Le François. Na altura, a degradação do serviço prestado pela Companhia Real havia criado alguma tensão com o governo e estimulado a propaganda do nacionalismo económico e tecnológico, que defendia a construção e exploração de caminhos de ferro exclusivamente pelo Estado. Em 1871, Nunes de Aguiar interditou a circulação ferroviária na ponte da linha do Leste sobre o Tejo, argumentando que estava em risco de ruína. Uma viva troca de palavras com Le François terminou em confronto físico. O incidente — detalhadamente descrito na imprensa — foi encarado como um ato de desrespeito da Companhia Real pelo país, recrudescendo a vaga nacionalista contra aquela firma. No rescaldo, registaram-se importantes repercussões na relação entre Estado, Companhia Real e opinião pública e na própria classe dos engenheiros nacionais, já que, para apaziguar a situação, a direção da empresa decidiu afastar Le François e substituí-lo por um engenheiro português, Manuel Afonso de Espregueira.

Nunes de Aguiar foi também afastado do cargo e enviado para outras obras públicas, designadamente a construção e fiscalização do dique do Arsenal da Marinha e da ponte-cais da Alfândega de Lisboa. Seguidamente, foi colocado nas propriedades palustres do capitalista José Maria Eugénio de Almeida com a importante missão de melhorar a salubridade e desenvolver o potencial agrícola daquelas terras ribatejanas. Nesta tarefa, começou a ser acossado de febres intermitentes e a sentir os primeiros sintomas da doença que o viria a vitimar. A sua saúde decaiu rapidamente e, para se tentar restabelecer, regressou à sua ilha natal. A terapêutica não resultou e Joaquim Nunes de Aguiar morreu na noite de 14 para 15 de novembro de 1872 de congestão cerebral.

Joaquim Nunes de Aguiar foi um engenheiro da Regeneração com um percurso singular. Ao contrário de muitos dos seus camaradas, não foi para França fugido por motivos políticos, mas sim por sua livre vontade de adquirir novos conhecimentos. Também ao contrário do que era norma, fez toda a sua formação, incluindo os preparativos para o curso de Engenharia, em França. Durante a presença naquele país, adquiriu conhecimentos técnicos, os princípios saint-simonianos de progresso e a noção da importância do Estado para o prosseguimento de um programa de fomento, os quais aplicou em Portugal de uma forma extremamente rigorosa, não admitindo qualquer desleixo em relação ao que estava preceituado pela arte ou pelos contratos (como foi exemplo o caso da ponte ferroviária sobre o Tejo). Segundo o elogio fúnebre redigido por João Crisóstomo de Abreu e Sousa, exerceu a sua profissão de forma inflexível, com frieza e secura no trato com os outros, não se coibindo de emitir a sua opinião sem grande desprendimento, não sendo por isso de estranhar que a altercação com Le François tenha assumido tão graves contornos. Joaquim Nunes de Aguiar promoveu também a formação de jovens engenheiros em França e a sua contratação para as obras públicas nacionais, conhecedor que era da qualidade do modelo francês.

Hugo Silveira Pereira

Arquivos

Lisboa, Acervo Infraestruturas, Transportes e Comunicações, Processos individuais, Cx. 2, Joaquim Nunes de Aguiar, PT/AHMOP/PI/002/046.

Lisboa, Arquivo Nacional Torre do Tombo, Registo Geral de Mercês de D. Maria II, liv. 1, ff. 151v–152.

Obras 

Aguiar, Joaquim Nunes de. Caminho de ferro Porto-Vigo. Anteprojecto. [S. l.]: [s. n], 1858.

Aguiar, Joaquim Nunes de.. “Relatorio sobre o reconhecimento nas duas margens do Tejo, para conhecer da possibilidade da construção de uma linha ferrea.” Boletim do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria 12 (1859): 613–617.

Guerra, Manuel José Júlio, Joaquim Nunes de Aguiar, Carlos Ribeiro, Isidoro Emílio Baptista. “Accôrdo tomado pela Commissão incumbida de escolher o ponto da fronteira por onde ha de passar o caminho de ferro de Lisboa a Madrid, ácerca do logar por onde o mesmo caminho deve transpor o rio Tejo.” Boletim do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria 1 (1855): 8-12.

Guerra, Manuel José Júlio, Joaquim Nunes de Aguiar, Carlos Ribeiro, Isidoro Emílio Baptista. “Relatório da Commissão incumbida de propor, de accôrdo com os Engenheiros hespanhoes, o ponto por onde deve passar o caminho de ferro de Lisboa a Madrid.” Boletim do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria 1 (1855): 3-8.

Bibliografia sobre o biografado

Matos, Ana Cardoso de. “Asserting the Portuguese Civil Engineering Identity: the Role Played by the École des Ponts et Chausées.” In Jogos de Identidade Profissional: os Engenheiros entre a Formação e a Acção, ed. Ana Cardoso de Matos, Maria Paula Diogo, Irina Gouzévitch, André Grelon, 177–208. Lisboa: Colibri, 2009.

Pereira, Hugo Silveira. 2012. “A política ferroviária nacional (1845-1899).” Dissertação de doutoramento, Universidade do Porto, 2012.

Salgueiro, Ângela Sofia Garcia. “A Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses 1859-1891.” Dissertação de mestrado, Universidade NOVA de Lisboa, 2008.Sousa, João Crisóstomo de Abreu e. “Esboço biographico dos sócios fallecidos durante o anno de 1872.” Revista de Obras Publicas e Minas 4 (39) (1873): 91–103. 

Couceiro, José Anselmo Gromicho

Elvas, 11 abril 1822 — 1895

Palavras-chave: Regeneração, caminhos de ferro, saint-simonismo, Escola de Pontes e Calçadas.

DOI: https://doi.org/10.58277/XIHE3039

José Anselmo Gromicho Couceiro foi um engenheiro português que se evidenciou no processo de avanços e recuos dos primeiros anos do caminho de ferro em Portugal.

Filho de Jerónimo Couceiro e de Benigna Gromicho, assentou praça como voluntário em 1837, frequentando a Academia Politécnica do Porto e a Escola do Exército. Tendo aderido à falhada revolta de Torres Novas, foi forçado a fugir para França, onde estudou Engenharia Civil na Escola de Pontes e Calçadas, juntamente com Sousa Brandão e Lobo d’Ávila, entre outros. Ali, contactou com os princípios saint-simonistas de progresso e assistiu à instauração da República, saudando o governo provisório.

Regressou a Portugal em 1848, mas o seu passado de setembrista e de apoiante do republicanismo francês fez crescer a desconfiança das autoridades portuguesas. Vivia-se numa época em que a ideologia falava mais alto que a necessidade de desenvolver materialmente o País, de modo que as competências de Gromicho Couceiro foram desprezadas em face de considerandos políticos. 

A suspeição que envolveu o engenheiro só foi esfumada por intervenção do barão da Luz (Joaquim António Velez Barreiros), inspetor-geral de Obras Públicas, que solicitou a sua colocação na direção do Minho. Seguidamente, passou pela comissão de melhoramentos do Tejo e pela fiscalização das estradas de Santarém. Trabalhou também em Trás-os-Montes, pois em 1853 foi convidado a partilhar os seus conhecimentos sobre a província para a fixação da rede de estradas local.

Mas foi no esforço de implementação do caminho de ferro em Portugal que Gromicho Couceiro mais se destacou. Desde 1852, estudou a diretriz das linhas do Norte (com Sousa Brandão e Nunes de Aguiar) e da Beira Alta (advertindo que esta última seria de construção cara e difícil, o que de facto se verificou); fiscalizou as obras do caminho de ferro do Leste, assumindo a direção da obra (com Simões Margiochi) quando os empreiteiros da concessionária abandonaram os trabalhos; coadjuvou o engenheiro francês Watier no estudo das linhas de Lisboa à fronteira e Porto (novamente com Sousa Brandão e Margiochi); trabalhou como engenheiro-chefe na Companhia Central Peninsular, pouco podendo, porém, fazer para evitar o fracasso da inauguração do caminho de ferro Lisboa-Carregado; vistoriou as obras da linha do Sul (com Margiochi e Gomes Fontoura); chefiou a exploração do caminho de ferro do Leste, ao tempo gerida pelo governo, e manteve-se como fiscal da operação após o seu trespasse à Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses; por fim, fez parte da equipa que redigiu a lei geral ferroviária, decretada em 31 de dezembro de 1864. 

Manteve-se ligado à ferrovia, como diretor da fiscalização até 1868, ano em que saiu do ministério das Obras Públicas e ingressou no da Guerra. A decisão, que ficou decerto a dever-se à extinção do corpo de Engenharia Civil, afastou-o definitivamente da política de melhoramentos materiais do Fontismo. Tornou-se depois percetor militar dos infantes D. Carlos e D. Afonso e mais tarde ajudante-de-campo honorário de D. Luís. 

Ao longo da sua carreira foi condecorado com as comendas das ordens de Cristo, Avis e Torre e Espada e com a grã-cruz da ordem de Isabel, a Católica. Na carreira militar, reformou-se na patente de general. Faleceu em 1895.

Gromicho Couceiro foi um engenheiro que fez parte do processo de aprendizagem da implementação de caminhos de ferro em Portugal. Acompanhou de perto os primeiros falhanços da política ferroviária nacional e os passos tendentes a corrigi-los. Contribuiu também para a fixação das diretrizes das primeiras linhas construídas e lançou as bases para outros caminhos de ferro assentes posteriormente. Foi uma das vítimas da política de austeridade de finais da década de 1860, que extinguiu o corpo de Engenharia Civil do ministério das Obras Públicas e o empurrou para outras funções no ministério da Guerra. 

Hugo Silveira Pereira

Arquivos

Lisboa, Acervo Infraestruturas, Transportes e Comunicações, Processos Individuais, Cx. 48, José Anselmo Gromicho Couceiro, PT/AHMOP/PI/048/006.

Lisboa, Arquivo Histórico Militar, Cx. 2145, processo individual de José Anselmo Gromicho Couceiro.

Obras 

Couceiro, José Anselmo Gromicho. “Relatorio sobre o resultado do reconhecimento do terreno entre o caminho de ferro do Norte e a fronteira de Leste, a fim de conhecer a possibilidade de uma linha ferrea nesta direcção.” Boletim do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria 1 (1860): 74–75. 

Couceiro, José Anselmo Gromicho e Joaquim Simões Margiochi. “Relatorio dos Fiscaes do Governo sobre os trabalhos executados no caminho de ferro de Leste, desde o seu começo até 31 de Dezembro de 1854.” Boletim do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria 6 (1855): 257–262. 

Couceiro, José Anselmo Gromicho, Sebastião do Canto e Castro Mascarenhas e Pedro de Alcântara Gomes Fontoura. “Relatorio. Linha do Barreiro ás Vendas Novas”, Boletim do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria 2 (1861): 137–151. 

Bibliografia sobre o biografado

Costa, António José Pereira da. “José Anselmo Gromicho Couceiro. General de Brigada (1822-1895).” In Os Generais do Exército Português, ed. António José Pereira da Costa, 2 (2): 187. Lisboa: Biblioteca do Exército, 2005.

Macedo, Marta Coelho de. Projectar e construir a nação. Engenheiros e território em Portugal (1873–1893). Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2012.

Matos, Ana Cardoso de. “Asserting the Portuguese Civil Engineering Identity: the Role Played by the École des Ponts et Chausées.” In Jogos de Identidade Profissional: os Engenheiros entre a Formação e a Acção, ed. Ana Cardoso de Matos et al., 177–208. Lisboa: Colibri, 2009.

Pereira, Hugo Silveira. “A política ferroviária nacional (1845-1899).” Tese de doutoramento. Porto: Universidade do Porto, 2012.

Garcês, Belchior José (Garcez, Belchior José)

Lisboa, 24 março 1808 — Trancoso, 21 janeiro 1874

Palavras-chave: Regeneração, estradas, caminhos-de-ferro, cartografia.

DOI: https://doi.org/10.58277/JGYB4164

Belchior José Garcês foi um engenheiro militar que contribuiu para o desenvolvimento das redes rodoviárias e ferroviárias nacionais nas primeiras décadas da Regeneração.

Filho de José Sobral, fora destinado à vida clerical, mas enveredou por uma carreira militar, na qual ascendeu à patente de general, em 1864.

Cursou as Academias Reais de Marinha e Fortificação, Artilharia e Desenho. Devido à Guerra Civil, interrompeu os estudos e, em 1829, evadiu-se para França, praticando nas obras públicas dos Baixos Pirenéus (Toulouse e Bayonne) e no estudo de dois canais, sob orientação do engenheiro Galambert. Regressou a Portugal em 1832 para se juntar às forças liberais que tomaram Lisboa, tendo comandado o sector Manique-Picoas de fortificação da capital. 

Findo o conflito terminou os estudos e, em 1837, foi admitido na arma de engenharia. Foi colocado sucessivamente nas praças de Elvas, Chaves, Almeida e Abrantes. Iniciou o levantamento cartográfico de Trás-os-Montes e da fronteira da Beira e, em 1841, dirigiu a reedificação daquelas duas últimas praças.

Entretanto, casou em 1839 com Carlota Cardoso, tendo quatro filhos.

Em 1843, entrou para o serviço de Obras Públicas do Ministério do Reino (no distrito de Bragança e, em 1845, na província do Minho), incumbido de fiscalizar a construção de estradas. 

Aderiu à Patuleia, sendo demitido do Exército em 1846. Contudo, pelas suas competências, foi readmitido na hierarquia militar e incumbido da fiscalização das estradas do Minho e Trás-os-Montes. Aproveitou a ocasião para elaborar uma planta de Braga com Miguel Maciel. 

Em 1851, foi contratado pela Companhia Viação Portuense para construir estradas no Minho, juntamente com os seus camaradas Vitorino Damásio e Calheiros e Meneses. Deparou-se com as primeiras dificuldades ligadas à gestão privada da construção de grandes obras públicas e com obstáculos levantados pelos locais, mas, no final, assentou uma estrada elogiada pelos fiscais do governo. A experiência convenceu-o da necessidade de o Estado intervir na construção rodoviária por não ser atividade propícia à iniciativa privada. 

Em 1854, integrou o Conselho Superior de Obras Públicas, órgão consultivo do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria. Entre 1855 e 1856, fiscalizou os caminhos de ferro do Sul e de Sintra e integrou a comissão encarregada do inquérito ao fracasso da inauguração da linha Lisboa-Carregado. Em 1857, voltou ao sector privado como engenheiro-chefe da Companhia de Caminhos de Ferro ao Sul do Tejo. 

Em 1858, regressou ao serviço do Estado, como diretor da Escola Politécnica de Lisboa. Neste ano iniciou também a sua carreira parlamentar (1858–1870), sempre nas fileiras do Partido Histórico, cujo governo integrou em 1860, como ministro da Guerra. No Parlamento, defendeu a necessidade de construir estradas e caminhos de ferro até à fronteira (não com intuitos defensivos mas de ligação do país ao resto da Europa), uma forte intervenção do Estado no sector e o apoio ao ensino industrial.

Regressou ao Conselho Superior em 1861. Em 1864, fez parte da comissão responsável pela redação  da lei geral ferroviária (aprovada por decreto de 31 de dezembro de 1864). Em 1868, foi nomeado presidente da comissão para regular o serviço técnico do ministério que extinguiu o Corpo de Engenheiros Civis e substituiu o Conselho Superior pela Junta Consultiva de Obras Públicas e Minas, da qual assumiu a vice-presidência até 1873. Desde 1869, porém, a sua participação foi intermitente, em virtude do desgosto causado pela morte da esposa. Faleceu, cinco anos depois, em Trancoso.

Belchior Garcês foi um engenheiro com um percurso comum a outros técnicos. Formado nas Academias Reais de Marinha e Fortificação, obteve uma educação prática nas obras públicas francesas. Beneficiou do espírito de consenso da Regeneração para aplicar os seus conhecimentos na implementação e ampliação das redes nacionais de estradas e caminhos de ferro (contribuindo também para um melhor conhecimento topográfico do Reino) e na planificação da política de fomento nos órgãos consultivos do Ministério das Obras Públicas, aos quais presidiu nos últimos anos da sua vida. 

Hugo Silveira Pereira

Arquivos

Lisboa, Acervo Infraestruturas, Transportes e Comunicações, Processos Individuais, Cx. 73, Belchior José Garcês, PT/AHMOP/PI/073/034.

Lisboa, Arquivo Histórico Militar, cx. 557, processo individual de Belchior José Garcês.

Setúbal, Arquivo Distrital, Arquivo Pessoal de Almeida Carvalho, 12/435/pt. 12/25, recorte do Diario de Noticias.

Obras 

Garcês, Belchior José. Itinerário da cidade de Bragança à Barca do Pocinho… [manuscrito]. S. l.: s. n., 1843.

Garcês, Belchior José. Pavimento terreo do Quartel do Castello em Chaves aonde se aloja o R.º d’Infanteria n.º 13 [manuscrito]

. S. l.: s. n., 1843.
Garcês, Belchior José. Planta da praça de Abrantes [manuscrito]

. S. l.: s. n., 1841.

Garcês, Belchior José. Planta dos quarteis do Forte de S. João de Deos aonde se aloja em Bragança o Regimento de Cavallaria n.º 7 [manuscrito]. S. l.: s. n., 1843.

Garcês, Belchior José. “Relatorio do fiscal do caminho de ferro de Cintra, datado de 26 de Março de 1857.” Boletim do Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Indústria 5 (1858): 573–575. 

Garcês, Belchior José e Miguel Baptista Maciel. Planta da cidade de Braga. S. l.: J. F. M. Palha, 1853–1854..

Meneses, Sebastião Lopes de e Belchior José Garcês. Duas palavras acerca da Companhia Viação Portuense. Porto: Tipografia Comercial, 1853.

Bibliografia sobre o biografado

Chaby, Cláudio. “Belchior José Garcéz.” Diario Illustrado 608–609 (1874): 1–2.

Costa, António José Pereira da. “Belchior José Garcez. General de Brigada (1808–1874).” In Os Generais do Exército Português, ed. António José Pereira da Costa, 2 (2), 31–32. Lisboa: Biblioteca do Exército, 2005.

Marinho, Maria José. “Belchior José Garcês (1808–1874).” In Dicionário Biográfico Parlamentar, ed. Maria Filomena Mónica, vol. 2, 291–294. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2005–2006.

Pereira, Hugo Silveira. “A política ferroviária nacional (1845-1899)”. Dissertação de doutoramento. Porto: Universidade do Porto, 2012.

Pina, Miguel Esperança, Nuno Borrego e Nuno Vilhena Freitas. Os Titulares e os Oficiais da Patuleia. Lisboa: Tribuna, 2006.

Vilhena, Júlio Marques de. D. Pedro e seu Reinado. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1921.

Eça, Bento Fortunato de Moura Coutinho de Almeida de (Eça, Bento Fortunato de Moura Coutinho d’Almeida d’)

Esgueira, 27 outubro 1825 — Lisboa, 2 fevereiro 1906

Palavras-chave: caminhos-de-ferro, hidráulica, irrigação, Regeneração.

DOI: https://doi.org/10.58277/RFBS1021

Bento Fortunato de Moura Coutinho d’Almeida d’Eça foi um engenheiro português que se destacou desde 1854 pela sua polivalência de conhecimentos e áreas de atuação.

Nasceu em Esgueira, filho de Dionísio de Moura Coutinho d’Almeida d’Eça e Teresa de Paiva, no seio de uma antiga e distinta família. 

Fez os primeiros estudos em Aveiro e Coimbra, antes de se matricular em Matemática na Universidade de Coimbra, curso que terminou em 1850. Seguiu-se a Academia Politécnica de Lisboa e a Escola do Exército, onde conviveu com futuros ilustres engenheiros nacionais como Evangelista Abreu, Evaristo do Rego ou Cabral Couceiro. Concluiu o curso de Engenharia em 1853, ascendendo à patente de alferes na hierarquia militar. 

Casou com Maria Eduarda Barreto de Figueiredo, com quem teve cinco filhos.

Em 1854, foi colocado no ministério das Obras Públicas, onde se manteve até morrer. Trabalhou na construção de estradas, estudo de pontes (sobre o Tejo em Santarém e sobre o Douro no Porto), instalação de telégrafos, reconhecimentos topográficos, obras hidráulicas (rios e barras), combate à filoxera (após ter estudado a praga em França), melhoramentos urbanos da capital (lazareto, penitenciária, esgotos, abastecimento de água, porto, praça do Comércio, mosteiro dos Jerónimos, câmara dos deputados) e em diversas comissões (reorganização de quadros de pessoal, reforma de serviços técnicos, classificação e conservação de estradas, fiscalização de máquinas a vapor).

Destacou-se na questão da irrigação agrícola, depois de ter analisado a problemática, do ponto de vista técnico e jurídico, em França, Itália, Bélgica e Espanha. Tratou da extinção/regulamentação de arrozais, fiscalização da Companhia das Lezírias, rescisão do contrato com a Companhia dos Canais de Azambuja, melhoramentos do Tejo e campos adjacentes (com Adolfo Loureiro) e aproveitamento das águas do Alentejo para a agricultura (com Neves Cabral, Lima e Cunha, Sousa Gomes e Mendes Guerreiro).

Dedicou-se à ferrovia a partir de 1874. A sua ação foi decisiva na fixação da diretriz da linha da Beira Alta e na fiscalização da sua construção. Estudou no terreno os caminhos de ferro do Oeste, Douro e Beira Baixa e os ramais de Viseu e Gouveia. Contribuiu para o debate sobre as ligações à cidade espanhola de Salamanca e para a definição da rede geral. Pela sua experiência, foi chamado para comissões de gestão ferroviária (regulação da construção por empreitada, conservação e fiscalização de pontes metálicas, revisão de tarifas) e inquirição a companhias privadas (Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses e Companhia dos Caminhos de Ferro da Beira Alta) e enviado aos congressos de caminhos de ferro realizados entre 1887 e 1900.

Fez ainda parte de vários júris de concurso e ocupou diversos cargos consultivos (Direção-Geral, Junta Consultiva, Conselho Superior e Comissão Técnica de Obras Públicas e Minas, Comissão Superior de Guerra, Supremo Tribunal Administrativo, Conselho de Estado). Acumulou comendas (comportamento exemplar, ordens de Carlos III, São Tiago, Avis, Legião de Honra), tendo chegado na hierarquia militar a general de divisão e no quadro das Obras Públicas a inspetor de primeira classe. Foi também sócio fundador da Associação de Engenheiros Civis Portugueses e da Sociedade de Geografia de Lisboa. 

Dotado de grande robustez física e agilidade, tido como autoritário e brusco no trato e conhecedor dos debates técnicos internacionais, Almeida d’Eça foi uma peça importante em diversos sectores da política de melhoramentos do Fontismo, desde os transportes e comunicações, ao desenvolvimento agrícola, passando pelo progresso urbano. Não se envolveu em conflitos militares (salvo uma pequena intervenção, do lado dos revoltosos, durante a Patuleia) nem em pelejas político-partidárias, preferindo concentrar-se nos assuntos da sua arte, à qual se dedicou durante mais de 50 anos.

Hugo Silveira Pereira

Arquivos

Lisboa, Acervo Infraestruturas, Transportes e Comunicações, Processos individuais, Cx. 56, Bento Fortunato de Moura Coutinho d’Almeida d’Eça, PT/AHMOP/PI/056/003.

Lisboa, Arquivo Histórico Militar, cxs. 41 e 1124, processos individuais de Bento Fortunato de Moura Coutinho d’Almeida d’Eça.

Obras 

Eça, Bento Fortunato de Moura Coutinho d’Almeida d’. As vinhas no Meio-Dia da França e o seu tratamento. Lisboa: Imprensa Nacional, 1888.

Eça, Bento Fortunato de Moura Coutinho d’Almeida d’. “Caminho de ferro da Beira Alta. Memoria Justificativa.” Revista de Obras Públicas e Minas 82-86 (1876–1877): 381–399, 409–437, 447–460, 44–57 e 61–75. 

Eça, Bento Fortunato de Moura Coutinho d’Almeida d’. “Caminhos de ferro da Beira Alta. Relatorio compilando os dados mais importantes quanto á construcção d’este caminho de ferro, e as circumstancias mais dignas de menção, com respeito á sua exploração desde o começo da mesma, em 1 de Julho de 1885, até ao fim do anno civil de 1885.” Revista de Obras Públicas e Minas 221–222 (1888): 105–162.

Eça, Bento Fortunato de Moura Coutinho d’Almeida d’. Memoria ácerca das irrigações na França, Italia, Belgica e Hespanha. Lisboa: Imprensa Nacional, 1886.

Eça, Bento Fortunato de Moura Coutinho d’Almeida d’. Memorias ácerca do regimen do Tejo e outros rios apresentadas ao Ministerio das Obras Publicas nos annos de 1867 e 1872. Lisboa: Imprensa Nacional, 1877.

Eça, Bento Fortunato de Moura Coutinho d’Almeida d’ et al. “Regulamento para a fiscalisação da construcção de caminhos de ferro. Relatorio da commissão.” Revista de Obras Públicas e Minas 219–220 (1888): 76–80.

Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria. Memoria acerca do aproveitamento de aguas no Alemtejo para o fim dos melhoramentos agricola e industrial da província. Lisboa: Imprensa Nacional, 1884.

Bibliografia sobre o biografado

Costa, António José Pereira da. “Bento Fortunato de Moura Coutinho de Almeida d’Eça. General de Divisão (1827–1906).” In Os Generais do Exército Português, ed. António José Pereira da Costa, 2(2) (2005): 333. Lisboa: Biblioteca do Exército.

Hager, Willi H. “Hydraulic advances in the 19th and 20th centuries: From Navier over Prandtl into the future.” In Water Engineering and Management through time. Learning from History, ed. Enrique Cabrera e Francisco Arregui, 131–169. Boca Raton: CRC Press, 2010.

Loureiro, Adolfo. Elogio historico de Bento Fortunato de Moura Coutinho d’Almeida d’Eça, General de Divisão e Inspector Geral de Obras Publicas. Lisboa: Imprensa Nacional, 1907.

Martins, Rita Maria Machado. “João de Moura Coutinho de Almeida d’Eça (1872–1954). Arquitectura e urbanismo”. Dissertação de mestrado. Porto: Universidade do Porto, 2010.

Pereira, Esteves, e Guilherme Rodrigues. Portugal. Dicionário Histórico, Corográfico, Heráldico, Biográfico, Bibliográfico, Numismático e Artístico. Lisboa: João Romano Torres Editor, 1904–1915.Pereira, Hugo Silveira. “A política ferroviária nacional (1845-1899).” Dissertação de doutoramento. Porto: Universidade do Porto, 2012.

Abreu, Plácido António da Cunha e

Arcos de Valdevez, n. 1809 — Lisboa, 28 novembro 1895

Palavras-chave: Regeneração, caminhos-de-ferro, portos, estradas.

DOI: https://doi.org/10.58277/FWDS3261

Plácido António da Cunha e Abreu foi um oficial do Exército que, no Parlamento, nos órgãos consultivos do Ministério das Obras Públicas e no terreno, se destacou na planificação e execução da política de fomento fontista.

Filho de Diogo Pinto e Joaquina Abreu, frequentou o Colégio das Artes até 1828, quando se envolveu na luta contra os absolutistas, pelo que conquistou as insígnias de alferes (1834). Depois da guerra, ingressou na Universidade de Coimbra, onde se formou em Filosofia (1839) e Matemática (1840). Inscreveu-se seguidamente no curso de Estado-Maior da Escola do Exército, que terminou em 1842. 

Começou por ser colocado no Ministério da Guerra como arquivista, mas as suas qualificações rapidamente o guindaram à Comissão de Obras Públicas do Estado-Maior e ao Ministério do Reino, às ordens do inspetor-geral de Obras Públicas, Mouzinho de Albuquerque. Entre 1845 e 1851, chefiou as Direções de Obras Públicas do Minho e Beira Baixa, onde concebeu e executou projetos de estradas e elaborou estudos sobre rios, barras e portos do Minho e Beira Litoral. Criou ainda os serviços de quebramento de rochas na barra do Douro e fez as provas da ponte pênsil D. Maria II sobre este rio (no Porto). 

Em 1858, foi convidado a dirigir-se ao estrangeiro analisar obras hidráulicas. As fontes são dúbias quanto a ter aceite ou não o convite. Naquele ano, integrou o Conselho de Obras Públicas e Minas, órgão consultivo do Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, ao qual se manteve ligado até 1892 (como vice-presidente desde 1889).

Ao longo deste período, foi diretor de Obras Públicas de Ponta Delgada (1859) e Trás-os-Montes (1866), engenheiro-chefe da Companhia das Águas (1859–1861), inspetor de portos, barras e rios (1861 e 1864), inspetor e engenheiro-chefe da Primeira Divisão de Obras Públicas (1866 e 1876), membro da comissão encarregada de elaborar a lei geral ferroviária (1864, decretada em 31 de dezembro) e de demarcar a fronteira com Espanha (1873), fiscal dos estudos da linha do Vale do Lima (1876), da qual tinha sido promotor, e responsável pela identificação dos engenheiros, arquitetos e condutores ao serviço do ministério (1890).

Na hierarquia militar, chegou a tenente-coronel (1868), coronel (1874), general de brigada (1876) e de divisão (1881).

Simultaneamente, desenvolveu uma longa carreira parlamentar (como deputado por círculos alto-minhotos entre 1848 e 1878 e como par do reino a partir de 1880), intervindo sobretudo sobre vias de comunicação, portos, ensino/formação, exército e província do Minho. Afirmou que os caminhos de ferro prioritários deviam ligar-se à fronteira e só depois servir interesses internos; defendeu a necessidade de executar melhoramentos nas barras e também que o desenvolvimento do Minho passava pela articulação entre a viação acelerada e ordinária e os portos; mas alertava para a necessidade de os melhoramentos materiais serem implementados com consideração pela paisagem; defendeu ainda os interesses dos oficiais ao serviço das Obras Públicas ou em cargos científicos e, no campo da formação, esforçou-se por modernizar os programas das escolas superiores. 

Foi considerado incapaz para o serviço do Ministério da Guerra em 1881, mas manteve-se em atividade no Ministério das Obras Públicas até falecer em Lisboa em 28 de novembro de 1895.

Apesar de não ter seguido o percurso formativo usual de muitos engenheiros nacionais, Plácido Abreu foi um importante membro do grupo que no Parlamento, no Ministério das Obras Públicas e no terreno contribuiu para a modernização de Portugal na segunda metade do século XIX. Esteve presente em momentos fulcrais desse esforço de fomento (como a tentativa de definição de um plano geral de transportes ou a redação da lei geral ferroviária), muito embora tenha por vezes abusado da sua posição para defender interesses pessoais e da sua província contra a opinião dos seus colegas.

Hugo Silveira Pereira

Arquivos

Lisboa, Acervo Infraestruturas, Transportes e Comunicações, Processos Individuais, Cx. 1, Plácido António da Cunha e Abreu, PT/AHMOP/PI/001/050.

Lisboa, Arquivo Histórico Militar, Cx. 1014, processo individual de Plácido António da Cunha Abreu.

Bibliografia sobre o biografado

Album de contemporaneos illustres. Lisboa: Empreza do Album de Contemporaneos Ilustres, 1887, fasc. 3.

Costa, António José Pereira da. “Plácido António da Cunha e Abreu. General de Divisão (1809–1895).” In Os Generais do Exército Português, ed. António José Pereira da Costa, 2 (2): 113. Lisboa: Biblioteca do Exército, 2005.

Melo, Cristina Joanaz. “Plácido António de Cunha Abreu (1809–1895).” In Dicionário Biográfico Parlamentar, ed. Maria Filomena Mónica, vol. 1: 55–57. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais, 2005–2006.

Pereira, Hugo Silveira. “A política ferroviária nacional (1845–1899).” Dissertação de doutoramento. Porto: Universidade do Porto.

Ávila, Joaquim Tomás Lobo de (conde de Valbom)

Santarém, 15 novembro 1819 – Lisboa, 1 fevereiro 1901

Palavras-chave: École de Ponts et Chausées, caminhos-de-ferro, saint-simonismo, Regeneração.

DOI: https://doi.org/10.58277/QFGF3773

Joaquim Tomás Lobo d’Ávila (Joaquim Thomaz Lobo d’Avila) (Santarém, 15 de novembro de 1819 – Lisboa, 1 de fevereiro de 1901), Fidalgo-Cavaleiro da Casa Real e do Conselho de Sua Majestade, Grã-Cruz das Ordens de Cristo (Portugal), de São Maurício, São Lázaro e Sardenha (Itália) e da Rosa (Brasil), Cavaleiro da Ordem de Avis, foi um articulista, deputado, par, ministro, diplomata e engenheiro português que esteve intimamente ligado ao planeamento e execução da política de fomento do Fontismo e aos planos de modernização do país da segunda metade do século XIX. 

Era filho de Joaquim Anastácio Lobo d’Ávila, capitão de infantaria e grande proprietário no Ribatejo, e de Mariana Vitória de Mendonça Pessanha Mascarenhas. Foi casado (desde 19 de novembro de 1857) com Maria Francisca de Paula de Orta, filha de António José de Orta, um abastado empresário espanhol, o que lhe permitiu consolidar a sua fortuna pessoal (e assim manter a sua independência intelectual). O casal teve dois filhos: Leonor e Carlos Lobo d’Ávila (futuro parlamentar, ministro e um dos Vencidos da Vida).

Estudou no Colégio Militar, onde foi aluno brilhante. No Exército, assentou praça como aluno, aspirante (1839) e alferes de infantaria (1840). Neste ano, depois de ter completado no Colégio Militar os cursos preparatórios para a Escola Politécnica, matriculou-se nesta instituição. Foi também por esta altura (1841) que se iniciou na Maçonaria, na loja Filantropia, com o nome de Viriato.

Antes, em 1839, participou na fundação da Sociedade Escolástico-Filomática, juntamente com Rodrigo da Fonseca Magalhães, Rebelo da Silva e Almeida Garrett. Entre janeiro e agosto de 1840 a Sociedade publicou O Cosmorama Litterario, um semanário dedicado à divulgação literária e científica que defendia uma mudança da sociedade nacional pelo progresso intelectual em detrimento da revolução pelos motins armados. 

No entanto, em 1844, aderiu à revolta de Torres Novas contra Costa Cabral, na qual também participaram outros membros da futura elite tecnocrata nacional como Fontes Pereira de Melo, Vitorino Damásio ou João Crisóstomo de Abreu e Sousa. O golpe fracassou e Lobo d’Ávila fugiu para França. Em Paris, frequentou a École de Ponts et Chausées, como elevé libre. A abonada situação financeira da sua família permitiu-lhe a frequência deste plano de estudos. A partir de 1846, a sua ausência em Paris foi legitimada e apoiada pelo governo, que o passou a abonar com o soldo da sua patente acrescido de um bónus de 12 mil réis/mês.

Na capital francesa, privou com Nunes de Aguiar, Albino de Figueiredo, Sousa Brandão ou Gromicho Couceiro, homens que, como ele, viriam a desempenhar um papel relevante no programa de fomento da segunda metade do século XIX. Lobo d’Ávila terminou o curso com excelentes classificações, tendo também participado nos trabalhos práticos das obras públicas francesas. Além dos ensinamentos em Engenharia, estudou Geologia, Economia Política e Direito Administrativo.

Antes de regressar a Portugal, em 6 de junho de 1848, presenciou os eventos da Revolução de 1848, a cujos princípios aderiu, tendo inclusivamente cumprimentado o novo governo da República Francesa.

De novo em Portugal, ingressou na carreira de Obras Públicas a 15 de novembro de 1849 como engenheiro em Santarém, segundo o próprio, a pedido do ministro da Fazenda, António José de Ávila, que lhe garantiu que isso nada tinha de político. Contudo, foi-lhe alegadamente dito que devia abster-se de manifestações políticas caso quisesse manter o cargo. Lobo d’Ávila pediu então a demissão e exilou-se em Torres Novas.

Voltou às lides jornalísticas, tendo fundado em janeiro de 1850 Atheneu: Jornal Litterario, d’Administração e Economia Social, juntamente com homens que formariam parte da elite que tomaria conta dos destinos do país na segunda metade de Oitocentos: António de Serpa, Andrade Corvo ou Albino de Figueiredo, a quem se juntaram mais tarde João Crisóstomo, Daniel da Silva ou Casal Ribeiro. 

No seu primeiro número, o Atheneu praticamente listou todos os princípios saint-simonistas que norteariam a política da Regeneração: Portugal era um país atrasado e o caminho para o progresso passava, não pelas revoluções políticas, mas sim pela aplicação dos preceitos da ciência e pelo investimento no desenvolvimento tecnológico, numa simbiose entre iniciativa privada e apoio público. Nos meses seguintes, os seus membros discutiram questões ligadas às obras públicas, à ciência, ao desenvolvimento dos transportes e à reforma administrativa do Estado, de modo que o Atheneu funcionou como um protótipo do Conselho de Obras Públicas.

Nos 15 meses que durou a publicação, Lobo d’Ávila assinou 17 textos, nos quais mostrou a sua adesão ao saint-simonismo, defendendo que a regeneração do país se faria pela melhoria das vias de comunicação, introdução de práticas científicas, paz social e política, reforma administrativa do Estado, facilitação do crédito, liberalização do regime de propriedade e reforma das pautas (no sentido de uma proteção moderada à indústria), incluindo uma união aduaneira com Espanha. Com a criação de uma tarifa alfandegária ibérica única, as mercadorias procurariam naturalmente o porto mais conveniente. Lisboa seria a grande beneficiada, em virtude da sua vantajosa posição geográfica, sobretudo se fosse servida de uma ferrovia até Madrid. Lobo d’Ávila dedicou um artigo ao caminho-de-ferro após uma companhia inglesa ter apresentado ao governo uma proposta para a construção da linha de Lisboa a Badajoz. Considerou o projeto “esperançoso”, com um prazo (quatro anos e meio) e uma garantia de juro (4%) razoáveis, mas um orçamento (3 mil contos) insuficiente (deveria ser de 3600 contos). A maior preocupação de Lobo d’Ávila era, porém, a execução de um estudo prévio para um sistema geral de transportes. Esta foi uma necessidade defendida por outros camaradas seus (e novamente por ele próprio em 1854) ao longo de toda a segunda metade de Oitocentos, mas que só foi atendida pelo governo no final da centúria com a lei de 14 de julho de 1898. 

Em Fevereiro de 1851 tornou-se regente da cadeira de caminhos-de-ferro da Escola do Exército. A nomeação era o reconhecimento da sua competência, uma vez que a política de contratação de docentes da Escola obedecia principalmente ao critério do mérito no sentido de se tornar uma instituição de prestígio.

Advinda a Regeneração, fez parte (juntamente com o barão da Luz, Almeida Garrett, Joaquim Larcher e Pereira da Silva) da comissão nomeada pelo governo para apreciar a proposta feita pelo britânico Hardy Hislop para construir o caminho-de-ferro de Lisboa à fronteira. Lobo d’Ávila era o mais bem preparado elemento para apreciar a proposta. O relatório final, de 20 de outubro de 1851, por ele redigido, rejeitava-a e recomendava a abertura de concurso, que viria a ser ganho pelo inglês. O parecer não se limitou à análise da proposta de Hislop, tendo refletido sobre vários outros aspectos ligados à ferrovia: vantagens económicas e políticas, forma de construção (Estado ou iniciativa privada), tipo de subsídio público concedido (no caso de se optar pela construção por privados), melhor diretriz para a linha internacional, problemática das ligações fronteiriças (necessidade de um acordo prévio com Espanha), características técnicas da via e custo previsto. 

Mais tarde, quando o contrato se encontrava em discussão no parlamento, Lobo d’Ávila defendeu-o, não só como deputado mas também num opúsculo publicado em 1853, validando a ação do governo na subscrição de um terço do capital, justificando o alto valor do orçamento (era uma linha internacional de via dupla preparada para grandes velocidades), explicando os factores que influíam no custo da ferrovia e legitimando o subsídio concedido ao concessionário (semelhante ao praticado noutras nações).

Em 14 de outubro de 1852, já como tenente, foi nomeado secretário do Conselho Superior de Obras Públicas, o órgão consultivo do ministério que reunia a elite técnica nacional. A acumulação deste cargo com a de deputado e com a de fiscal do governo na linha do leste (desde 29 de novembro de 1856), forçou-o a deixar o ensino na Escola do Exército (a 9 de dezembro de 1856). Em 24 de abril de 1861, foi promovido a inspetor de Obras Públicas, mas manteve-se ligado àquele corpo consultivo (com suas diferentes denominações) quase ininterruptamente até 1880 e depois de 1892, firmando centenas de pareceres e desempenhando muitas vezes a importante função de relator. Em 1895 e 1899 chegou a vice-presidente daquele órgão (o presidente era por inerência o ministro).

No Conselho Superior, Lobo d’Ávila esteve no centro da discussão sobre a modernização do país, na medida em que aquele órgão era ouvido sobre todas as questões ligadas a obras públicas e minas, incluindo detalhes técnicos e administrativos. Lobo d’Ávila esteve assim ligado ao debate técnico-administrativo sobre a melhoria das condições sanitárias das cidades, sobre a formação de engenheiros, sobre a introdução de novas formas de locomoção, 

sobre a construção de portos, estradas e caminhos-de-ferro (incluindo a importante questão da definição de um sistema geral de transportes) tendo sempre em mente o grande objetivo que norteou o Fontismo de ligar os ancoradouros do litoral à fronteira e assim aproveitar a favorável posição geográfica do país no extremo ocidental da Europa.

Além da carreira no ministério das Obras Públicas, Lobo d’Ávila teve também uma longa carreira parlamentar. Esteve na câmara baixa entre 1853 e 1874 (falhando apenas a legislatura de 1857–1858). Fez parte das comissões de Fazenda e Obras Públicas, desempenhando por várias vezes o papel de relator. Intervinha no hemiciclo muito frequentemente, defendendo a construção de caminhos-de-ferro, um maior investimento na formação de engenheiros ou a necessidade de reformas administrativas, sem embargo de também se integrar nas lutas puramente político-partidárias. 

Começou por militar no Partido Regenerador, mas afastou-se deste grupo em 1859. Neste ano, ainda nos regeneradores, liderou os ataques parlamentares exigindo a rescisão do contrato com Morton Peto (para construir a linha Porto-Lisboa) que levaram à queda do governo histórico. Porém, não seria convidado para o executivo regenerador seguinte. O afastamento terá sido assim motivado por ambição pessoal. Por outro lado, Lobo d’Ávila sempre defendeu posições progressistas que não se coadunavam com o conservadorismo regenerador. Aliás, quando foi convidado para o governo histórico em 1862, integrou a facção mais radical do partido, a chamada unha negra (em oposição à unha branca, mais conservadora). 

Em 1860, fundou o jornal A Politica Liberal, de oposição ao Partido Regenerador, mas que não se coibia de criticar os históricos, como por exemplo no caso das aclarações do contrato Salamanca (para as linhas de norte e leste). Lobo d’Ávila fundou ainda o Commercio de Lisboa (1863–1865) e a Gazeta do Povo (1869–1872), tendo também colaborado n’A Revolução de Setembro, Civilização e Revista Universal. Apesar da alta taxa de analfabetismo em Portugal no século XIX, a imprensa revestiu-se de uma grande importância para a sociedade e a política nacionais da época, como meio de defesa dos respetivos programas e ideologias políticas, e no caso dos engenheiros, para a defesa da política de melhoramentos materiais e dos seus interesses corporativos. Lobo d’Ávila desempenhou também um relevante papel neste palco. 

Foi com os históricos e com o marquês de Loulé que sobraçou pela primeira vez a pasta de ministro: em 21 de fevereiro de 1862 foi nomeado titular da Fazenda, posto que ocupou até 5 de março de 1865 e que acumulou interinamente com a pasta das Obras Públicas entre 12 de setembro e 6 de outubro de 1862 (tendo sido entrementes promovido a capitão, em 1864). Como ministro, procurou aplicar os princípios que defendera anteriormente, consolidando o crédito nacional, instituindo o crédito predial, reformando os serviços aduaneiros e a Casa da Moeda, gerindo o financiamento da construção das linhas de norte e leste e abolindo o monopólio do tabaco, o regime vincular e os morgados.

Entretanto, subia na hierarquia da Maçonaria, chegando ao posto de Venerável e de Grão-Mestre da Confederação Maçónica (1863). Em Março de 1864, não conseguiu a reeleição como Grão-Mestre, constituindo em Maio seguinte a Confederação Maçónica Progressista de Portugal.

Em finais da década de 1860, foi uma das faces da oposição ao governo das economias do partido reformista (1868–1869), que pôs em causa a política de melhoramentos materiais e atingiu a própria classe dos engenheiros. Em 1868, Lobo d’Ávila e João Crisóstomo expunham a indispensabilidade da existência do corpo de engenharia civil (criado quatro anos antes e ameaçado de extinção pelo governo reformista neste ano), pois sem engenheiros civis, Portugal parava o seu processo de modernização e afastava-se das restantes nações europeias. O opúsculo era uma clara demonstração de que os engenheiros se viam como verdadeiros defensores do interesse público. A oposição àquela política manifestou-se também na formação em 1869 da Associação de Engenheiros Civis Portuguezes de que Lobo d’Ávila foi membro fundador. 

Em 1869, os históricos regressaram ao poder, confiando a Lobo d’Ávila as pastas das Obras Públicas e Guerra (11 de agosto de 1869 a 19 de maio de 1870). Como titular das Obras Públicas, reformou o serviço técnico do ministério, os serviços geodésicos e geológicos, os correios e o ensino industrial e agrícola e ordenou a execução de obras na praça do Campo Grande. A sua carreira como ministro foi interrompida pela Saldanhada de 19 de maio de 1870. 

Em 1873, foi promovido a major e em 1874 publicou Estudos de administração, que lhe valeu a nomeação como sócio efetivo da Academia Real das Ciências. Na obra, repleta de comparações com realidades internacionais, o autor retoma a defesa de uma descentralização administrativa, do privilégio do papel do município, de uma maior relevância do parlamento na elaboração dos regulamentos às leis, da criação de um contencioso administrativo e da reforma do Conselho de Estado.

Em 16 de maio de 1874, foi nomeado Par do Reino e a 7 de maio de 1875 foi-lhe atribuído o título de conde de Valbom. 

Na câmara alta do parlamento, manteve-se um parlamentar ativo, se bem que menos interventivo do que na câmara dos deputados. Integrou novamente as comissões de Fazenda e Obras Públicas, sendo convidado várias vezes para relator. 

Com a morte do duque de Loulé (1875), Lobo d’Ávila afastou-se da política partidária e da carreira técnica e enveredou por uma carreira diplomática. Entre 1876 e 1878 foi ministro plenipotenciário em Madrid, com instruções para suster junto do governo espanhol as influências dos partidos políticos locais que defendiam a União Ibérica. Por esta razão, não participou na grande discussão sobre o plano geral da rede ferroviária que teve lugar pela mesma altura na Associação de Engenheiros Civis.

De regresso a Portugal, foi indigitado conselheiro de Estado. Em 1881, foi nomeado para a comissão de inquérito industrial. Em 1883 ascendeu a coronel de engenharia e três anos depois foi promovido na carreira de Obras Públicas a engenheiro de primeira classe. 

Voltou à carreira diplomática em 1886 como enviado extraordinário em Paris, onde foi incumbido da missão de cativar França para o lado português na questão do mapa cor-de-rosa. Ainda em Paris, ordenou a cópia na Biblioteca Nacional de vários documentos dos séculos XVI a XVIII referentes a Portugal, que haviam sido extraviados para França durante a invasão napoleónica de 1808. 

Regressou a Portugal e à política ativa em 1890, no rescaldo da crise do Ultimato. Integrou o governo apartidário do seu camarada João Crisóstomo, no qual sobraçou a difícil pasta dos Negócios Estrangeiros (de 21 de maio de 1891 a 17 de janeiro de 1892) e interinamente a da Marinha e Ultramar. Lobo d’Ávila acompanhou apenas a fase final das negociações com Inglaterra, mas foi ele quem assinou o tratado de 11 de Junho de 1891. Coube-lhe também negociar com Londres a renovação do Tratado da Índia de 1878, que expirava no início de 1892 e que significava o fim de uma compensação de 160 contos anuais com os quais Portugal pagava a garantia de juro do caminho-de-ferro e porto de Goa. As negociações seriam interrompidas pelo negociador inglês e o acordo não seria renovado. 

Esta foi a última experiência governamental de Lobo d’Ávila, após o que voltou aos trabalhos de engenheiro: em 1892, voltou ao Conselho Superior de Obras Públicas, fez parte da comissão encarregada de examinar as reclamações dos empreiteiros do porto de Lisboa e tornou-se inspetor de primeira classe dos edifícios públicos; em 1899 ascendia à categoria de inspetor-geral. Até à sua morte em 31 de Janeiro de 1901 dedicou-se aos afazeres da sua arte, sendo considerado pelos seus pares na hora fatídica como o decano dos engenheiros portugueses. 

Um revolucionário em jovem, Lobo d’Ávila tornou-se em Paris um fiel seguidor dos ideais saint-simonianos, de modo que quando regressou a Portugal já estava convicto de que a regeneração do seu país não passava pelas barricadas da revolução, mas sim pela paz social e pelo conhecimento técnico-científico, que fomentassem o desenvolvimento dos transportes, a facilitação do crédito e o progresso dos que produziam riqueza. Desde a década de 1840 fez parte e conviveu com um grupo de homens que apoiavam os mesmos ideais de progresso e com quem partilhou quase ininterruptamente até à sua morte a sala de reuniões do Conselho de Obras Públicas, as bancadas do parlamento ou as cadeiras do governo. Lobo d’Ávila não era um técnico de campo como outras camaradas seus, embora estivesse habilitado para tal. Como engenheiro-político ou econo-engenheiro, a sua ação fez-se sentir sobretudo no planeamento e execução ao mais alto nível do Estado de um projeto estratégico de modernização do país. Sem nunca atingir o protagonismo político de homens como Fontes Pereira de Melo, António José de Ávila ou Luciano de Castro, Lobo d’Ávila, conde de Valbom, foi um dos principais atores do Fontismo, tendo perseguido ao longo da sua carreira como ministro, parlamentar e engenheiro os ideais saint-simonianos do progresso.

Hugo Silveira Pereira

Arquivos

Lisboa, Acervo Infraestruturas, Transportes e Comunicações, processo individual de Joaquim Tomás Lobo d’Ávila.
Lisboa, Arquivo Histórico Militar, Cx. 1751, processo individual de Joaquim Tomás Lobo d’Ávila.
Paris, École National de Ponts et Chausées. Correspondance au directeur: 1847-1851.

Obras 

Lobo d’Ávila, Joaquim Tomás. 1850a. “Caminho de ferro de Lisboa á fronteira.” Atheneu 47, 24 de novembro.

—. “Condições de que depende o progresso da nossa industria.” O Atheneu 3 (20 de janeiro 1850b).

—. “Da importancia dos estudos de economia politica.” O Atheneu 15 (14 de abril 1850c).

—. “Do ensino profissional, e noviciado administrativo, como base da carreira d’administração publica.” O Atheneu 8 (10, 19 e 22, 24 de fevereiro, 10 de março, 12 de maio e 2 de junho 1850d).

—. “Protecção e liberdade do commercio.” O Atheneu 27, 37 e 41, 7 de julho, 15 de setembro e 13 de outubro.

—. Reflexões sobre o contracto para a construcção do caminho de ferro de leste. Lisboa: IN, 1853.

—. Estudos de administração. Lisboa: Tipografia Universal, 1874.

Sousa, João Crisóstomo de Abreu e, e Joaquim Tomás Lobo d’Ávila. Exposição dirigida pelos conselheiros João Chrysostomo d’Abreu e Sousa e Joaquim Thomaz Lobo d’Avila ao Ex.mo Sr. Marquez de Sá da Bandeira Presidente do Conselho de Ministros em nome dos Engenheiros Civis Portugueses. Lisboa: IN, 1868.

Bibliografia sobre o biografado

Macedo, Marta Coelho de. Projectar e construir a nação. Engenheiros e território em Portugal (1873-1893). Coimbra: Universidade de Coimbra, 2009.

Matos, Ana Cardoso de. “Asserting the Portuguese Civil Engineering Identity: the Role Played by the École des Ponts et Chausées.” In Jogos de Identidade Profissional: os Engenheiros entre a Formação e a Acção, ed. Ana Cardoso de Matos et al., 177-208. Lisboa: Colibri, 2009.

Matos, Ana Cardoso de e Maria Paula Diogo. “Le Rôle des Ingénieurs dans l’Administration Portugaise, 1852-1900.” Quaderns d’Història de l’Enginyeria 10 (2009): 351-365.

Mónica, Maria Filomena. “Joaquim Tomás Lobo de Ávila (1819-1901).” In Dicionário Biográfico Parlamentar, ed. Maria Filomena Mónica, vol. 1, 244-247. Lisboa: ICS, 2005–2006.

Revista de Obras Públicas e Minas, 33, 1902, 14-19