Valadares, Manuel José Nogueira

Lisboa, 26-02-1904 — Paris, 31-10-1982

Palavras-chave: Investigação, Física Atómica, Física Nuclear, Espetrografia.

Manuel Valadares foi um físico que pertenceu à primeira geração de cientistas portugueses formados no estrangeiro e que, regressado a Portugal, pugnou pela introdução da investigação científica na universidade. Integrou o Laboratório de Física da Faculdade de Ciências, onde criou uma escola de investigação na área da física atómica e nuclear. Vítima das purgas de 1947, abandonou o país continuando uma carreira de sucesso em França.

Manuel José Nogueira Valadares nasceu em Lisboa, a 26 de fevereiro de 1904. Os pais, Manuel António Alves Valadares, empregado de comércio, e Maria da Conceição Nogueira Valadares, doméstica, residiam nesta data na Travessa de Santa Gertrudes, atualmente Rua Doutor Teófilo Braga, na freguesia da Lapa.

Valadares frequentou o Liceu Central de Pedro Nunes, de 1913 a 1921. Em novembro de 1919, o jovem Valadares teve a oportunidade de assistir a uma pequena lição de física, proferida por Jean Baptiste Perrin (1870-1942), físico francês, galardoado com o prémio Nobel da física em 1926, pelo estudo do movimento browniano que validava a estrutura descontínua da matéria e permitia calcular a dimensão dos átomos. Na visita ao Liceu de Passos Manuel, Perrin falou aos alunos, feliz por poder fazer despertar neles o gosto pela ciência. Foi uma experiência que Valadares recordaria, em fevereiro de 1943, numa sessão comemorativa do primeiro aniversário da morte daquele físico. A descrição de experiências que exigiam aparelhagem muito simples impressionou-o e poderá ter influenciado a sua decisão de prosseguir uma carreira de investigação dedicada à física. 

Valadares licenciou-se em Ciências Físico-Químicas na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, em 1926. Começou por lecionar no Liceu Pedro Nunes como professor provisório, nos anos letivos de 1926-27 e 1927-28, no mesmo liceu em que foi aluno e onde conheceu, como professor, Armando Cyrillo Soares (1883-1950), que seria nomeado diretor do Laboratório de Física da Universidade de Lisboa, em 1930. Pela mesma altura, em 1927, foi contratado como assistente de física daquela faculdade, onde lhe foi possível dedicar-se exclusivamente ao ensino e à investigação. Em 1929, aceitou colaborar com o Instituto Português para o Estudo do Cancro (designado Instituto Português de Oncologia, em 1930) na qualidade de assistente de física no campo do tratamento oncológico, com recurso ao elemento químico rádio. Esta experiência acabou por conduzi-lo à investigação em física atómica e em física nuclear. 

Em 1929, o país atravessava, no que respeita à investigação científica, um momento de entusiasmo. Em janeiro nascia a Junta de Educação Nacional (JEN), uma instituição que, apesar dos orçamentos modestos, passou a conceder bolsas de estudo no país e no estrangeiro e a apoiar o apetrechamento de laboratórios. Em setembro, Valadares requeria ao presidente da JEN uma bolsa para frequentar o Radium Institut Suisse de Genebra e o curso da Faculdade de Ciências desta cidade, durante os meses de novembro a junho, para desenvolver conhecimentos e aperfeiçoar a técnica respeitante à parte física do rádio. Esta formação foi recomendada por Francisco Soares Branco Gentil (1878-1964), diretor do Instituto do Cancro, que planeava oferecer-lhe a direção do laboratório de física do Instituto nos dois anos seguintes. No entanto não é claro se Valadares assumiu formalmente este compromisso pois, terminado com êxito o ano de especialização, decidiu realizar doutoramento sob a supervisão de Marie Skłodowska Curie (18671934), para o qual obteve nova bolsa da Junta. O primeiro passo da carreira de investigação universitária foi dado no Laboratório Curie do Instituto do Rádio de Paris, de 1930 a 1933. O grau de doutor em ciências físicas com menção très honorable, foi-lhe concedido a 11 de dezembro de 1933, com a tese titulada Contribution à la spectrographie, par diffraction cristalline, du rayonnement gamma

Valadares regressou a Portugal ao Laboratório de Física num período de grave crise financeira sequência da Grande Depressão americana. A Junta de Educação Nacional restringiu ainda mais o seu orçamento, nomeadamente a rubrica de apetrechamento de laboratórios, o que condicionou a realização do projeto de investigação de Valadares. Este projeto devia seguir o rumo traçado em Paris, numa área que, no início da década de 1930, ainda era designada por radioatividade, mas em evolução para a física nuclear. Como ponto de partida tanto do ponto de vista científico, como do económico, era aconselhável montar instalações para estudar as radiações emitidas pelos átomos – a radiação gama com origem no núcleo (área da física nuclear) e a radiação X proveniente de camadas eletrónicas mais próximas desse núcleo em átomos com elevado número de eletrões (área da física atómica). A primeira etapa era montar uma instalação produtora de raios X e um espectrógrafo do tipo Cauchois, aparelho destinado a fornecer o espectro desta radiação e cujo estudo se designava por espetrografia de raios X. Não tendo a Junta concedido qualquer subsídio ao Laboratório de Física Valadares decidiu usar o seu engenho na construção da aparelhagem de que necessitava. O total apoio do diretor do Laboratório de Física, Cyrillo Soares, permitiu localizar no Laboratório de Química e na arrecadação do Laboratório de Física as componentes essenciais da instalação para produzir raios-X. Um marceneiro construiu um espetrógrafo em madeira, com o qual foram realizadas as experiências para determinar as características do instrumento a encomendar e que seria entregue no ano seguinte. 

Foram vários os trabalhos efetuados por Valadares nestes primeiros tempos. Em 1937-38, o Instituto para a Alta Cultura (IAC), sucessor da Junta, concedeu a Valadares uma bolsa de estudo destinada à elaboração de um projeto para instalar no Museu de Arte Antiga um serviço de análise de obras de arte através de exame radiológico. A sua experiência neste domínio tinha sido adquirida durante a estada em Paris, em 1930-31, no Institut Mainini que se dedicava à investigação de obras de arte do Louvre. Em 1938, publicou “Étude des satellites La, de l’élément 82 (Pb)“, em Comptes Rendus de l’Académie des Sciences de Paris. Em simultâneo, o trabalho com o título “Análise, por espetrografia de Raios X, de transmutações naturais e provocadas” foi distinguido pela Academia das Ciências de Lisboa, com o Prémio Artur Malheiros (Ciências Físico-Químicas), em 1939. Durante 1940 e 1941, o IAC concedeu-lhe uma bolsa para, no laboratório de física do Instituto di Sanitá Pubblica de Roma, se dedicar a um projeto de identificação do elemento químico ástato. O estudo foi publicado no Rendiconti del Instituto di Sanitá Pubblica e deveria ser continuado em Portugal, se fosse possível aceder a uma quantidade de rádio substancial, o que não sucedeu. Estes são marcos da carreira de Valadares no âmbito da física atómica utilizando, essencialmente, a espetrografia de raios X, em que usou inicialmente equipamento improvisado, substituído parcialmente, em 1948 e totalmente em 1959.

Tanto Valadares como os seus sucessores no Laboratório de Física se empenharam em dar sequência aos estudos inaugurais de física atómica, pelo que Valadares foi reconhecido como o fundador desta disciplina em Portugal. 

Foi mais difícil iniciar o projeto de investigação na área da física nuclear. Em 1938, Valadares tinha tentado investigar a radiação gama emitida na transmutação do chumbo em bismuto, que se encontra na fase final no decaimento radioativo do gás rádon. Foi obrigado a abandonar este projeto devido aos maus resultados obtidos. Nova oportunidade surgiu em 1942, após a missão em Roma, e quando Valadares supervisionou as teses de doutoramento de assistentes de física das Faculdades de Ciências: Lídia Coelho Salgueiro (1917 -2009) de Lisboa, Carlos de Azevedo Coutinho Braga (1899-1982), e José Sarmento de Vasconcelos e Castro (1899 -1986) do Porto. Enquanto este se dedicou à física atómica, em que se doutorou com a dissertação Estudo das riscas satélites La do ouro, em 1945, os dois primeiros abordaram temas distintos da física nuclear. Lídia Salgueiro retomou o estudo que Valadares havia abandonado em 1938, possibilitado por uma oferta de rádon (envelhecido) do Instituto de Roma. Para o efeito foi adaptado um espetrógrafo de raios X pertencente ao Laboratório de Química, munindo-o de um cristal de sal-gema acionado por um sistema de relojoaria que lhe comunicava um movimento oscilatório. A tese de doutoramento, intitulada Espectro gama dos derivados de vida longa do Radão foi apresentada em dezembro de 1945. Carlos Braga utilizou a espetrografia magnética para investigar a emissão eletrónica (radiação beta) proveniente da mesma transmutação estudada por Lídia Salgueiro. Sendo engenheiro eletrotécnico de formação não teve dificuldade em construir a aparelhagem com a qual obteve os resultados que lhe permitiram apresentar a tese de doutoramento Estudo da transformação RaD (Chumbo-210)RaE (Bismuto-210) por espetrografia magnética da radiação beta secundária, em 1944. Estas realizações foram notáveis já que, na altura, o doutoramento nas Faculdades de Ciências era um acontecimento raro. 

Valadares integrou também o Núcleo de Matemática, Física e Química, fundado em 1936, por ex-bolseiros da Junta de Educação Nacional no estrangeiro. Entre eles contavam-se os físicos Herculano Amorim Ferreira (1895 -1974), António da Silveira (1904 -1985), professor do Instituto Superior Técnico e o matemático António Aniceto Ribeiro Monteiro (1907 -1980), todos eles, excetuando o primeiro que se formou em Londres, formados em Paris. O Núcleo tinha o apoio do presidente do IAC, Augusto Celestino da Costa (1884 -1956), que via com bons olhos a implementação de organizações similares pelo Ministério da Educação Nacional, onde a atividade docente e a de investigador se pudessem complementar. O projeto do Núcleo era ambicioso, visando a realização de cursos e seminários de ciência moderna, de nível europeu, “autenticamente superiores”, sobre matérias que não constavam dos programas. Nesta iniciativa colaboraram os professores de matemática Bento de Jesus Caraça (1901 -1948), de Lisboa, e Rui Luís Gomes (1905-1985), do Porto. Os cursos iniciaram-se em 16 de novembro de 1936, versando temas muito variados e tendo sido publicados em livro com o apoio do IAC. Foi, no entanto, uma atividade efémera que terminou devido a desavenças, em novembro de 1939, mas o espírito do Núcleo, envolvendo físicos e matemáticos, perduraria.

Em 1930, o Laboratório de Física foi uma exceção no panorama científico português, não só pelos resultados obtidos por Valadares, mas principalmente porque Cyrillo Soares definiu uma nova estratégia para o seu laboratório, uma vez que considerava que os laboratórios universitários não se deviam restringir ao ensino, mas estender-se à investigação. Este projeto tornou-se possível com a criação da Junta de Educação Nacional, mas, no campo da física, Cyrillo Soares foi o único diretor a obter resultados, que começaram com o doutoramento dos assistentes no estrangeiro, primeiro Amorim Ferreira, em Londres, depois Valadares e, em seguida, Aurélio Marques da Silva (1905 -1965), também em Paris. Apesar da iniciativa ter sido de Cyrilo Soares, foi a partilha da liderança por Valadares que permitiu o seu êxito, conduzindo a uma escola de investigação, de que os alunos mais notáveis foram Lídia Salgueiro e Armando Carlos Gibert (1914 -1985).

Em maio de 1945, a II Guerra Mundial chegou ao fim. Para muitos opositores ao Estado Novo, a vitória dos aliados significava que também este regime tinha os seus dias contados, tanto mais que, a 6 de outubro, a Assembleia Nacional foi dissolvida e as eleições legislativas marcadas para 18 de novembro. Apesar do curto período concedido para preparar candidaturas, o entusiasmo cresceu perante a suspensão da censura e a autorização de algumas reuniões políticas da oposição democrática, após requerimento aos governadores civis. Alguns investigadores e professores universitários participaram ativamente, principalmente em artigos nos jornais. Em 22 de Outubro, Valadares dava uma entrevista ao República, em que manifestava a sua preocupação pela falta de apoio dos governantes à investigação, embora reconhecesse a criação da Junta de Educação Nacional, em 1929, como a medida mais importante para alterar o panorama científico-cultural português. Contudo, considerava que, passados dezasseis anos, o balanço era insatisfatório, principalmente porque muitos bolseiros tinham desistido e outros trabalhavam com pouquíssimo rendimento. Como alternativa, propunha a criação de uma “Junta de Investigação Científica” que deveria avaliar as necessidades do país no domínio da investigação e promover o envio em massa de estudantes para adquirirem, no estrangeiro, a formação e especialização que não encontravam em Portugal. A participação eleitoral culminou na criação do Movimento de Unidade Democrática (MUD), cuja comissão consultiva, com perto de uma centena de nomes, incluía Rui Luís Gomes e Valadares.

A carreira de Valadares em Portugal terminou com uma nota oficiosa do governo, que o Diário de Lisboa de 15 de junho de 1947, intitulava “O Governo resolveu afastar do serviço efetivo por motivos de ordem política alguns oficiais e professores”. Os três investigadores mais dinâmicos do Laboratório de Física, Valadares, Marques da Silva e Gibert, encontravam-se entre os 21 professores abrangidos por esta decisão. Valadares, nomeadamente, contestou formalmente a ausência de fundamento para os motivos alegados, mas a sua defesa foi ignorada. O resultado imediato foi o pedido de aposentação de Cyrillo Soares e, a curto prazo, a escola de investigação foi descaracterizada, embora a dinâmica da investigação viesse a ser retomada mais tarde no Laboratório de Física, sob a liderança de Julio Palacios.

Forçado a abandonar a Faculdade de Ciências, Valadares exílou-se em Paris, onde foi acolhido no Laboratoire de l’Aimant Permanent, sob a direção do físico de origem russa, Salomon Rosenblum (1896-1959). A colaboração entre os dois físicos remontava ao início da década de 1930, na altura em que Valadares preparava o doutoramento no Laboratório Curie e em que foram co-autores de dois trabalhos, um dos quais sobre a estrutura fina da radiação alfa, publicado em 1932. Voltaram a encontrar-se em Lisboa, em fins de 1941, quando Valadares ajudou Rosenblum e sua família a fugir para Nova Iorque, na sequência da perseguição antissemita, na França ocupada pela Alemanha. Em 1947, o Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS) concedeu a Valadares o estatuto de chargé de recherches, a que se seguiu em 1948, maître de recherches e, em 1957, directeur de recherches. Em 1948, Valadares e Rosenblum publicaram o primeiro trabalho depois do reencontro, a que se seguiram 27 trabalhos, dos quais 19 incluiram outros investigadores. Valadares sucedeu a Rosenblum na direção do Laboratoire de l’Aimant Permanent, após o seu falecimento, em 1959, e manteve a direção quando este laboratório mudou a designação para Centre de Spéctrométrie Nucléaire et de Spéctrométrie de Masse, em 1962. Em 1968 cessou funções a seu pedido e, em junho de 1969, foi nomeado diretor honorário deste centro. Entre 1947 e 1971 publicou 38 trabalhos, o último dos quais no Journal de Physique. Reconhecendo a importância da sua publicação em revistas francesas e estrangeiras, a Academia das Ciências de Paris concedeu-lhe o prémio Lacaze, em 1966. 

No mesmo ano, o cônsul de Portugal em França recusou-lhe a renovação do passaporte, pelo que Valadares requereu a naturalização francesa, só voltando a Portugal por pouco tempo, em janeiro de 1977, já após o derrube do regime ditatorial. Em 1979, o governo português conferiu-lhe o Grau de Grande Oficial da Ordem Militar de Santiago da Espada, em reconhecimento pelos serviços prestados ao país. Em 1981, foi-lhe concedido o grau de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Lisboa e, após o seu falecimento, em 31 de outubro de 1982, o anfiteatro do Laboratório de Física no anterior edifício da Faculdade de Ciências na rua da Escola Politécnica, passou a designar-se Auditório Manuel Valadares.

Júlia Gaspar

Luisier, Afonso (Alphonse Luisier)

Fregnoley, Valais, Suíça, 6 fevereiro 1872 — Caldas da Saúde, Santo Tirso, 4 novembro 1957

Palavras-chave: Brotéria, Botânica, Briologia, Companhia de Jesus.

DOI: https://doi.org/10.58277/ZPTI3206

Nascido na Suíça, a 6 de fevereiro de 1872, Afonso Luisier, S.J. ingressou na Companhia de Jesus no Noviciado do Barro, em Torres Vedras, a 2 de outubro de 1891. A decisão de fazer o noviciado em Portugal prendia-se com o seu desejo de vir a ser missionário na Zambésia, missão que estava sob a alçada dos jesuítas portugueses. Depois de ter completado o noviciado e de ter estudado um ano de retórica, foi professor em Lons-le-Saunier (França) e em Guimarães entre 1894 e 1897. Estudou filosofia e ciências naturais em Lyon (1898), no Noviciado do Barro (1899), no Colégio de São Francisco, em Setúbal (1900), e na Escola Apostólica de Guimarães (1901), e cursou teologia em Innsbruck, Áustria, entre 1902 e 1906, onde foi ordenado sacerdote a 26 de julho de 1906. De regresso à Província Portuguesa da Companhia de Jesus, a que pertencia oficialmente desde o seu ingresso no noviciado, foi destacado para o Colégio de Campolide, em Lisboa, onde foi professor de química, física e história natural até 1910. 

Entre 1902 e 1932, Luisier foi um dos mais profícuos autores da Brotéria, a revista de ciências naturais dedicada à identificação e descrição de novas espécies de animais e plantas, fundada pelos jesuítas portugueses no Colégio de São Fiel, em Louriçal do Campo, Castelo Branco, em 1902. A maioria dos seus trabalhos versava sobre a identificação e descrição de novas espécies de briófitas na Península Ibérica, nas ilhas da Madeira e Açores e no Brasil. Dedicou grande parte da sua carreira a estudar a flora briológica da Madeira, tendo começado por publicar, entre 1917 e 1922, uma série de artigos na Brotéria-Botânica intitulada Les Mousses de Madère. Depois de ter estado doze vezes na Madeira, iniciou uma nova série de artigos intitulada Les Mousses de l’Archipel de Madère et en général des Îles Atlantiques, publicada entre 1927 e 1945. Ao longo da sua carreira, descobriu e descreveu dezoito novas espécies e treze novas variedades de musgos, tendo constituído uma importante colecção de briófitas que, actualmente, se encontra no Instituto Nun’Alvres em Santo Tirso. De acordo com a origem geográfica dos espécimes, esta colecção de musgos divide-se em três secções distintas: Bryotheca Europaea, Bryotheca Atlantica e Bryotheca Exótica. Apesar de ter publicado a maioria dos seus trabalhos na Brotéria, Luisier publicou também alguns artigos no Boletim da Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais, nos Anais Científicos da Academia Politécnica do Porto, no Boletim da Sociedade Broteriana, na Revista Agronómica e em actas de congressos organizados pela Asociación Española para el Progreso de las Ciencias ou pela sua congénere portuguesa.

No início da sua carreira científica, Luisier correspondeu-se com alguns dos mais conceituados botânicos portugueses da sua geração, como Gonçalo Sampaio (1865–1937), Júlio Henriques (1838–1928) e Joaquim de Mariz (1847–1916). A colaboração com estes botânicos terá começado, pelo menos, em 1902, ano de fundação da Brotéria. Nesse ano, publicou no Boletim da Sociedade Broteriana um catálogo da flora de Setúbal e da Serra da Arrábida, no qual constavam cerca de mil espécies diferentes e para o qual contara com a colaboração destes três botânicos. Tal como no século XIX, o estabelecimento destas redes de correspondência revelou-se fundamental para a circulação de espécimes, herbários, livros e instrumentos e, sobretudo, para a identificação e descrição de novas espécies de animais e plantas. Um exemplo que ilustra bem a importância das redes de correspondência onde se inseria Luisier, para a classificação de novas espécies de plantas, é o da descoberta e descrição do cardo Centaurea luisieri. Colhida por Luisier em 1915, perto de Salamanca, a hipotética nova espécie de cardo viajou de Salamanca para o Porto, onde foi estudada por Gonçalo Sampaio, e daí para Coimbra, para ser analisada por Júlio Henriques, que confirmou a descoberta, após comparação com as suas congéneres presentes nos herbários da Universidade de Coimbra. De regresso ao Porto, o novo cardo foi então descrito nas páginas da Brotéria por Gonçalo Sampaio que o baptizou de Centaurea luisieri, em homenagem ao seu descobridor. 

Com a implantação da República, em 1910, os jesuítas foram expulsos de Portugal, os seus colégios foram encerrados e os seus livros, colecções e instrumentos científicos foram, na sua grande maioria, inutilizados ou expropriados pelo Governo Provisório. Luisier foi um dos três jesuítas estrangeiros que conseguiu reaver parte das suas colecções no exílio. Por intervenção directa do cônsul suíço, recuperou parte das suas colecções de briófitas em abril de 1913. Passou os dois primeiros anos de exílio em Gemeert (Holanda) e Alsemberg (Bélgica), onde continuou os seus estudos de identificação, classificação e descrição de novas espécies de briófitas. Entre 1912 e 1932 esteve exilado em Espanha, primeiro em Salamanca (1912–1915), onde foi superior da escola apostólica, depois em Pontevedra (1916–1918), onde estava instalada a casa de escritores dos jesuítas portugueses e, finalmente, no Colégio de La Guardia (1918–1932), na província de Pontevedra, onde permaneceu até à dissolução da Companhia de Jesus em Espanha. Ao longo do seu exílio em Espanha estudou a flora briológica de Salamanca, tendo publicado em 1924 a obra Musci Salmanticenses, que viria a ser premiada pela Real Academia de Ciencias Exactas, Físicas y Naturales de Madrid. No Instituto Nun’Alvres, onde se instalou entre 1932 e 1957, desenvolveu uma importante actividade pedagógica, sobretudo no ensino das ciências naturais. No ano de fundação deste colégio dos jesuítas em Portugal estabeleceu uma estação meteorológica que, à semelhança do observatório que os jesuítas tinham fundado no Colégio de São Fiel em 1902, pertencia também à rede nacional de postos meteorológicos.

Após a morte de Joaquim da Silva Tavares, S.J. (1866–1931), em setembro de 1931, Luisier assumiu a direção da revista Brotéria. Dadas as dificuldades financeiras em editar uma revista inteiramente dedicada à investigação científica, decidiu então restruturar a revista e unificar as séries científicas Botânica e Zoologia, que então se publicavam alternadamente, numa única série intitulada Ciências Naturais. Entre 1932 e 1957, Luisier continuou a publicar os resultados dos seus trabalhos de classificação sistemática sobre os musgos da Madeira, Açores, Portugal Continental e Brasil. Neste período, publicou ainda alguns trabalhos sobre os artrópodes da Madeira e de Portugal. No caso dos artrópodes da Madeira, o seu trabalho era uma resenha das espécies publicadas por Olav Lundblad, professor na Universidade de Estocolmo que tinha estudado a fauna entomológica da ilha portuguesa. Ao publicar esta resenha, Luisier pretendia suprimir a dificuldade que os botânicos portugueses tinham no acesso à revista Arkiv für Zoologie, da Academia das Ciências da Suécia, onde Lundblad tinha publicado o seu trabalho. Tal como Silva Tavares, Luisier acabaria por publicar na Brotéria, uma biografia de Félix de Avelar Brotero (1744–1828), a quem a revista era dedicada. Esta biografia, mais actualizada e extensa do que as que tinham sido publicadas anteriormente na revista dos jesuítas portugueses, continha também uma lista das principais obras do naturalista, onde se destacavam seis trabalhos inéditos.

Enquanto diretor da Brotéria, Luisier continuou a promover a publicação de trabalhos de autores que já colaboravam com a revista desde os anos anteriores, como os jesuítas Cândido Azevedo Mendes (1874–1943), Camilo Torrend (1875–1961), Longino Navás (1858–1938), Jaime Pujiula (1869–1958) e Johann Rick (1869–1946), pioneiro dos estudos micológicos no Brasil. Neste período estabeleceu ainda novas colaborações com reputados botânicos portugueses como Ruy Telles Palhinha (1871–1957), Carlos das Neves Tavares (1914–1972), António Rodrigo Pinto da Silva (1912–1992), Flávio Resende (1907–1967), Arnaldo Rozeira (1912–1984), Manuel Cabral Resende Pinto (1911–1990) e ainda o geólogo Carlos Teixeira (1910–1982). À semelhança do seu antecessor, Luisier estava particularmente interessado em estabelecer colaborações científicas que continuassem a prestigiar a Brotéria: Ciências Naturais, no contexto dos periódicos científicos portugueses e estrangeiros. Durante o período em que foi dirigida por Luisier, a Brotéria: Ciências Naturais esteve particularmente associada a três organismos públicos: o Instituto Botânico de Lisboa, a Estação Agronómica Nacional e o Instituto Botânico Dr. Gonçalo Sampaio. De entre estas novas colaborações institucionais, a mais relevante, pelo menos do ponto de vista da afirmação e consolidação disciplinar, terá sido a que foi estabelecida com a Estação Agronómica Nacional. Ao publicar alguns dos primeiros artigos de citogenética e de genética de melhoramento de plantas do grupo dirigido por António Sousa da Câmara (1901–1971), Luisier colocava a Brotéria na vanguarda dos periódicos científicos portugueses, e associava a revista a uma das principais linhas de investigação em botânica durante o Estado Novo.

Doutor honoris causa pela Faculdade de Ciências do Porto em 1942, e sócio correspondente da Academia das Ciências de Lisboa desde 1933, Luisier foi ainda sócio da Sociedade Broteriana e sócio fundador da Sociedade de Ciências Naturais, da Société Valaisienne de Sciences Naturelles e da Sullevant’s Moss Society. A 6 de fevereiro de 1957, por ocasião do seu 85.º aniversário, foi agraciado com a Ordem Militar de Sant’Iago da Espada, numa cerimónia presidida por Baltazar Rebelo de Sousa (1921–2002), então Subsecretário de Estado da Educação Nacional. Entre os vários discursos proferidos nesse dia salientaram-se os de Américo Pires de Lima (1886–1966), representante da Faculdade de Ciências do Porto, de António Sousa da Câmara, director da Estação Agronómica Nacional, de Abílio Fernandes (1906–1994), da Sociedade Broteriana, e de Francisco Caldeira Cabral (1908–1992), professor do Instituto Superior de Agronomia, que falava em nome dos antigos alunos. Além de professores das três universidades portuguesas estiveram também presentes nesta homenagem o arcebispo de Braga e o vice-cônsul suíço. 

A 4 de novembro de 1957, seis meses depois de celebrar o seu 85.º aniversário, Afonso Luisier acabaria por morrer nas Caldas da Saúde (Santo Tirso), onde se encontrava desde o seu regresso a Portugal.

Francisco Malta Romeiras

Obras

Luisier, Afonso. “Apontamentos sobre a flora da região de Setubal.” Boletim da Sociedade Broteriana 19 (1902): 172–274.

Luisier, Afonso. “Le Genre Triquetrella en Europe.” Brotéria: Botânica 11 (1913): 135–138.

Luisier, Afonso. “Sur la distribuition géographique de Triquetrella arapilensis Luis.” Brotéria: Botânica 13 (1915): 150–151.

Luisier, Afonso. “Les Mousses de Madère.” Brotéria: Botânica 15 (1917): 81–98; 16 (1918): 29–71; 17 (1919): 17–142; 18 (1920): 5–22; 78–120; 20 (1922): 76–106.

Luisier, Afonso. “Musci Salmanticenses. Descriptio et distributio specierum hactenus in Província geographica Salmanticensi cognitarum. Brevi addito conspectu Muscorum totius Peninsulae Ibericae.” Memorias de la Real Academia de Ciencias Exactas Físicas y Naturales de Madrid 3 (1924): 1–280.

Luisier, Afonso. “Les Mousses de l’Archipel de Madère et en général des Îles Atlantiques.” Brotéria: Botânica 23 (1927): 5–53; 129–145 24 (1930): 18–47; 66–96; 119–40; 25 (1931): 5–20; 123–39; Brotéria: Ciências Naturais 1 (1932): 164–82; 7 (1938): 78–95; 110–31; 11 (1942): 29–41; 14 (1945): 78–94; 112–27; 156–76.

Luisier, Afonso. “Recherches bryologiques récentes à Madère,” Brotéria: Ciências Naturais 5 (1936): 140–44; 6 (1937): 88–95; 8 (1939): 40–52; 12 (1943): 135–44; 16 (1947): 86–91; 22 (1953): 178–91; 25 (1956): 170–82.

Luisier, Afonso. “Mousses des Açores.” Brotéria: Ciências Naturais 7 (1938): 96–98.

Luisier, Afonso. “Hepáticas dos Açores.” Brotéria: Ciências Naturais 7 (1938): 187–189.

Luisier, Afonso. “Artrópodes da Madeira, segundo as investigações do Dr. O. Lundblad.” Brotéria: Ciências Naturais 8 (1939): 18–39; 82–95; 101–12; 9 (1940): 184–88; 10 (1941): 61–69; 133–42; 179–84; 11 (1942): 84–93; 137–44; 177–87; 12 (1943): 29–36; 128–34.

Luisier, Afonso. “Contribuições para a flora briológica do Brasil.” Brotéria: Ciências Naturais 10 (1941): 114–132.

Bibliografia sobre o biografado

Carvalho, José Vaz de. “Afonso Luisier”, Diccionario Histórico de la Compañía de Jesús, vol. 3: 2440–2441. Madrid e Roma: Universidade Pontificia Comillas, Institutum Historicum Societatis Iesu, 2001.

Neves, Maria Luísa. “Recordando o Padre Luisier—Nos 40 anos do seu falecimento.” Brotéria Genética,18 (1997): 99–101.

Archer, Luís. “Centenário do nascimento do P. Alphonse Luisier, S.J.” Brotéria: Ciências Naturais 41 (1972): 1.

Lima, Américo Pires de. “Rev. Pe. Dr. Alphonse Luisier.” Separata do Boletim da Sociedade Broteriana 32 (1958).

Carcalhaes, José. “Padre Alphonse Luisier.” Brotéria: Ciências Naturais 54 (1958): 3–16.Carvalhaes, José. “Reverendo Padre Alphonse Luisier, S.J.: Homenagem ao cientista e ao mestre.” Boletim Cultural de Santo Tirso 5 (1957): 223–249.

Santos, Manuel Pimentel Pereira dos

Porto, 22 Fevereiro 1919 — 2006

Palavras-chave: engenharia e administração colonial, mecânica dos solos, estradas, barragens.

DOI: https://doi.org/10.58277/SUFF8895

Manuel Pimentel Pereira dos Santos foi um engenheiro civil colonial que se destacou pelo trabalho desenvolvido em Angola e Moçambique, sobretudo nas áreas da mecânica dos solos, das estradas e das barragens. O seu percurso profissional mostra as suas múltiplas facetas de investigador, técnico, político e administrador. 

Pimentel dos Santos nasceu no Porto, na freguesia de Paranhos. O pai, Manuel Joaquim Pereira dos Santos, foi contabilista e, depois, acionista de uma fábrica de fiação e professor de Tecnologia e Mercadorias na Escola Comercial Mouzinho da Silveira. A mãe, Maria do Céu Pimentel Santos, terá sido, igualmente, professora. A infância de Pimentel dos Santos e de sua irmã Maria do Céu não terá conhecido privações, tendo ambos concluído o ensino superior.

Pimentel dos Santos concluiu a licenciatura em Engenharia Civil, em Agosto de 1943, na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, com a classificação de 16 valores, tendo, seguidamente, ocupado o cargo de professor assistente no Grupo de Física da Faculdade de Ciências da mesma universidade. Um ano após ter concluído a licenciatura, candidatou-se ao lugar de engenheiro de 2ª classe do Quadro Comum de Obras Públicas do Império Colonial Português, no âmbito do Ministério das Colónias, para o qual foi aprovado (portaria de 16/01/1945) e colocado em Moçambique. Embarcou para Lourenço Marques em Setembro de 1945, com a mulher, com quem tinha casado dois meses antes, fazendo parte do conjunto de técnicos recrutados para as colónias no contexto da “segunda ocupação colonial”, um projecto de desenvolvimento material das colónias, assente no conhecimento técnico e científico. 

Em 1945, Pimentel dos Santos foi colocado na Direção de Serviços de Obras Públicas de Moçambique (DSOPM), na qual permaneceu até 1961, ocupando diversos cargos, que culminaram com o de diretor desses serviços. Inicialmente colocado na 1ª Repartição, teve um papel ativo na criação do Laboratório de Ensaios de Materiais e Mecânica do Solo (LEMMS) desta direção, dirigindo-o a partir de Maio de 1948 e tornando-se seu engenheiro chefe em 1952. 

Em 1951, após ter sido promovido a engenheiro de 1ª classe, veio a Lisboa participar no IX Congresso Internacional da Estrada, no qual apresentou a comunicação “A intervenção do laboratório na construção de estradas em Moçambique”, tendo, seguidamente, realizado um estágio de um mês no Laboratório Nacional de Engenharia, por determinação do ministro do Ultramar. Realizou diversas deslocações para elaboração de projetos fora de Lourenço Marques (hoje Maputo) e fora de Moçambique, como, por exemplo, a deslocação a Angola, em 1955, para colaborar no estudo do aproveitamento do Cunene. Em 1957, tomou posse no cargo de diretor interino da DSOPM, que exerceu em comissão a partir de 1958, acumulando com o de engenheiro chefe do LEMMS, e do qual foi exonerado em 1961.

Paralelamente às suas funções na DSOPM ocupou outros cargos técnicos e na administração colonial: entre 1947 e 1948, foi vereador da Câmara Municipal de Lourenço Marques e presidente da Comissão Administrativa dos Serviços Municipalizados de Água e Eletricidade, realizando a nacionalização da respetiva empresa; entre 1950 e 1951, foi presidente da direção do Montepio de Moçambique e, entre 1953 e 1958, foi presidente da Junta Arquidiocesana da Acão Católica de Lourenço Marques; em 1958, foi nomeado secretário provincial de Obras Públicas e Comunicações de Moçambique, lugar que ocupou, com algumas intermitências, até 1961, tendo também sob sua tutela, durante cerca de um ano, o sector da Educação. 

A partir de 1961, o seu percurso acompanhou o início das guerras coloniais e o aumento paralelo do investimento nas colónias. Em Maio de 1961, foi nomeado para o cargo de inspetor superior de Obras Públicas e Comunicações do Ministério do Ultramar, e, no mês seguinte, para secretário provincial de Obras Públicas e Comunicações de Angola, criando, na área dos serviços públicos, a Junta Autónoma de Estradas de Angola, a Junta Provincial de Electrificação e o Laboratório de Engenharia de Angola. Em Junho de 1962, foi chamado à metrópole para exercer o cargo de diretor-geral da Direção-Geral de Obras Públicas e Comunicações do Ministério do Ultramar (DGOPCMU), que acumulou, até Abril de 1967, com o de vogal do Conselho Superior de Fomento Ultramarino (CSFU) e, entre 1967 e 71, com a de presidente do Conselho de Administração da Companhia Mineira do Lobito, tendo-se deslocado diversas vezes a Moçambique e a Angola, nomeadamente no âmbito da execução do Plano Intercalar de Fomento (1965−1967).

De 1963 até 1971 presidiu a um grupo de trabalho incluindo representantes dos Ministérios do Ultramar, dos Negócios Estrangeiros e do Departamento da Defesa Nacional que tinha a seu cargo o estudo, a análise, coordenação e preparação de elementos, de decisão ministerial relacionados com os aspetos político-estratégicos do sistema de transporte da África Austral, nomeadamente quanto à influência dos portos e caminhos-de-ferro portugueses. Neste âmbito, fez parte das delegações portuguesas às conversações com vários estados africanos, integrando a Delegação Portuguesa que se deslocou a Joanesburgo, em Julho de 1967, para estudar o aproveitamento de Cahora Bassa. Entre 1967 a 1972, foi procurador à Câmara Corporativa e relator do projeto do III Plano de Fomento (1968-73) na parte referente às Províncias Ultramarinas.

Pimentel dos Santos desenvolveu, para além da sua carreira política, uma intensa atividade técnica e de investigação, que se traduziu em dezenas de publicações sobre o estudo das estradas, estabilização das plataformas e pavimentação, urbanismo, aproveitamentos hidroelétricos, e questões da administração colonial e económicas e na sua participação em sociedades profissionais e científicas, conferências e missões de estudo. Teve um papel particularmente relevante no desenvolvimento do pavimento de solo-cimento para estradas e no estudo das chamadas “estradas económicas” ou “estradas de baixo custo”, particularmente em zonas tropicais. Foi relator nacional para estas questões nos congressos internacionais de estradas da Associação Internacional Permanente dos Congressos da Estrada (AIPCE) do Rio de Janeiro, (1959), Roma (1964) e Tóquio (1967) e foi representante português nas reuniões da Comissão de Estradas Económicas da AIPCE entre 1963 e 1971. A convite da UNESCO fez parte de um grupo de quatro peritos internacionais encarregados de redigir um tratado sobre a análise económica, construção e conservação de estradas em territórios em vias de desenvolvimento nas regiões tropicais, que foi publicado em 1968.

Em Outubro de 1971, foi nomeado governador-geral de Moçambique, onde se deslocou para visita à barragem de Cahora Bassa. Apesar do título de uma sua entrevista – “Moçambique não é só Cabora Bassa” -, a nomeação para o cargo terá tido em conta o seu perfil de engenheiro colonial e a sua capacidade negocial, que lhe permitiram acompanhar a complexidade da construção desta infraestrutura crucial, quer em termos de gestão de recursos hídricos, quer no plano geopolítico.

Após a revolução de 25 de Abril de 1974, Pimentel dos Santos foi exonerado do cargo de governador-geral de Moçambique, passando à reforma em Dezembro desse ano.

M. Luísa Sousa

Arquivos

Processo individual de Manuel Pimentel Pereira dos Santos, Arquivo Nacional Torre do Tombo, DGAP, PU, Proc. 2301, Cx. 169, 170.

Processo individual de Manuel Pimentel Pereira dos Santos, Arquivo Histórico Parlamentar, Secção XXVII, cx. 189, nº 195; cx. 197, nº 208; e cx. nº 148-a, nº 198

Obras

Santos, Manuel Pimentel Pereira dos, “Posição de Lourenço Marques num futuro esquema de electrificação do sul do Save.” Comunicação apresentada no II Congresso Nacional de Engenharia, Porto, Junho, 14-19, 1948.

Santos, Manuel Pimentel Pereira dos, “Alguns problemas do Município de Lourenço Marques”, Boletim da Sociedade de Estudos de Moçambique, 64 (1950): 51-117.

Santos, Manuel Pimentel Pereira dos, “A missão do laboratório de ensaios na técnica colonial”, Boletim da Sociedade de Estudos de Moçambique, 65 (1950): 131-49.

Santos, Manuel Pimentel Pereira dos, A intervenção do laboratório na construção de estradas em Moçambique. Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1951.

Santos, Manuel Pimentel Pereira dos, Panorama da investigação científica em Moçambique. Porto: Centro de Estudos e Formação Imperial do Centro Universitário do Porto, 1952.

Santos, Manuel Pimentel Pereira dos, Estradas de baixo custo. Lourenço Marques: Laboratório de Ensaios de Materiais e Mecânica do Solo de Moçambique, 1960.

Santos, Manuel Pimentel Pereira dos, Curso de solo-cimento. Lisboa: Associação da Indústria do Cimento, 1967.

Odier, Lionel, R.S. Millard, Manuel Pimentel Pereira dos Santos e S.R. Mehra, Low cost roads: design, construction and maintenance. London: Butterworths; UNESCO, 1971. (inicialmente publicado como Routes dans les pays en voie de développement: conception, construction, entretien. UNESCO-sponsored programmes and publications. Paris: Editions Eyrolles, 1968).

Santos, Manuel Pimentel Pereira dos, Moçambique não é só Cabora Bassa. Lisboa, 1973.

Santos, Manuel Pimentel Pereira dos, Moçambique: guerra inútil, paz possível. Lourenço Marques: Minerva Central, 1973.

Bibliografia sobre o biografado

Castilho, José Manuel Tavares, “Manuel Pimentel Pereira dos Santos”, In Dicionário biográfico parlamentar: 1935-1974, editado por Manuel Braga da Cruz, António Costa Pinto e Nuno Estêvão Ferreira, 532. Lisboa: Assembleia da República, Imprensa de Ciências Sociais, 2005.

Portela, Ana Margarida e Francisco Queirós, A casa de Tralhariz e a capela do Bom Jesus. Porto: Instituto de Genealogia e Heráldica da Universidade Lusófona do Porto, GEHVID – Grupo de Es, 2008.

Reis, António Batalha

Lisboa, 7 dezembro 1838 – 13 novembro 1917)

Palavras-chave: divulgação, vitivinicultura, filoxera, RACAP

António Batalha Reis nasceu a 7 de dezembro de 1838 em Lisboa. Irmão do meio de Adelina e Jaime, António nasceu no seio de uma família burguesa liberal. Filho de Maria Romana Batalha e de António Nunes dos Reis, velho amigo de Almeida Garrett e afamado vitivinicultor do Turcifal (Torres Novas), António entrou aos onze anos para o colégio do doutor Cicouro (padre da Ordem de Avis e lente de Coimbra até 1834) por onde passaram muitos alunos que vieram a ocupar elevada posição social. De lá saiu em 1855 para fazer os preparatórios em Coimbra ingressando, em 1856, no curso de Filosofia da Universidade. Em 1859, regressou a Lisboa para se matricular diretamente no 2º ano do Instituto Geral de Agricultura. Terminou os estudos em 1861 com especialização em enologia e iniciou a sua vida profissional como amanuense da Repartição Taquigráfica da Câmara dos Deputados (o seu pai também tinha sido taquígrafo nas Cortes). Em 1865 foi equiparado a 2º oficial e em 1882 foi colocado no lugar de 2º oficial da Direção Geral das Repartições da mesma Câmara.

Já casado com Amélia Leopoldina de Mendonça e Silva, António publica o seu primeiro livro, Enxofre e vinho, em 1871. Este livro resultou da necessidade de fazer acompanhar os três modelos de sulfurador de sua invenção, o ‘theinoxyphero,’ de um manual explicativo. Publicitado na imprensa da especialidade, o sulfurador chegou a ser anunciado em Espanha. O livro e o invento foram acompanhados de palestras e demonstrações pelos principais centros produtores do país. Profícuo divulgador da enologia e das boas práticas vitivinícolas ao longo de toda a sua vida, António fez parte de uma geração de agrónomos discípula de João Inácio Ferreira Lapa, Professor do Instituto Geral de Agricultura apostado em divulgar a ciência agronómica por todos os produtores do país.

A sua vida profissional e de divulgador esteve também intimamente associada à Real Associação Central da Agricultura de Portugal (RACAP), associação fundada em 1860 por um grupo de latifundiários, capitalistas e agricultores, alguns deles com intervenção política, e apadrinhada pela família real. O peso político desta associação variou ao longo de oitocentos o que também se refletiu no seu número de sócios que nunca chegou ao milhar no seu máximo ficando-se em média pelas três centenas. Entre alguns dos seus sócios, encontram-se muitos engenheiros agrónomos e lentes do Instituto Agrícola de Lisboa, que viam nesta associação uma forma de pugnar pelo desenvolvimento da ciência agronómica em Portugal. É assim que em 1872, por iniciativa da RACAP, da qual seu pai fora secretário da primeira Assembleia Geral, e espelhando a importância do sector vitivinícola na balança comercial do país, António foi à exposição Internacional de Lyon como delegado de Portugal para se inteirar da maquinaria mais moderna e estudar a vitivinicultura da região. Daqui resultou, em 1873, a publicação de A vinha e o vinho. No ano seguinte, António integra a primeira comissão (cuja delegação era presidida pelo seu irmão mais novo, Jaime) designada pelo governo para o estudo da recém-chegada filoxera ao Douro. Esta praga, causada por um inseto, a filoxera, foi acidentalmente importada da América do Norte para a Europa, escondida nas raízes da vinha americana, e teve efeitos devastadores em todos os países europeus produtores de vinho. O impacto da doença era já bem visível em 1872 como se pode ler no relatório da delegação, A nova moléstia das vinhas no Douro, publicado em 1873. Em 1874, António foi nomeado comissário técnico à Exposição Vinícola de Londres, acompanhando o químico António Augusto de Aguiar. Em 1875, organizou a exposição de conhaques e vinhos especiais para exportação para o Brasil. Na qualidade de membro da Comissão Central de Estudos da Filoxera, rumou a França em 1876 a fim de estudar a praga e representar Portugal no Congresso Vitícola de Paris. No relatório publicado em 1877, fez várias recomendações quanto à forma de eliminar a praga e evitar o seu alastramento, e aconselhou a utilização de castas de videira americana resistentes como porta-enxertos como única forma de salvar as castas nacionais e a economia do país. Esta solução, que acabou por ser a adotada no Douro, não foi implementada de imediato, tendo sido alvo de controvérsia entre os agrónomos. Por um lado, por se acreditar que o porta-enxertos tirava personalidade aos vinhos, e por outro, por se julgar, numa primeira aproximação, que a utilização de inseticidas bastaria (e seria economicamente viável) para debelar a praga. Em 1882, António foi ainda incumbido de secretariar a comissão de combate à filoxera no Sul do país.

Entre 1879 e 1883, António esteve diretamente envolvido na redação e administração da Gazeta dos Lavradores, órgão da RACAP neste período, onde ele e Jaime, e por vezes o pai e um tio, publicaram artigos. Mais tarde, fundou e/ou dirigiu também o Arquivo Rural e A Cartilha Rural cuja única aspiração seria ’educar os operários agrícolas.’ Colaborou ainda com outras revistas agrícolas e com a imprensa diária, onde publicou largas dezenas de artigos. Publicou no Jornal Oficial de Agricultura, no Agricultor do Norte, no Aurora do Lima, no Jornal de Horticultura do Norte, em A vinha Portuguesa, no Portugal Agrícola, no Portugal vinícola, no Boletim da Real Associação Central de Agricultura de Portugal, na Gazeta dos Lavradores (a fundada em 1903) e em O Século Agrícola. Foi ainda correspondente em Portugal do Moniteur Vinicole. Em 1882, inaugura no Comercio do Porto uma série de artigos sobre a regeneração da vinha. A partir de 1892 manteve regularmente a crónica ‘Revista agrícola’ no Comércio do Porto a que se juntará mais tarde João Coelho da Motta Prego. Manteve também colaboração com diários lisboetas de grande tiragem como O Século, o Diário de Notícias, a Pátria e o Novidades e diários regionais como o Diário do Comércio do Funchal. Toda esta atividade editorial reflete também a preocupação das elites portuguesas, maioritariamente latifundiárias, com a modernização da agricultura, sector que dominava a economia do país e que se via ameaçado por outros mercados exportadores.

Ainda em 1880, António representou Portugal no Congresso Internacional de Saragoça e foi secretário do Congresso Vitícola realizado no Porto. Em 1881 foi nomeado sócio de mérito da RACAP. Bastante desfalcada de sócios, a RACAP passava por uma crise que António, em 1881, tentou revitalizar através da redação dos seus Fastos. Por essa altura, ficou também incumbido de proceder à classificação geral dos vinhos de Portugal e D. Luís encarregou-o pessoalmente do estabelecimento dos viveiros de cepas americanas nas propriedades da casa de Bragança e da casa Real, viveiros criados com o intuito de distribuir gratuitamente cepas aos viticultores. Na qualidade de Procurador-Geral à Junta Geral do Distrito de Lisboa, António impulsionou em 1882 aquela que foi a III exposição agrícola em Lisboa, e que se realizou na Tapada da Ajuda em 1884 (em 1883, por iniciativa da Junta, a RACAP foi chamada a organizar o evento e Jaime nomeado para o dirigir). António acompanhou este certame como membro da comissão executiva. Dois anos depois, em 1886, é nomeado agrónomo ao serviço do Ministério das Obras Públicas. 

Após dois anos de inatividade profissional resultantes de uma queda em 1885 que o deixou cego do olho direito, António foi nomeado diretor da recém-criada Escola Prática de Viticultura e Enologia de Torres Vedras. Em 1890, deixou a escola e o ensino e partiu em comissão de serviço para a França e a Itália para estudar os híbridos americanos e as Escolas Agrícolas. De regresso, proferiu uma série de conferências em Lisboa, Porto e Viseu sobre a filoxera e sobre a utilização de leveduras selecionadas na vinificação. Um conflito em 1891 com o então diretor geral da agricultura, Elvino de Brito, levou-o a abandonar o serviço oficial até 1894. Neste período, escreveu três livros o primeiro dos quais recebeu crítica positiva na imprensa especializada francesa: Memoria sobre vides americanas e suas híbridas, Mildiú e Vinho de Pasto. Este último, prefaciado por Emídio Navarro, foi a base da tese apresentada por António ao Congresso Vinícola de Lisboa, organizado pela RACAP em 1895. Um ano depois, e a pedido do dono de uma pedreira publicou O gesso onde dava instruções sobre a sua utilização como adubo. Durante 1896 dirigiu ainda os trabalhos de vinificação do Sindicato Agrícola de Guimarães e, em 1897, passou a diretor técnico da Adega Social de Viana do Alentejo.

Entre 1902 e 1913, António foi diretor das missões enotécnicas e lecionou nas Escolas Móveis Maria Cristina em Rio Tinto, Vila Nova de Famalicão, Mirandela, Guimarães, Torres Vedras, Lagoa e Régua. Produziu manuais para estas escolas e foi articulista da revista das escolas, O Lavrador. De 1904 a 1906 dirigiu a adega social de Carcavelos; em 1905 foi à ilha da Madeira estudar as causas da decadência do seu comércio e em 1906 fez conferências no Porto e na Figueira da Foz. Extintas as missões enotécnicas em 1913, retirou-se para o seu gabinete de trabalho.

Recebeu medalhas de ouro na exposição internacional de Lyon em 1872 e na de Paris de 1887. Em 1890, integrou a Comissão Internacional de Agricultura a convite do ministro da agricultura francês. Foi sócio honorário da Sociedade dos Agricultores de França, dos Agricultores de Itália e de Espanha, cavaleiro de Cristo e de Carlos III de Espanha.

Faleceu em novembro de 1917 de uma angina no quarto de sua casa na Avenida da Liberdade, 117, acompanhado de seu filho, Alberto Batalha Reis, também ele enólogo, e familiares. Pouco antes mandara abrir uma garrafa de Porto de 1793 para que bebessem à sua saúde.

Isabel Zilhão

Ralha, Alberto José Nunes Correia

Vila Nova de Milfontes, 18 maio 1921 — Caparica, 3 janeiro 2010

Palavras-chave: Professor de Farmácia e Investigador, Actividade na Indústria Farmacêutica e no Laboratório da Polícia Científica, Ensino Superior e Educação, Bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, Político. 

DOI: https://doi.org/10.58277/COJT2034

Alberto José Nunes Ralha nasceu em Vila Nova de Milfontes, a 18 de Maio de 1921, sendo filho de Alberto Rodrigues Correia Ralha e Ana Assis Nunes Faísca Lamy Correia. Desde novo teve contacto com o mundo farmacêutico, pois o seu pai era dono de uma farmácia em Lisboa.  

Em 1943, terminou a licenciatura em Farmácia na Universidade de Lisboa, com as mais altas classificações, tendo no ano seguinte sido contratado como segundo assistente da mesma Faculdade. Interrompeu esta actividade para aprofundar os seus conhecimentos nas ciências farmacêuticas, nas Universidades de Madrid (1944 a 1946), de Zurique (1946 a 1947) e de Basileia (1947 a 1949), como bolseiro do Instituto de Alta Cultura. Frequentou, igualmente, o Massachussets Institute of Technology (MIT) (1953). Em 1952, desempenhou as funções de primeiro assistente, tendo posteriormente regido a cadeira de química orgânica farmacêutica desta Faculdade. 

Entretanto, Alberto Ralha casou-se com Isaura Xavier Ralha, de quem teve dois filhos: José Manuel Ralha e Maria Helena Ralha Simões.

Alberto Ralha exerceu a sua profissão de farmacêutico, tanto na área académica, como na área da indústria. Na área académica, enquanto investigador no campo da química orgânica farmacêutica, publicou diversos trabalhos científicos, sendo de destacar aqueles que desenvolveu no âmbito do “doseamento de hormonas esteróides, sobre o método calorimétrico para a dosagem da quelina” (quando em presença da visnagina ou do quelolglucósido) e, ainda, sobre as “sínteses acetilénicas”. No trabalho sobre os esteróides abordou as questões da estereoquímica e da nomenclatura, enquanto nos trabalhos sobre as sínteses acetilénicas, o investigador descreveu a “preparação do etinil-fenil-carbinol e do vinil-fenil-carbinol por hidrogenação catalítica parcial do primeiro”. É de destacar, igualmente, os trabalhos científicos que permitiram a “identificação da quelina” (furanocromona existente na planta Ammi visnaga L. (Lam.), a qual apresenta grande actividade farmacológica e terapêutica), e que serviu de base à sua candidatura ao título de professor agregado da Escola de Farmácia da Universidade de Lisboa. 

Em 1958, depois de ter pedido a dispensa do seu lugar na Universidade de Lisboa, deu uma série de lições para os alunos do Centro de Estudos Farmacológicos do Instituto de Alta Cultura. 

Na área da indústria farmacêutica, Alberto Ralha desenvolveu um trabalho significativo no Laboratório Normal (posteriormente integrado na multinacional Ciba-Geigy), entre 1949 e 1970. Teve, igualmente, um papel relevante na direcção do Laboratório da Polícia Científica (LPC) da Polícia Judiciária, nomeadamente, como responsável pela criação e organização desse estabelecimento, entre 1957 e 1970. Durante este tempo, participou em diversas reuniões internacionais da União Internacional de Química Pura e Aplicada (como a XV realizada em Lisboa, em 1956), da Federação Internacional Farmacêutica, da Associação Internacional de Ciências Forenses e da Interpol, entre outras.

Refira-se que durante o desempenho destas actividades, na área farmacêutica, manteve um interesse profundo pelos assuntos relacionados com o ensino superior e a educação em Portugal. Assim, exerceu várias funções dentro deste âmbito, nomeadamente como membro do Conselho Consultivo de Ciência da Fundação Calouste Gulbenkian (1963 a 1974), e como colaborador da equipa piloto ligada ao Ministério da Educação (1965 a 1968). A este propósito, esteve no Reino Unido, onde estudou o modelo de organização das Universidades Britânicas, com a finalidade de o enquadrar na estrutura de ensino do nosso país. Foi também coordenador do Grupo Nacional de Inquérito ao Ensino Superior, em 1968. Posteriormente, Alberto Ralha dirigiu o secretariado da reforma educativa, tendo sido colaborador do Ministro da Educação Nacional, professor Veiga Simão. Em 1973, foi membro convidado do Conselho da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, tendo sido co-autor do Relatório sobre a Investigação Científica do Ensino Superior em Portugal. No período de 1973 a 1974, foi director-geral do Ensino Superior. Entre Março de 1984 e Dezembro de 1986, assume o cargo de presidente do Instituto Nacional de Investigação Científica, terminando a sua carreira no domínio da administração pública como presidente da Comissão Nacional do Programa para o Desenvolvimento Educativo, entre 1990 e 1994. Durante este tempo, participou como delegado nacional em várias reuniões da OCDE, nomeadamente em Nice (sobre desníveis tecnológicos), em Paris e Oslo (sobre preparação de gestores para a inovação em educação). 

Entre 1980 e 1983, foi bastonário da Ordem dos Farmacêuticos, tendo sido responsável pela reorganização e pelo elevar do prestígio desta Ordem e do exercício da profissão de farmacêutico. Por exemplo, procedeu à valorização da profissão de farmacêutico analista clínico, com a exigência do título de especialista para a direcção técnica dos laboratórios de análises clínicas, bem como, a exigência de um acordo para a prestação de serviços para os utentes do Serviço Nacional de Saúde.

Alberto Ralha desempenhou também um papel relevante na área política, tendo sido um dos fundadores, juntamente com Diogo Freitas do Amaral e Adelino Amaro da Costa, do Centro Democrático Social (CDS), em 1974. Na área política foi secretário de estado do Ensino Superior, no VIII Governo Constitucional, presidido por Pinto Balsemão, e Victor Crespo ministro da educação. Voltou a ocupar este cargo, no XI Governo Constitucional, com Cavaco Silva primeiro-ministro e Roberto Carneiro ministro da Educação. 

Alberto José Ralha foi agraciado com a Grande Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, a Grã-Cruz da Ordem de Instrução Pública e a Grã-Cruz de Mérito Civil de Espanha.

Alberto Ralha faleceu na Caparica, a 3 de Janeiro de 2010.

Paulo Nuno Martins

Obras

Alberto Ralha e Isaura Ralha. 1950. “Distribuição dos princípios activos da ammi visnaga L. (LAM.) (Furanocromonas) nas diferentes partes da planta”, XIII Congresso Luso-Espanhol para o progresso das Ciências

Alberto Ralha. 1951. “Contribuição para o Estudo das Cromonas da Ammi Visnaga L.(Lam)”, Tese de Dissertação

Alberto Ralha. 1951. “Sínteses acetilénicas”, Revista Portuguesa de Farmácia, 1(2):49.

Alberto Ralha. 1951. “Método colorimétrico para a dosagem da quelina quando em presença da visnagina ou do quelolglucósido”, Revista Portuguesa de Farmácia, I:96.

Alberto Ralha. 1952. “Os progressos da química farmacêutica orgânica”, Revista Portuguesa de Farmácia, 2:180.

Alberto Ralha. 1952. “Estiril derivados da norquelina e da norvisnagina”, Revista Portuguesa de Farmácia, 2:121. 

Alberto Ralha. 1956. “A literatura da química orgânica”, Revista Portuguesa de Farmácia, 5.                  

Alberto Ralha, 1956. “XV Congresso Internacional de Química Pura e Aplicada. Lisboa-1956”, Revista Portuguesa de Farmácia, G:112.

Alberto Ralha. 1957. “Conferência”. O Farmacotécnico, 2.  

Alberto Ralha. 1958. “Nova reacção específica para a identificação da quelina”, Actas XV Congresso Internacional Química Pura Aplicada, 1. 

Alberto Ralha. 1959. “Esteróides”, Anais da Faculdade de Farmácia do Porto, 19.

Alberto Ralha e António Perquilhas Teixeira. 1959. “Contribuição para o esclarecimento da estrutura de visnagano”, Revista Portuguesa de Química, 1. 

Alberto Ralha. 1967. A experiência Japonesa de polícia científica. Editorial Império.

Alberto Ralha. 1974. “Higher Education and professional careers in the future society”, Revista Portuguesa de Farmácia, 61.

Simas, Manuel Soares de Melo e

Horta, 10 julho 1870 — Lisboa, 10 agosto 1934

Palavras Chave: astrónomo amador e profissional, divulgação da ciência, republicanismo, Observatório Astronómico de Lisboa.

DOI: https://doi.org/10.58277/RCRY4303

Astrónomo com um percurso invulgar, Manuel Soares de Melo e Simas foi um cidadão multifacetado que integrou a ciência, a educação e a  divulgação científica, em estreita relação com a militância republicana.

Melo e Simas estudou na Escola Secundária da Horta e matriculou-se, em 1887, na Universidade de Coimbra, onde frequentou o curso preparatório de Artilharia. Ingressou na Escola do Exército em Lisboa, em 1889, onde completou o curso de Artilharia com distinção. Viria a reformar-se no posto de coronel, em 1930. Os conhecimentos matemáticos adquiridos na sua formação militar foram essenciais para o seu futuro trabalho em astronomia, área para a qual despertou provavelmente em Coimbra, tendo feito a transição, então invulgar, tanto na Europa como nos Estados Unidos da América, de astrónomo amador para profissional. Enquanto astrónomo amador, iniciou-se com observações de fenómenos astronómicos variados, incluindo eclipses, ocultações e estrelas variáveis, mas rapidamente se interessou pelo cálculo de trajetórias de planetas e cometas, em que se tornou exímio. 

Os resultados das primeiras observações de Melo e Simas como astrónomo amador foram enviados à Société Astronomique de France, em 1895. Nesse mesmo ano, tornou-se membro desta sociedade e, dois anos depois, em 1897, da British Astronomical Association. Entretanto Melo e Simas iniciara a sua participação no projeto internacional de identificação e classificação de estrelas variáveis, liderado por Edward Pickering, diretor do Harvard College Observatory. Em 1902, a série de observações de estrelas variáveis publicada na revista Annals of the Astronomical Observatory of Harvard College incluía algumas realizadas por Melo e Simas nos Açores com um telescópio de três polegadas. Ao interesse pelas observações, Melo e Simas juntou, desde cedo, o cálculo de efemérides e trajetórias de objetos celestes. Em 1901, calculou os elementos do planeta 1901 GV baseando-se em observações realizadas em Roma e publicadas na Astronömische Nachrichten, revista prestigiada onde continuou a publicar regularmente.

A necessidade de observações precisas que sustentassem os seus cálculos levou-o, ainda nos Açores, a contactar Oom, a quem solicitou dados astronómicos variados, iniciando-se, assim, o intercâmbio com o observatório, que incluiu ocasionalmente a utilização dos seus instrumentos. O primeiro destes contactos ocorreu a propósito do cálculo da órbita definitiva do cometa 1900 II, descoberto em 23 de Julho de 1900, próximo da eclíptica. Com as informações facultadas por Oom, em Abril de 1902, Melo e Simas publicou o artigo “Definitive orbit elements of Comet 1900 II”, na revista Astronömische Nachrichten.

Com exceção do curso de astronomia que frequentou no ano lectivo 1905 − 6 na Escola Politécnica de Lisboa, a cargo do matemático Pedro José da Cunha, a sua formação em astronomia foi a de um autodidata. Entre 1904 e 1907, correspondeu-se com o  subdiretor do Observatório Astronómico de Lisboa, Frederico Oom, o que provavelmente lhe valeu a eleição para membro correspondente da Academia de Ciências de Lisboa, em 1907 (tendo passado a efetivo em 1930). O reconhecimento das qualidades de Melo e Simas no domínio da astronomia matemática e da observação de estrelas variáveis valeu-lhe também a contratação como astrónomo  supranumerário de 1ª classe, em 1911 (Decreto de 8 Março de 1911). Trabalhou em astronomia observacional tal como era tradição  no Observatório Astronómico de Lisboa, tendo ascendido a subdiretor, em 1931.

A sua primeira tarefa no observatório consistiu na observação do planeta Marte com o Grande Equatorial, uma prática nova para ele, que realizou com sucesso, tendo, daí em diante, passado a usar sistematicamente este telescópio. Em 1913 e 1914, foi-lhe atribuído o serviço da hora. Contrariamente à prática normal, fê-lo com recurso ao círculo meridiano, que também usaria num projeto de revisão da determinação de ascensões retas de estrelas. A morosidade destas reduções fez com que a sua publicação só viesse a ser completada décadas depois, já postumamente.

Melo e Simas retomou também cálculos das soluções de órbitas de planetas e cometas, entre os quais a caracterização da órbita do cometa 1910a. Usou novas técnicas para a redução das observações provenientes de vários observatórios europeus e novos métodos para a análise de erros. Numa outra publicação apresentou os cálculos dos movimentos próprios de 40 estrelas circumpolares visíveis no hemisfério do sul, ainda pouco conhecido dos astrónomos. 

Melo e Simas abraçou também o ideal republicano, tendo participado desde o início nas atividades da Universidade Livre, fundada em 1912, instituição associada à Academia das Ciências de Portugal, criada em 1907, da qual foi membro fundador. Integrou o Corpo Expedicionário Português durante a Primeira Guerra Mundial, entre 21 de Fevereiro de 1917 e 23 de Julho de 1919, foi senador eleito pelo círculo da Horta, em 1915, membro da Federação Republicana Portuguesa, a partir 1919, e Ministro da Instrução Pública, por um mês, no governo meteórico de Ginestal Machado em 1923.  

Após o fim da Grande Guerra, Melo e Simas regressou ao Observatório. Na sequência da expedição realizada por Arthur Stanley Eddington à Ilha do Príncipe, para testar o encurvamento dos raios luminosos que rasavam o Sol, uma das previsões da teoria da relatividade generalizada de Albert Einstein, viria a interessar-se pelos resultados de expedições astronómicas realizadas com esse propósito. Depois do eclipse solar de 1922, e de um pedido sobre assunto desconhecido do editor da revista Astronömische Nachrichten, na noite de 7 de Maio de 1923, Melo e Simas aproveitou o Grande Equatorial para observar a ocultação da estrela Washington 5478 pelo planeta Júpiter. Em 1924, comunicou à Academia das Ciências de Lisboa o resultado inconcludente desta observação, explicando a sua importância, método utilizado, e analisando o resultado e margem de erro. Anteriormente, em Julho de 1922, na revista do observatório, Almanaque, já acentuara a importância da astronomia na comprovação de uma teoria física tão revolucionária como a teoria da relatividade. 

Melo e Simas interessou-se desde os tempos açorianos pela divulgação científica, que foi parte integrante da sua atividade enquanto cidadão-astrónomo. No contexto da agenda republicana que professou,  colaborou na imprensa diária e periódica e proferiu palestras e lições públicas, tendo algumas vindo a ser publicadas.

Nos Açores contribuiu regularmente para jornais como o Faialense, entre 1899 e 1902, e periódicos como A Folha, dirigido por Alice Moderno, entre 1902 e 1904. Em ambos, pregava o “evangelho positivista”, com o intuito de desmistificar erros comuns através de explicações científicas, por vezes apoiadas pela história, numa linguagem clara, recorrendo amplamente a analogias, e discutindo descobertas, a vida e obra de cientistas célebres, o papel das mulheres nas ciências, as relações entre as ciências, a sociedade e a religião, e, ainda, os valores da ciência, entre os quais destacava a honestidade, integridade e seriedade. 

Não admira, pois, que Melo e Simas tenha sido também figura central na apropriação da visita do cometa Halley, em 1910, para a agenda republicana. Com o objetivo de educar o cidadão comum nos caminhos da ciência, através de artigos de jornal no Diário de Notícias, comunicações e publicações, realizadas no contexto da Academia das Ciências de Portugal, Melo e Simas explicou o que era um cometa, como era composto, e discutiu as probabilidades de impacto com a Terra. Usou ainda a história das sucessivas passagens do cometa Halley para ilustrar a evolução comteana do conhecimento, da fase teológica à metafísica e à positiva, transformando este cometa, no que poderíamos designar um verdadeiro “cometa republicano”.

Logo no início das lições na Universidade Livre, em 1913, falou sobre a “Utilidade da astronomia. Grandeza e magnificência do Universo. Ideia geral da distribuição dos mundos” e outra sobre “Os eclipses do sol e da lua,” nelas procurando explicar a utilidade e funções das ciências e, cerca de dez anos depois, entre 19 de Novembro de 1922 e 27 de Maio de 1923, proferiu uma série de treze lições sobre “Relatividade − sua noção e preceitos”. 

Melo e Simas morreu em 1934. No elogio fúnebre publicado pela Academia das Ciências de Lisboa, o colega e astrónomo Manuel Peres  elogiou o facto de ter sido “estruturalmente astrónomo, astrónomo mais de alma do que de profissão”, assinalando a continuidade que parece existir entre os seus estudos sobre  as trajetórias de balas, realizados no âmbito militar, e a sua atividade de astrónomo especializado em trajetórias de astros. Definiu-o, também, como um “político matemático”, almejando conquistar adeptos através de métodos equivalentes aos das demonstrações algébricas, e não como um “político artilheiro”, que procurasse impor as suas ideias à força. A 10 de Junho de 2005, no semanário Expresso foi recordado como o único astrónomo português a realizar um teste à teoria da relatividade, o que não deixando de ser verdade obscurece a real importância de Melo e Simas para a história das ciências, que se encontra no seu papel como astrónomo, educador e divulgador das ciências, atividades integradas na agenda republicana que abraçou. 

Ana Simões

Arquivos

Observatório Astronómico de Lisboa – Arquivo Histórico
Academia de Ciências de Lisboa
Arquivo Histórico Militar
Arquivo Histórico do Museu de Ciências da Universidade de Lisboa

Obras

 “Elements of Planet (478) [1901 GV]”,  Astronömische Nachrichten, 158 (1902): 379−80.

Definitive orbit elements of Comet 1900 II. Kiel: Verlag der Astronömische Nachrichten, 1903.

“Sur les eléments définitifs de l’orbite de la comète 1910a”, Astronömische Nachrichten 193 (1912): 441−2.  

“Utilidade da Astronomia. Grandeza e magnificência do Universo. Ideia geral da distribuição dos Mundos”, Universidade Livre, 1ª lição (31 de Janeiro de 1913). Lisboa, Universidade de Livre, 1913.

A instrução científica e a educação positiva. Lisboa: Universidade Livre, 1913.

“Movimentos próprios de quarenta estrelas circumpolares austrais,” Memórias da Academia Real das Sciencias de Lisboa (1ª classe, Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturaes) 7 p. II (1914): 1−23.

“O cometa de Halley. Sua influência sobre a Terra”, Trabalhos da Academia de Sciências de Portugal 3 (1915): 399−422.

 As classes médias e a questão económica. Lisboa, Federação Nacional Republicana, 1920.

“Ocultação de uma estrela por Júpiter”, Jornal de Sciencias Matemáticas, Físicas e Naturais da Academia de Sciencias de Lisboa 19 (1924).

“Positions d’étoiles en ascension droite”, Bulletin de l’Observatoire Astronomique de Lisbonne (Tapada) 5 (1935) : 33−39; 6 (1936): 41−46; 7 (1936): 47−53; 8 (1937): 55−61; 9 (1937): 63−69. 

Bibliografia sobre o biografado

Arruda, L. M., “Manuel Soares de Melo e Simas, militar, astrónomo e político. Abordagem à sua biografia”, in O Faial e a Periferia Açoriana nos séculos XV a XX. Horta: Núcleo Cultura da Horta, 2006,  477−519.

Mota, Elsa, Paulo Crawford e Ana Simões, “Einstein in Portugal. Eddington’s 1919 expedition to Principe and the reactions of Portuguese astronomers (1917−1925).” British Journal for the History of Science 42 (2009): 245−73. 

[Peres, Manuel], “A Academia das Ciências de Lisboa sofreu uma dolorosa perda”, in Observatório Astronómico de Lisboa – Arquivo Histórico, s/d, Manuel Soares de Melo e Simas, processo individual, texto dactilografado.

Simões, Ana, Isabel Zilhão, Maria Paula Diogo e Ana Carneiro, “Halley turns Republican. How the Portuguese press perceived the 1910 return of Halley’s comet”, History of Science 51 (2013): 199−219.

Simões, Ana e Luís Miguel Carolino, “The Portuguese astronomer Melo e Simas (1870-1934). Republican ideals and popularization of science”, Science in Context 27 (2014): 49−77.

Choffat, Léon-Paul

Porrentruy, Suíça, 14 março 1849 — Lisboa, 6 junho 1919

Palavras-chave: Mesozoico, cartografia geológica, geologia aplicada, tectónica.

DOI: https://doi.org/10.58277/UYCS1979

Léon-Paul Choffat nasceu no seio de uma família abastada, filho de Marie Anne Jeanne Baptiste Béchaux (1812−1881) e de Henri Joseph Choffat (1797−1869), banqueiro e industrial. Durante a infância, era visita da casa paterna o naturalista e iniciador da tectónica do Jura, Jules Thurmann, discípulo de Élie de Beaumont. Choffat foi diretamente influenciado por dois alunos de Thurmann, Jean-Baptiste Thiessing e Joseph Ducret, então professores da Ecole Cantonale de Porrentruy, onde se matriculou em 1861, acompanhando-os em excursões geológicas. Após terminar a educação secundária, foi enviado para Besançon para adquirir a formação necessária a uma carreira na banca; simultaneamente, frequentou a Faculdade de Ciências local. Foi nesta altura que se tornou sócio da Société d’Emulation du Doubs, uma associação promotora desta região francesa, vindo a publicar trabalhos sobre a geologia da região do Jura nas respetivas Mémoires, entre 1875 e 1879.

Regressado da estadia de três anos em França, Choffat ingressou, em 1871, na Escola Politécnica e na Universidade de Zurique, onde frequentou cursos de química e de ciências naturais. O falecimento de seu pai, aliado à fortuna pessoal herdada e à influência do arqueólogo e historiador da região, Auguste Quiquerez, e do médico e geólogo, Jean Baptiste Greppin, levaram-no a seguir a sua vocação de geólogo, agora sem constrangimentos. Durante este período, beneficiou do regime de aulas de campo de Arnold Escher von der Linth e Albert Heim, figuras de relevo na geologia suíça, e Heim na sua institucionalização. Na universidade e, mais tarde, nas expedições pelos Alpes, na região do Jura, Choffat relacionou-se com Ludwig von Loczy, Oswald Heer, que viria a colaborar com os serviços geológicos portugueses, Karl Mayer-Eymar e Jules Marcou. Depois de concluir os estudos superiores na Universidade de Zurique, em 1875, foi nomeado Privatdozent, na Escola Politécnica local para os cursos de geologia e paleontologia animal, lecionando também na Faculdade de Medicina; porém, rapidamente deixou a docência devido a uma laringite crónica, sendo aconselhado a mudar-se para um clima mais ameno. Em resultado das investigações realizadas no Jura francês e na região de Berna, tinha já publicados diversos trabalhos, em França e na Suíça, quando, em 1878, se deslocou a Paris para a primeira reunião do Congresso Internacional de Geologia (CIG).

A atividade científica de Choffat decorreu num período de franco desenvolvimento da geologia, então já em fase de profissionalização e especialização. Desde meados da década de 1830, tinham sido criados nos diversos países, incluindo Portugal, instituições estatais destinadas ao levantamento geológico e à elaboração de cartografia geológica, decorrentes da necessidade de controlar o território para melhor o administrar. A exploração de recursos minerais e hidrológicos intensificou-se dada a sua utilização em importantes sectores económicos como a produção industrial, enquanto matérias-primas e combustíveis, construção civil, agricultura, abastecimento de águas potáveis e exploração de águas mineromedicinais. Sendo a geologia uma ciência territorial que comporta uma dimensão histórica e tendo as unidades geológicas, frequentemente, um carácter transnacional, nela convergiram tensões entre nacionalismo e internacionalismo, numa época em que a ciência e a tecnologia se tornaram argumentos decisivos na afirmação da supremacia das diversas potências europeias. Estas tensões ficaram bem patentes nas reuniões do CIG, fórum internacional que reunia periodicamente com o intuito de normalizar a linguagem verbal e visual da geologia, em matéria de divisões cronostratigráficas e respetiva nomenclatura e do código de cores a usar na cartografia geológica, a última adquirindo um carácter simbólico ao integrar a parafernália de símbolos nacionais. 

Foi, precisamente, na reunião do CIG de 1878 que Choffat travou conhecimento com Carlos Ribeiro, então diretor da Secção dos Trabalhos Geológicos, organismo do Ministério da Obras Públicas, Comércio e Indústria, que tinha por missão o levantamento geológico de Portugal continental e a produção de cartografia geológica. Ribeiro convidou Choffat a colaborar com a instituição portuguesa não só para que este realizasse o estudo do Mesozóico, até aí inexplorado devido à falta de especialistas em Portugal, mas também fortalecesse a estratégia de internacionalização dos serviços que chefiava. Choffat, por seu turno, estava simultaneamente interessado em passar algum tempo num clima mais suave e em investigar a geologia de Portugal, o que lhe garantiria uma produção original e sem concorrência, facilitando a sua projeção na comunidade científica internacional. 

Choffat esboçou um programa de trabalho e negociou modos de prevenir conflitos, assegurando-se de que não haveria sobreposição com trabalho de colegas portugueses, ao mesmo tempo que clarificou questões de propriedade intelectual e dos fósseis a recolher, propondo-se ser um colaborador temporário, a título gratuito. Ribeiro respondeu favoravelmente ao plano e Choffat veio para a Lisboa. A correspondência endereçada à Secção dos Trabalhos Geológicos dá indicações acerca das suas atividades no ano e meio seguinte e da rede de contactos que tinha na Suíça e em França.

Choffat chegou a Portugal em Novembro de 1878, passando os últimos dois meses deste ano a examinar a coleção de fósseis da Secção; em Janeiro de 1879, foi-lhe oficialmente requerido que estudasse as formações do Mesozóico. Bem integrado, gozava de uma autonomia significativa, cedo desempenhando um papel ativo na instituição, pois apercebeu-se das limitações existentes, nomeadamente da sua reduzida dimensão e falta de recursos bibliográficos, estabelecendo contactos com livreiros estrangeiros, no sentido de adquirir obras atualizadas para a modesta biblioteca.

As investigações sobre o Mesozóico resultaram na colheita de fósseis cuja descrição e classificação requereram colaboração externa. No início de 1880, decidiu contactar Heer, reputado especialista na flora do Terciário, que se mostrou interessado nos seus achados e se prontificou a auxiliá-lo, mas no quadro de uma colaboração formalizada com a Secção dos Trabalhos Geológicos. Como Ribeiro não conhecia Heer, Choffat funcionou como intermediário entre ambos e, mais tarde, com outros especialistas: o paleontólogo suíço Perceval de Loriol, e o cristalógrafo e mineralogista austríaco Gustav Adolph Kenngot que colaboraram com os serviços geológicos portugueses. 

A estadia de Choffat em Portugal produziu resultados capazes de contribuir para a consolidação da sua posição no panorama científico internacional e a confiança nele depositada levou Ribeiro a investi-lo de responsabilidades de diplomacia científica. Quando se deslocou a Paris, em Junho de 1880, para apresentar um trabalho na Société Géologique de France sobre as investigações do Jurássico realizadas em Portugal usou a oportunidade para, a pedido de Ribeiro, auscultar a disponibilidade dos colegas de viajarem até Lisboa para o Congresso de Arqueologia e Antropologia Pré-histórica que teve lugar nesse mesmo ano. 

A sua primeira estadia em Portugal terminou, em 1880, ano em que regressou a Porrentruy para depois casar, em Besançon, com Jeanne Claudette Logerot (1859−1928) de quem teve nove filhos. Embora à data mantivesse o lugar de professor em Zurique, manifestou a Ribeiro o desejo de voltar a Portugal. Entretanto, o ano de 1882 é marcado pela morte deste, sucedendo-lhe na direção da Secção dos Trabalhos Geológicos, Joaquim Filipe Nery da Encarnação Delgado, que seguiu orientações idênticas no que se referia à colaboração externa, dado o reduzido pessoal dos serviços e a inexistência de uma comunidade local de geólogos. 

Choffat regressou definitivamente a Portugal, em 1883, começando a trabalhar para o governo português, na Secção dos Trabalhos Geológicos, sob contrato sucessivamente prorrogado até à sua morte. Nesse mesmo ano, iniciou-se a publicação da primeira revista portuguesa especializada em geologia, as Comunicações da Secção dos Trabalhos Geológicos, denotando a capacidade da instituição de produzir, regularmente, investigação científica. 

A produção científica de Choffat foi vasta, abrangendo diversas disciplinas da geologia, ou com ela relacionadas: estratigrafia e paleontologia do Mesozoico, cartografia geológica, tectónica, sismologia, geologia económica, hidrogeologia, paleoantropologia e arqueologia. Entre 1880 e 1885, publicou sobre o Lias (Jurássico Inferior) e Dogger (Jurássico Médio), a Norte do Tejo, e sobre o Cretácico nas regiões de Lisboa, Sintra e Belas. Como era então comum, dividiu o Jurássico em Lias, Malm (Jurássico Superior) e Dogger, estando entre os primeiros geólogos europeus a defender a separação do Calloviano do Jurássico Superior e a colocá-lo no Dogger. Em 1882, apresentou à Société Géologique de France uma nota sobre estruturas diapíricas em Portugal que designou vales tifónicos, assunto sobre o qual publicou nos dois anos seguintes. Neste período, teve ainda assento nas comissões de nomenclatura geológica, lideradas pela Secção dos Trabalhos Geológicos, no âmbito do CIG. 

Com a reestruturação de 1886, a Secção dos Trabalhos Geológicos passou a denominar-se Comissão dos Trabalhos Geológicos, dissociando-se da Direcção-Geral dos Trabalhos Geodésicos, em fase de declínio, ficando formalmente ligada ao sector mineiro pela sua integração na Direcção-Geral das Obras Públicas e Minas. A partir de então, a Comissão passou a ser obrigada a recrutar o seu pessoal entre os engenheiros de minas já ao serviço do Ministério das Obras Públicas, certamente para poupar verbas e satisfazer esta já bem posicionada clientela. De salientar que somente Choffat e depois Wenceslau de Lima, ambos no regime de contratados, tiveram o título de geólogo, facto indicativo de que o estatuto profissional dos engenheiros prevalecia sobre o dos geólogos no seio da instituição, situação que se prolongou pelas primeiras décadas do século XX.

De 1885 em diante, Choffat prosseguiu com investigações sobre o Cretácico e o Jurássico, corrigindo interpretações de Ribeiro. Apesar de este ter definido as principais características geológicas do território antes de 1860, os seus conhecimentos sobre as faunas e floras do Cretácico e do Jurássico estavam, naturalmente, limitadas pelo conhecimento da época, o que explica que não tenha podido caracterizar o Bathoniano (Jurássico Médio), o Senoniano (Cretácico Superior), hoje em desuso, e estabelecer os contactos do Jurássico com o Triásico. Choffat localizou os depósitos bathonianos e estabeleceu a estratigrafia pormenorizada de todos os andares do Jurássico, descrevendo a sua fauna em Portugal. Propôs a criação do andar Lusitaniano (1885 e 1893) para o conjunto estratigráfico Oxfordiano Superior – Kimmeridgiano, localizado no Jurássico, o que foi temporariamente aceite. Embora nunca se tenha deslocado a África, desenvolveu, entre 1886 e 1889, estudos de geologia das colónias portuguesas neste continente, analisando amostras e notas enviadas por diversos viajantes. 

Em 1887, Choffat solicitou que nos trabalhos de levantamento geológico auferisse de ajudas de custo para o serviço de campo iguais às dos engenheiros de minas, alegando ser mais antigo no serviço do governo português do que o primeiro classificado dos engenheiros subalternos, pretensão despachada favoravelmente. No ano seguinte, requereu que o seu vencimento de 60 mil reis fosse equiparado ao dos engenheiros chefes de minas, no valor de 100 mil reis; no entanto, foram-lhe apenas abonados 90 mil reis

Neste período, a produção científica da Comissão dos Trabalhos Geológicos assentava, fundamentalmente, nos trabalhos de Choffat e de Delgado, recorrendo-se novamente a colaborações estrangeiras, em certos casos facilitadas por Choffat. É o caso de Loriol que analisou as faunas do Cretácico e do Jurássico, em 1888, e, posteriormente, em 1890 e 1896. Mais uma vez, os serviços geológicos foram reestruturados, em 1892, passando a designar-se Direção dos Trabalhos Geológicos, continuando Nery Delgado a gerir os seus destinos. 

No plano da cartografia, Choffat e Nery Delgado baseados na carta geológica de Portugal de 1876, na escala de 1:500 000, apresentaram os esboços da revisão desta carta, nas reuniões do CIG de Londres (1888) e de Zurique (1894), publicando uma nova versão, em 1899, que foi premiada com uma medalha de ouro, na Exposição Universal de Paris de 1900. Em conjunto com Nery Delgado, Choffat colaborou na elaboração do Mapa Geológico de España, na escala 1: 400 000 (folhas 5, 9 e 13), publicada em 1889, e na edição de 1893 do Mapa Geológico de España (representando a Península Ibérica), na escala 1: 1 500 000, ambos sob a direção de Manuel Fernandez de Castro. Contribuíram, também, para as folhas 29 AV e 36 AVI da carta geológica da Europa, na escala 1: 500 000, publicada em Berlim, em 1896, uma iniciativa do CIG coordenada pelo prussiano Wilhelm Hauchecorne. Choffat elaborou uma carta geológica de Portugal do ponto de vista agrícola, na escala de 1: 2 000 000, publicada em 1901. Em colaboração com Luís de Almeida Couceiro, funcionário dos serviços geológicos, elaborou uma carta hipsométrica de Portugal, na escala de 1:100 000 publicada em 1900, com uma nota explicativa, em 1907. Trabalhou, ainda, nos mapas geológicos de Sintra, na escala 1: 20 000; Buarcos, na escala 1: 100 000, e Arrábida, na escala 1: 25 000, com a colaboração de Romão de Matos (1880−1979), um dos auxiliares de trabalho de campo (então denominados coletores) mais proficientes. 

Em 1899, a Direção dos Trabalhos Geológicos foi reestruturada, passando a designar-se Direção dos Serviços Geológicos, deixando o vencimento de Choffat de estar inscrito no orçamento geral, para passar a sair da verba “despesas diversas.” Consequentemente, ficou sem financiamento para ajudas de custo referentes a trabalho de campo e a publicações, sendo o seu vencimento reduzido para 76 500 reis, facto surpreendente, tendo em conta a sua carreira e prestígio. Em 1901, na sequência de mais uma reorganização, a anterior Direção passa a Comissão do Serviço Geológico.

Choffat, agora detentor de um conhecimento aprofundado da geologia do país, reviu divisões estratigráficas anteriormente estabelecidas. Trabalhou, principalmente, o Cretácico Superior e os contactos entre o Jurássico e o Cretácico. Relativamente ao Cretácico, reviu interpretações e distinguiu quatro grupos: o grupo hoje em desuso Neocomiano (Cretácico Inferior), o Belasiano (uma antiga divisão entre o Cretácico Médio e Inferior, cujo nome deriva de Belas, localidade próxima de Lisboa), o Turoniano (Cretácico Médio), e o Senoniano (Cretácico Superior). Na sequência dos sismos registados no país em 1903 e 1909, publicou trabalhos neste domínio, tendo representado Portugal na Associação Internacional de Sismologia; em 1908, publicou um estudo sobre a tectónica da Serra da Arrábida. 

Na área da hidrogeologia realizou, entre 1893 e 1903, estudos relacionados com o abastecimento de água a Lisboa, Guimarães, Beja e Guarda, e sobre as águas minerais dos terrenos mesozoicos e do soco paleozoico.

Desde os finais do século XIX que, no decurso de trabalhos de terraplanagens, abertura de poços ou pesquisa de águas, se registaram ocorrências de hidrocarbonetos (petróleo, asfalto e betume) nos terrenos mesozoicos portugueses a norte do Tejo. Rapidamente se difundiu a notícia da existência de petróleo em Portugal, numa altura em que a exploração de jazidas deste combustível fóssil adquiria cada vez maior importância em diversos países. Desde 1902 que Choffat fora solicitado por privados a realizar estudos sobre locais onde parecia existirem indícios de petróleo. Os resultados destes estudos foram publicados em 1910, concluindo o geólogo ser inegável a existência de petróleo nas formações mesozoicas portuguesas da região de Torres Vedras e Monte-Real. Aproveitou a ocasião para chamar a atenção para a necessidade de realização de estudos geológicos preliminares a sondagens, de modo a aumentar a eficácia, reduzir o risco de insucesso e os custos; considerava que o Estado português deveria intervir na pesquisa e exploração dos hidrocarbonetos, uma atividade industrial promissora em termos económicos. Entre 1912 e 1914, Choffat elaborou relatórios sobre as areias auríferas da Adiça e outros depósitos da costa ocidental da Península de Setúbal, as jazidas de ferro do Triásico e dos xistos paleozoicos das zonas de Pias e Alvaiázere e as minas de granadas de Monte Suímo, em Sintra.

Ainda no que se refere à geologia aplicada, publicou sobre a importância dos dados geológicos prévios à construção de caminhos-de-ferro, prática corrente na Suíça, e a construção de uma ponte sobre o Tejo, em Lisboa. De entre estes trabalhos, destaca-se o estudo geológico dos terrenos onde foi construído o túnel do Rossio, publicado em 1889. Além do seu significado científico, esta obra visou ser uma demonstração da necessidade de estudos geológicos preliminares a obras públicas, demarcando o espaço de competência profissional do geólogo, face ao engenheiro civil. No entanto, o principal beneficiário deste estudo foi Edmond Bartissol, o empreiteiro francês responsável pela obra inaugurada em Junho de 1890, que pôde assim escolher o método de perfuração mais económico. Choffat, no entanto, advogava um traçado do túnel ligeiramente diferente, alegando que este pouparia ao Estado quantia considerável, mas nem a Companhia Real dos Caminhos de Ferro Portugueses, nem a Direcção-Geral ou o Ministério da Obras Públicas, lhe solicitaram qualquer estudo prévio à adjudicação da obra, talvez por entenderem que este seria uma mera formalidade burocrática.  

Finalmente, Choffat publicou diversos obituários de geólogos portugueses e de estrangeiros que trabalharam sobre temas geológicos referentes ao território nacional, contribuindo para a construção de uma memória da geologia, em Portugal.

Com a morte de Nery Delgado, em 1908, sucedeu-lhe Wenceslau de Lima cujo mandato foi efémero. Choffat foi instado a suceder-lhe, mas recusou por se sentir fisicamente debilitado. Lamentou a falta de quadros competentes, dadas as deficiências no ensino da geologia em Portugal e a aversão ao trabalho de campo que já anteriormente criticara. Choffat não deixou discípulos; apenas alguns coletores e o capitão de engenharia do quadro de minas do Ministério das Obras Públicas, Francisco Luís Pereira de Sousa, terão beneficiado da sua experiência e conhecimentos. A 6 de Junho de 1919, Choffat morreu, em Lisboa, ficando provisoriamente sepultado no jazigo de Nery Delgado, no Cemitério dos Prazeres, tendo sido posteriormente transladado para o seu mausoléu, no cemitério de Porrentruy. 

Cada vez mais crítico do rumo que a instituição tomara, sobretudo após o falecimento de Nery Delgado, terá sido sua intenção doar parte da biblioteca pessoal a sociedades científicas francesas e belgas; a um seu sobrinho, estudante de geologia, as obras referentes à Suíça e o remanescente à Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra. Quanto às suas notas de campo e outros manuscritos, foram levados pelos herdeiros para a Suíça. Este espólio só regressaria a Portugal, em 1947, sendo posteriormente devolvido aos serviços geológicos.

A obra de Choffat foi reconhecida e objeto de distinções variadas. Foi homenageado através da nomenclatura paleontológica, sendo longa a lista de táxones que lhe são dedicados. Em 1892, foi-lhe conferido o doutoramento honoris causa pela Universidade de Zurique, e o grau de Comendador da Ordem de Isabel la Católica, em 1896, pela colaboração com a Comisión del Mapa Geológico de España; em Portugal, recebeu o mesmo grau da Ordem de S. Tiago. Em 1900, foi galardoado com o Prémio Auguste Viquesnel da Société Géologique de France, pela primeira vez atribuído a um estrangeiro. Foi membro de inúmeras academias e sociedades científicas portuguesas e estrangeiras.

Ana Carneiro

Arquivos

Arquivo Histórico e Biblioteca do LNEG – Laboratório Nacional de Energia e Geologia: notas manuscritas, correspondência, minutas de campo, cartografia e publicações científicas (espólio não organizado, guardado em caixas diversas).

Biblioteca do Departamento de Ciências da Terra da Universidade de Coimbra, 

Núcleo Paul Choffat (1849–1919).

Obras 

Choffat, Paul. “Études Géologiques sur la Chaîne du Jura. I– Esquisse du Callovien et de l’Oxfordien dans le Jura Occidental et le Jura Méridional suivie d’un Supplément aux Couches à Ammonites Acanthicus dans le Jura Occidental.” Mémoires de la Société d’Émulation du Doubs, 3 (1879): 72–219.

— Etude Stratigraphique et Paléontologique des Terrains Jurassiques du Portugal: Première Livraison – Le Lias et le Dogger au Nord du Tage. Lisbonne: Section des Travaux Géologiques/Imprimerie de L’Académie Royales des Sciences, 1880.

Étude Géologique du Tunnel du Rocio. Contribution à la Connaissance du Sous-sol de Lisbonne. Lisbonne: Commission des Travaux Géologiques du Portugal/ Imprimerie de l’Académie Royale des Sciences, 1889.

— “Les Eaux d’Alimentation de Lisbonne. Rapport entre leur Origine Géologique et leur Composition Chimique.” Bulletin de la Société Belge de Géologie, Paléontologie et Hydrologie, 10 (1896): 161–197.

— “L’Infralias et le Sinémurien du Portugal.” Comunicações da Comissão do Serviço Geológico de Portugal, 5 (1903): 49–113.

Contributions à la Connaissance Géologique des Colonies Portugaises d’Afrique. I – Le Crétacique de Conducia. Lisbonne: Commission du Service Géologique du Portugal/ Imprimerie de l’Académie Royale des Sciences, 1903.

Essai sur la Tectonique de la Chaîne de l’Arrabida. Lisbonne: Commission du Service Géologique du Portugal/Imprimerie Nationale, 1908.

—“Le Séisme du 23 Avril 1909 dans le Ribatejo (Portugal) et ses Relations avec la Nature Géologique du Sol.” In Comptes Rendus des Séances de la Troisième Réunion de la Commission Permanente de l’Association Internationale de Sismologie, Réunion à Zermatt, du 30 Août au 2 Septembre, edited by R. Kövesligethy, 126–129. Budapest: Victor Hornyánszky, 1910. 

— “Rapports de Géologie Économique. 3– Les Recherches d’Hydrocarbures dans l’Estremadure Portugaise (Résumé). 4– Les Mines de Grenats de Suimo.” Comunicações da Comissão do Serviço Geológico de Portugal, 10 (1914): 159–198.

Delgado, Joaquim Filipe Nery e Paul Choffat. Carta Geológica de Portugal. Escala 1:500 000. Direção dos Trabalhos Geológicos, 1899.

Bibliografia sobre o biografado 

Areias, Maria das Dores, “Expeditions in the African Colonies during then 19th century: Geological Contributions from Portuguese Travellers.” Comunicações do Instituto Geológico e Mineiro, 88 (2001): 347–354.

Carneiro, Ana, Teresa Salomé Mota e Vanda Leitão. O Chão que Pisamos. A Geologia ao Serviço do Estado (1848–1974). Lisboa: Edições Colibri /Colecção CIUHCT, 2014.

Fleury, Ernest. “Une Phase Brillante de la Géologie Portugaise: Paul Choffat, 14 Mars 1849–6 Juin 1919.” Mémoires de la Société Portugaise des Sciences Naturelles, 3 (1920): 1–54.

Rocha, Rogério Bordalo da, et al. (eds). Paul Choffat na Geologia Portuguesa. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa /Instituto Nacional de Engenharia, Tecnologia e Inovação, 2008.

Teixeira Pinto, Luís. “Paul Choffat’s First Stay with the Portuguese Geological Survey.” Comunicações do Instituto Geológico e Mineiro, 88 (2001): 301–308.

Costa, Augusto Pires Celestino da

Lisboa, 16 abril 1884 —  27 março 1956

Palavras-chave: Faculdade de Medicina de Lisboa, Histologia e Embriologia, “Geração de 1911”, Política científica.

DOI: https://doi.org/10.58277/PHZJ6378

Augusto Pires Celestino da Costa nasceu numa família de ascendência açoriana. O pai, Pedro Celestino da Costa, filho do Visconde de Noronha, era oficial do exército e sucumbiu às lutas que levaram à implantação da República, a 4 de Outubro de 1910; sua mãe, Úrsula Cândida de Canto e Castro faleceu quando Celestino da Costa tinha apenas três anos. Celestino da Costa foi criado por Joana Figueira Magalhães, mulher do pai em segundas núpcias. A perda deste e a morte precoce da mãe marcaram-no profundamente, mas foi o médico May Figueira − irmão da madrasta, médico de D. Luís I e professor na Escola Médico-cirúrgica de Lisboa− o seu verdadeiro tutor, que lhe despertou o interesse pelos estudos experimentais em medicina.  

No liceu interessou-se pela investigação histórica que lhe despertaria a curiosidade pela vida científica. Concluído o ensino secundário, decidiu inscrever-se na Escola Médico-cirúrgica de Lisboa. A sua atração pela medicina foi reforçada pela morte precoce de Luiz da Câmara Pestana, vítima da peste, que assim ganhou uma aura de heroicidade no combate à doença. Na Escola Médico-cirúrgica frequentou o laboratório de Marck Athias, que lhe incutiu o gosto pela medicina experimental e pela investigação, especialmente, em histologia. Foi aluno do primeiro curso de técnica histológica lecionado por Athias, sendo o seu trabalho sobre a histofisiologia das glândulas endócrinas (1904) considerado pioneiro em Portugal, por interpretar os resultados laboratoriais ao invés de fazer uso do saber livresco.

Em 1905, concluiu a licenciatura com a tese intitulada, Glândulas Supra-Renais e suas Homólogas, Estudo Citológico. Nos dois anos seguintes, apoiado financeiramente por May Figueira, partiu para a Alemanha com o objetivo de se especializar em histologia, seguindo os passos do tio, que se doutorara em Bruxelas e estagiara com o histologista Charles Robin, na Faculdade de Medicina de Paris, em 1855. Fez um estágio no laboratório de Rudolf Krause em Berlim, no Anatomisch-Biologische Institut, dirigido por Wilhelm Hertwig, citologista, embriologista e um dos pioneiros dos estudos sobre a hereditariedade. Findo o estágio fez várias viagens às principais capitais europeias, visitando vários laboratórios de investigação, o que lhe permitiu desenvolver uma visão médica, científica, cultural e artística mais universalista.

De regresso a Lisboa, ao mesmo tempo que trabalhou durante algum tempo no seu laboratório de análises clínicas na Avenida da Liberdade, deu início à investigação científica no laboratório de Marck Athias, no Instituto Real Bacteriológico Câmara Pestana, dirigido por Aníbal Bettencourt. Athias congregou a segunda geração de “médicos de laboratório”, constituída por Aníbal Bettencourt, Carlos França, Celestino da Costa, Sílvio Rebelo, Azevedo Neves e Henrique Parreira. 

Casou com Emília Hermengarda Croner Celestino da Costa, descendente de uma família de músicos. Deste casamento nasceram quatro filhos: Pedro, Jaime, Elisa e Augusto. Celestino da Costa deixou-se contagiar pela cultura musical da família Croner e escreveu, entre 1930 e 1931, uma série de 18 crónicas radiofónicas e fonográficas com críticas de emissões e discos, sob o pseudónimo de Sehr Musikalisch no semanário Kino, fundado pelo cineasta António Filipe Lopes Ribeiro, em 1930. 

Celestino da Costa viveu na transição da Monarquia para a República, período de transformações importantes no ensino superior e na construção do poder pela classe médica. A reforma republicana do ensino criou as Universidades de Lisboa e Porto, em 1911, tendo as escolas médico-cirúrgicas destas duas cidades sido convertidas em Faculdades de Medicina. Em 1910, com a morte de Miguel Bombarda, titular das cadeiras de Histologia e Fisiologia Geral na Escola Médico-cirúrgica de Lisboa, Celestino da Costa, então com 27 anos, ocupou a cátedra de Histologia, na agora Faculdade de Medicina de Lisboa, onde criou o Instituto de Histologia e Embriologia. 

Foi director técnico do Aquário Vasco da Gama (1913-1921), procurando transformá-lo num verdadeiro instituto de biologia marítima. Nos anos 30, no contexto de uma reorientação da medicina nacional para a investigação laboratorial, Celestino da Costa dedicou-se fundamentalmente à Faculdade de Medicina e à criação de uma escola de investigação que deixasse discípulos continuadores da sua obra. Em 1919, organizou o serviço de análises clínicas dos Hospitais Civis; em 1931, ocupou o cargo de secretário da Faculdade; em 1932, foi nomeado delegado dos professores catedráticos ao senado universitário e eleito vice-presidente da Junta Nacional de Educação, organismo destinado à definição de políticas científicas e ao financiamento da investigação; em 1935, foi nomeado diretor da Faculdade de Medicina. Em 1947, Celestino da Costa, como tantos outros professores universitários foi atingido pela vaga de saneamentos políticos organizada por Salazar e compulsivamente afastado da Faculdade durante alguns meses. A partir de 1950, Celestino da Costa viajou pelo Brasil e por Buenos Aires, onde realizou algumas conferências e cursos. Jubilou em 1954, ao completar 70 anos de idade. 

No contexto do Estado Novo, regime que não tinha o seu apoio, Celestino da Costa empenhou-se na definição e concretização de políticas de investigação, através da Junta Nacional de Educação e do Instituto para a Alta Cultura (IAC), cujos resultados se fizeram sentir em diversas disciplinas científicas, particularmente nas áreas biomédicas. Em 1932, foi eleito vice-presidente da Junta Nacional de Educação; entre 1934 e 1936 assumiu a presidência da comissão executiva e em 1936 passou a dirigir o IAC, com três grandes linhas de ação até 1942: a organização da investigação científica e do fomento cultural, o intercâmbio cultural universitário e a expansão da língua e da história portuguesas.

Celestino da Costa desempenhou vários cargos em sociedades científicas e profissionais. Foi membro fundador da Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais, em 1907, e da Socieade de Biologia, em 1920; vice-presidente da Association des Anatomistes, em 1927; presidente da secção da Société Anatomique de Paris, em 1933; sócio honorário da Société d’Endocrinologie, em 1939 e, presidente da sociedade portuguesa de endocrinologia, entre 1949 e 1955. Foi ainda presidente da Associação dos Médicos Portugueses, em 1920, presidente da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa, entre 1946 e 1949, e da secção de ciências da Academia das Ciências de Lisboa. Foi também fundador da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia e co-fundador da Sociedade Luso-Espanhola de Endocrinologia com Gregorio Marañon.

***

De espírito liberal, movido por um ideal de apostolado científico, influenciado pelo pensamento de Santiago Rámon y Cajal, Celestino da Costa deu início a uma carreira de professor e investigador, que ficaria para a história da medicina portuguesa como um dos representantes mais destacados da “geração de 1911,” e arauto da modernização do sistema científico português, na primeira metade do século XX.

Na tradição inaugurada pela escola de investigação de Marck Athias de quem foi discípulo, Celestino da Costa estruturou um programa de investigação em três áreas fundamentais: a citologia, a embriologia e a histologia, reunindo, ao longo dos anos, diversos discípulos e colaboradores. Entre os mais próximos estão Pedro Roberto Chaves, Alfredo Magalhães Ramalho, Luiz Simões Raposo, Luís Hernâni Dias Amado, Sérgio de Carvalho, Manuel Xavier Morato, Francisco Geraldes Barba, Vasconcelos Frazão e José David-Ferreira. Destes, os quatro primeiros estiveram no centro de decisão do programa e investigação da sua escola, mas, por razões pessoais, políticas e institucionais, nenhum deles veio a suceder a Celestino da Costa, na cátedra de histologia e embriologia. Na segunda geração, iniciada com Xavier Morato, todos se dedicaram à histofisiologia, à carreira universitária e à carreira de investigação nos laboratórios da Faculdade de Medicina. No entanto a influência do grupo de investigação de Celestino da Costa não se restringiu apenas a esta instituição nem às áreas médicas. Por exemplo, o zoólogo Germano Sacarrão, Oliveira e Silva, Tavares de Sousa, António Madeira, Fernando Frade, Diogo Furtado e Rodolfo Iriarte Peixoto, após terem passado pelos laboratórios de Celestino da Costa, expandiram o seu programa de investigação da Faculdade de Medicina de Lisboa para a de Coimbra, e ainda para a Escola Superior de Medicina Veterinária, a Faculdade de Ciências de Lisboa e os Hospitais Civis. Para além destes seguidores mais próximos, integraram também o seu grupo de investigação, os docentes da Faculdade de Medicina, Jacinto Moniz de Bettencourt, Fernando Portela Gomes, Jaime Celestino da Costa, Carlos Alberto Vidal e João Bello de Moraes.  

A investigação realizada no âmbito do seu programa de trabalho foi desenvolvida, quer no Instituto de Histologia e Embriologia da Faculdade de Medicina, onde se sediou o Centro de Estudos Histológicos e Embriológicos, financiado pelo IAC, quer na secção de embriologia do Instituto Bento da Rocha Cabral, desde 1927. Para além da componente didática, nestes laboratórios estudava-se o sistema glandular dos pontos de vista da estrutura, funcionamento e desenvolvimento, bem como o estudo embriológico do desenvolvimento do simpático, aparelho suprarrenal e para-gânglios. A difusão deste programa de investigação fez-se através de conferências temáticas e de cursos de verão frequentados por um público diversificado, mas maioritariamente médico, tendo Celestino da Costa promovido o contacto estreito com biólogos, anatomistas, histologistas e embriologistas não só plano nacional, mas também europeu. 

Sendo a histofisiologia uma área recente na Europa da época e carecendo Portugal de uma tradição científica nesta área alicerçada na experimentação, o papel que a escola de Celestino da Costa teve na alteração da mentalidade científica vigente e nas práticas de investigação foi marcante. Para além de mentor, Celestino da Costa encorajou a produção científica dos discípulos e promoveu uma intervenção planeada em sociedades e atividades editoriais, fatores indispensáveis à obtenção dos recursos intelectuais, científicos e financeiros capazes de garantir a continuidade e afirmação desta escola de investigação nas primeiras décadas do século XX. 

A obra de Celestino da Costa compreende 384 publicações, que incluem artigos e biografias científicas, manuais de laboratório, livros de texto, relatórios institucionais e artigos de carácter mais generalista, cuja temática dominante é o ensino médico nas universidades. Para além dos 173 artigos científicos, merecem especial destaque os livros de texto, como sejam: Elementos de Embriologia publicado em 1933, traduzido em francês em 1945, com segunda edição, também traduzida para francês, em 1948, e, o Tratado Elementar de Histologia e Anatomia Microscópica publicado em 1944, com uma segunda edição, em 1949, e tradução em espanhol em 1953. 

No campo científico, Celestino da Costa voltou sempre às suas ideias iniciais para as completar e refazer: no campo da endocrinologia, começou com o estudo da glândula suprarrenal, em 1904, e com ela terminou, em 1956; no âmbito da embriologia, começou com a histogénese da suprarrenal no estudo dos para-gânglios e as suas relações com o simpático, em 1917, e fechou também o ciclo, poucas horas antes de falecer, ao apresentar no último congresso da Association des Anatomistes, realizado em Lisboa, em 1956, um trabalho de revisão sobre a embriologia do simpático. A investigação em histofisiologia das glândulas endócrinas (supra-renal, hipófise, tiroideia e pâncreas) viria a projetar-se além-fronteiras, nomeadamente no desenvolvimento da endocrinologia na Península Ibérica e em França, onde era considerado referência obrigatória.

Isabel Amaral

Arquivo 

David-Ferreira, José. Disponível online em http://jfdf.pt/
Coleção Celestino da Costa, Faculdade de Ciências Médicas, Lisboa.

Obras

Celestino da Costa, Augusto. “Sobre alguns Pormenores da Estructura da Cápsula Supra-Renal dos Mamíferos.” A Medicina Contemporânea 22 (1904): 100–101, 108–109, 115–116, 160–-162, 192–193, 200–202, 214–215.

O Ensino Médico em Lisboa – a Histologia e a Embriologia. Lisboa: Faculdade de Medicina de Lisboa, 1925.

  • Elementos de Embriologia. Lisboa: J. A. Rodrigues, 1933.
  • A Junta de Educação Nacional. Lisboa: Publicação da Sociedade de Estudos Pedagógicos, Série A2, 1934.

O Problema da Investigação Científica em Portugal. Lisboa: Instituto para a Alta Cultura, 1938. 

— “Conception unitaire des paraganglions.” Comptes Rendus de la Société de Biologie de Paris 132 (1) (1940): 103–108.

— e Roberto Chaves, Pedro. Tratado Elementar de Histologia e Anatomia Microscópica. Lisboa: Livraria Luso-Espanhola, 1944.

—“Fomento e Organização da Investigação Científica. O Caso Português.” Ciência e Cultura, 3, nº3 (1951): 194– 207.

— “L’embryologie du sympathique et de ses dérivés. ” Bulletin de l’Association des Anatomistes 88b (1956) : 3–61. 

  • Historia de uma Experiência (manuscrito). s.d.

Bibliografia sobre o biografado

Flores, António. “Elogio histórico do Doutor Celestino da Costa.” Boletim da Academia das Ciências de Lisboa 29 (1957): 161–190. 

Marañon, Gregorio. “Sessão de Homenagem à memória do Professor Doutor Augusto Pires Celestino da Costa.” Revista Iberica de Endocrinologia 20 (1957): 14–144.

Xavier Morato, Manuel. “O Professor Augusto Pires Celestino da Costa.” Jornal da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa. 125,6 (1961): 1–39.

Celestino da Costa, Jaime. Um Certo Conceito de Medicina. Lisboa: Gradiva, 2001, 17–21; 147–176.

Amaral, Isabel et al. “A Escola de Histofisiologia de Augusto Celestino da Costa (1911-1956).” Actas do 1º Congresso Luso-Brasileiro de História da Ciência e da Técnica (2001):  615–629.

Celestino da Costa, Jaime. A Geração Médica de 1911 – Origem, realização e destino. Lisboa: Faculdade de Medicina de Lisboa, 2003.

“Sessões de Homenagem no Centenário do Professor Augusto Celestino da Costa na Sociedade de Ciências Médicas de Lisboa,” Jornal da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa 149, nº 6, (1985). 

Salazar, Abel. 96 Cartas a Celestino da Costa. Lisboa; Gradiva, 2006. 

David-Ferreira, José. “Augusto Celestino da Costa (1884-1956) – Professor, Scientist and Science Promoter,” International Journal of Developmental Biology 53 (2009), 1161–1164.

Amaral, Isabel. “Augusto Pires Celestino da Costa (1884-1956): Uma vida, uma obra.” Letras convida – Literatura, Cultura e Arte 3 (2011): 44–45.

Rodrigues, César Augusto de Campos

Lisboa, 9 agosto 1836 — Lisboa, 25 dezembro 1919 

Palavras-chave: astronomia, Observatório Astronómico de Lisboa.

DOI: https://doi.org/10.58277/POFQ1710

César Augusto de Campos Rodrigues foi o mais destacado astrónomo português na viragem do século XIX para o século XX, tendo-se distinguido na astronomia de posição ao serviço do Observatório Astronómico de Lisboa, ao qual dedicou cerca de 50 anos da sua vida. 

Campos Rodrigues começou por abraçar a  carreira militar na marinha de guerra. Depois de frequentar o Liceu de Lisboa e o Real Colégio Militar, em 1851 assentou praça na companhia dos guardas marinhas, tendo feito uma viagem de instrução ao Mediterrâneo na corveta Porto. Concluiu o curso preparatório de Marinha na Escola Politécnica em 20 de Fevereiro de 1854, ano em que foi promovido a aspirante de 1ª classe. Ingressou depois na Escola Naval, tendo concluído o respectivo curso em 3 de Julho de 1855. Foi depois nomeado para embarcar no brigue Mondego rumo aos mares da China. Com esta viagem, concluiria a sua formação de oficial de Marinha.   

A bordo do Mondego, Campos foi incumbido, juntamente com o seu companheiro de armas e amigo José Feliciano de Castilho (1838-1864), de efetuar registos meteorológicos e oceanográficos segundo as indicações do superintendente do Observatório Naval dos Estados Unidos, Matthew Fountaine Maury (1806-1873). Maury lançara uma campanha global de recolha de dados oceanográficos, distribuindo protocolos de observação e cartas náuticas atualizadas pelos navegantes que aceitassem, em troca, submeter os seus diários náuticos ao observatório norte-americano. Maury nem sempre foi bem visto no seio da comunidade científica norte-americana da época, mas este empreendimento revestiu-se  de enorme importância no desenvolvimento da oceanografia. Em 1857, Maury escreveu ao diretor do Observatório Meteorológico do Infante D. Luiz,  Guilherme Dias Pegado,  informando-o de que havia recebido várias contribuições portuguesas, e referindo-se de forma elogiosa ao diário do brigue Mondego elaborado por Campos e Castilho. 

Campos Rodrigues fora entretanto promovido a guarda-marinha, em 1856,  tendo sido promovido a 2º tenente em 1858. A 20 de Janeiro de 1860, na viagem de regresso a Lisboa, o brigue Mondego naufragou no Oceano Índico. Campos Rodrigues contou-se entre os membros da tripulação que foram resgatados por uma embarcação americana e reconduzidos a Portugal. A sua atuação durante o naufrágio, visando resgatar tantos tripulantes do brigue quanto fosse possível, mereceu-lhe um louvor militar. 

Entre Maio e Setembro de 1860, prestou serviço no registo do Porto de Lisboa. Em breve regressaria à Escola Politécnica, juntamente com José Feliciano de Castilho, para se tornar engenheiro hidrógrafo. Completou o respectivo curso em 20 de Julho de 1863 e o estágio subsequente em 11 de Agosto de 1865. Em Setembro desse ano, foi admitido no Instituto Geográfico, que era dirigido por Filipe Folque (1800-1870), figura de proa do levantamento cartográfico de Portugal. Folque terá desde cedo reconhecido em  Campos Rodrigues um potencial astrónomo para o novo Observatório Astronómico de Lisboa, que estava então a ser edificado na Tapada da Ajuda.  

A fundação do OAL foi patrocinada por D. Pedro V e apoiada por Friedrich Georg Wilhelm Struve (1793-1864), diretor do Observatório de Pulkovo, que acreditava poder-se estabelecer em Lisboa um observatório capaz de liderar a área da astronomia estelar, juntamente com Pulkovo.  Lisboa proporcionava condições geográficas e climáticas especialmente favoráveis para o estudo das paralaxes estelares e das nebulosas, dois temas centrais da astronomia estelar de então. Algumas estrelas cuja paralaxe anual (e por conseguinte, cuja distância) era considerada mensurável com os instrumentos e técnicas da época, tais como 1830 Groombridge e Alpha Lyrae, passavam nas proximidades do zénite lisboeta, pelo que os efeitos da refração atmosférica seriam mínimos. Além disso, o clima ameno de Portugal, o número considerável de noites de céu limpo por ano, e a escuridão durante as noites estivais, especialmente em comparação com as “noites brancas” de S. Petersburgo,  faziam da capital lisboeta um local apetecível para estudar as nebulosas, cuja natureza era ainda desconhecida.  

No Instituto Geográfico, Campos Rodrigues foi incumbido de fazer o levantamento hidrográfico da barra e do porto de Caminha, que concluiu em 1868. Durante esse período, desenvolveu alguns procedimentos originais para lidar com problemas típicos destes trabalhos, nomeadamente a medição de distâncias horizontais com um taqueómetro, o cálculo de áreas delimitadas nas cartas topográficas por linhas curvas, e o denominado problema dos três pontos ou problema de Pothenot, relativo à projeção de um determinado ponto a partir de três pontos inacessíveis numa rede primária de triângulos.

Em Janeiro de 1869, Campos Rodrigues passou finalmente a integrar o pessoal do OAL, tornando-se o colaborador mais próximo de Frederico Augusto Oom (1830-1890), então Chefe da Secção Astronómica dos Trabalhos Geodésicos do Reino e futuro diretor do OAL. F. A. Oom passara cinco anos no Observatório de Pulkovo a estudar os instrumentos e métodos aí utilizados, de modo a preparar-se para liderar o OAL e torná-lo num observatório dedicado à astronomia estelar. F. A. Oom empenhar-se-ia na frente política para consagrar essa visão nos estatutos do OAL, tendo que lidar com a lentidão dos meandros governamentais e parlamentares, e com a oposição de alguns sectores que desejavam definir o Observatório como uma instituição de carácter generalista e facilmente permeável a sinecuras para o professorado da Universidade de Coimbra e das instituições de ensino superior da capital. 

Campos Rodrigues permaneceria na retaguarda, concentrando-se em preparar o OAL para a implementação do seu programa científico, e coadjuvando F. A. Oom na gestão diária do Observatório. Os trabalhos efectuados no OAL desde a entrada de Campos até à aprovação da Lei Orgânica do Observatório em 1878 incidiram sobretudo na finalização das estruturas de observação (salas de observação, alçapões, cúpulas), na instalação e estudo dos instrumentos, na elaboração de listas de estrelas para as observações de determinação da hora, e no desenvolvimento de processos de cálculo para tornar mais expedita a redução dos dados observacionais. Campos viria a desenvolver diversas réguas de cálculo e processos de cálculo gráfico e desde cedo se começou a debruçar sobre os instrumentos do Observatório, procurando conhecê-los a fundo e aperfeiçoá-los de modo a favorecer a precisão das observações.  Entre os instrumentos originais do OAL destacam-se um círculo meridiano Repsold-Merz, um grande telescópio refractor equatorial de sete metros de distância focal também Repsold-Merz e um instrumento de passagens no primeiro vertical Repsold- Steinheil. 

Em 1873, F. A. Oom começou a organizar uma expedição com destino a  Macau, para observar o trânsito de Vénus de 1874 e assim contribuir para a determinação do valor exato da paralaxe solar, o que por sua vez permitiria conhecer com rigor a distância média Terra-Sol, conhecida como Unidade Astronómica. Tal como no século XVIII, por ocasião dos trânsitos de 1761 e 1769, várias nações organizavam as suas próprias expedições, e F. A. Oom viu aqui uma oportunidade para afirmar o OAL como  observatório nacional de Portugal, tomando a dianteira neste grande esforço científico internacional. Os astrónomos animavam-se com o facto de pela primeira vez se poder aplicar a fotografia à observação deste fenómeno, e Campos Rodrigues desenvolveu um método próprio para fotografar o trânsito, que consistia em usar o interior de uma pequena torre de observação como câmara, ficando o obturador associado à  respectiva cúpula. Mas depois de vários trabalhos preparatórios, a expedição, que não era especialmente onerosa, foi abortada no parlamento com base em argumentos financeiros. 

Em 1876, Campos Rodrigues e  F. A. Oom participaram nos primeiros testes do telefone em Portugal, em colaboração com João Carlos de Brito Capelo (1831-1901) do Observatório Meteorológico do Infante D. Luiz.  Em Dezembro de 1877, os dois astrónomos participaram numa chamada experimental que ligou o OAL à Escola Politécnica, onde o rei D. Luís presenciava a atribuição de prémios aos estudantes, e de onde pôde ouvir, através do telefone, música tocada no Observatório.

Depois de anos de debates e de manobras políticas, em 6 de Maio de 1878 foi finalmente aprovada a  Lei Orgânica do Real Observatório Astronómico de Lisboa que, em consonância com o projeto fundacional defendido por F. A. Oom,  consagrava o  OAL ao estudo das paralaxes estelares, das nebulosas e das estrelas duplas – em suma, ao desenvolvimento da astronomia estelar. Na hierarquia das funções do OAL seguiam-se as observações ocasionais de objetos e fenómenos do sistema solar, o apoio a trabalhos cartográficos e a transmissão da hora oficial. 

Este programa revelou-se, no entanto, demasiado ambicioso. As primeiras décadas de atividade do OAL depois da aprovação da Lei  Orgânica ficaram marcadas pela dificuldade em estabilizar o seu corpo de pessoal, quer na vertente científica, quer no que respeita ao pessoal administrativo e auxiliar. Por conseguinte, foi na transmissão da hora oficial que F. A. Oom, Campos Rodrigues e Augusto Alves do Rio (um oficial de Marinha que serviu como astrónomo de 2ª classe, isto é, astrónomo auxiliar, entre 1878 e 1887) concentraram os seus esforços. 

As observações regulares de tempo foram iniciadas em 1878, tendo feito parte da rotina do OAL até à década de 1980. Eram efectuadas com dois instrumentos de passagens portáteis  construídos pela firma A. & G. Repsold de acordo com indicações de Oom. Faziam-se todas as noites em que o estado do tempo o permitia, incidindo numa série de estrelas previamente selecionadas para o efeito. Ao fim da manhã do dia seguinte, depois de reduzidos os dados das observações, procedia-se à verificação e acerto dos relógios do observatório (as denominadas “pêndulas”). A partir de 1885, a hora oficial determinada pelos astrónomos do OAL passou a ser transmitida telegraficamente para uma estação horária no Arsenal da Marinha, onde um “balão horário” (mais propriamente, uma esfera metálica oca) era içado ao topo de um mastro e largado à 1:00 da tarde local, em sincronia com o sinal enviado do OAL. Assim se dava a hora oficial à navegação e à cidade. Os erros da queda do balão, que raramente iam além de escassos décimos de segundo, eram publicados quinzenalmente no Diário do Governo. Este sistema, que fora desenvolvido por Oom e Campos Rodrigues, substituiu um velho balão já bastante descredibilizado, que era operado manualmente por pessoal do Observatório da Marinha. 

Na década de 1880, Campos Rodrigues estudou detalhadamente o círculo meridiano Repsold-Merz, tendo-o usado numa série de observações da Estrela Polar que nunca chegaram a ser devidamente tratadas, e que por isso nunca foram publicadas. Em 1887, Alves do Rio deixou o OAL, o que levou Campos a ter que assegurar a maior parte das  observações de tempo.  Ao longo dos dois anos que seguiram, Campos aproveitou para levar a  cabo um estudo aprofundado de todo o equipamento empregue nesse trabalho. Antes tinha já introduzido alguns acessórios e modificações nos aparelhos electro-cronográficos do Observatório, que os tornaram mais eficazes e precisos.  Um dos seus dispositivos mais emblemáticos é um interruptor eléctrico com uma peça basculante em V, que produzia sinais através do corte de corrente. Originalmente concebido para substituir os interruptores de um aparelho de medição da equação pessoal (o erro individual de cada observador), o interruptor de Campos Rodrigues foi depois adaptado a todos os relógios de pêndulo do Observatório. Os sinais dos relógios e das observações eram registados com um cronógrafo eléctrico igualmente concebido pelo astrónomo.  Uma vez incumbido de assegurar todas as observações de tempo, Campos desenvolveu também novos métodos e acessórios para os instrumentos de passagens, que permitiam lidar mais eficazmente com os erros sistemáticos deste tipo de instrumentos e apontá-los mais facilmente para as estrelas a observar em cada sessão.  

Para além de determinar a hora oficial, Campos Rodrigues aproveitou também para aperfeiçoar os valores de ascensão recta (coordenada celeste equivalente à longitude terrestre) das estrelas de referência listadas no almanaque Berliner Astronomisches Jahrbuch. Este trabalho, que foi publicado alguns anos mais tarde, terá impressionado o astrónomo norte-americano Lewis Boss (1846-1912), que o usou no seu Preliminary General Catalogue of 6188 Stars for the Epoch 1900 (1910). Este catálogo foi depois desenvolvido pelo seu filho Benjamin Boss (1880-1970), resultando na publicação do General Catalogue of 33,342 stars (1936), uma obra de grande relevância para o estudo dos movimentos próprios das estrelas e da dinâmica da Via Láctea.

Depois do falecimento de F. A. Oom em 1890, Campos Rodrigues foi nomeado diretor do OAL. Pela mesma altura, o filho de F. A. Oom, Frederico Thomaz Oom (1864-1930) foi nomeado astrónomo de 2ª classe, e alguns anos depois, sub-director. Frederico Oom assumiu prontamente um papel central na gestão do OAL, tornando-se no porta-voz da instituição. Apesar do seu título oficial de diretor, Campos permaneceu no papel de eminência parda do Observatório, enquanto Oom se empenhou em procurar um maior reconhecimento para o OAL, quer no contexto nacional, quer no seio da comunidade científica internacional. 

Em 1892, o OAL aderiu à campanha lançada por John Eastman (1836-1913), do Observatório Naval dos Estados Unidos tendo em vista a determinação da paralaxe solar com base em observações de Marte, que estaria em oposição (isto é, alinhado com o Sol e a Terra) em Agosto desse ano. Campos Rodrigues e Frederico Oom efetuaram observações de Marte e de estrelas de referência, essenciais para determinar com rigor as sucessivas posições aparentes do planeta. Os resultados das observações foram posteriormente apresentados num volume intitulado Observations méridiennes de la planète Mars pendant l’opposition de 1892, publicado em 1895. A obra foi distribuída internacionalmente, sendo objecto de uma recensão muito positiva por parte do astrónomo francês Guillaume Bigourdan (1851-1932). Em 1903, o astrónomo norte-americano T. J. J. See (1866-1962) elaborou uma lista dos valores até então obtidos para o diâmetro de Marte, dando destaque ao valor obtido em Lisboa por ocasião da oposição de 1892 (9″.05 ± 0″.44). 

Em 1900, o OAL integrou uma campanha lançada no âmbito do projeto internacional Carte du Ciel, que teve por objectivo proceder a uma nova determinação da paralaxe solar por meio de observações do asteróide Eros. Apesar de a campanha ser eminentemente baseada na fotografia e exigir equipamento que Lisboa não dispunha, o OAL contribuiu com observações posicionais das estrelas de referência, efectuadas por Campos Rodrigues, Frederico Oom, e Artur Teixeira Bastos (?-1931), que ingressara no OAL em 1894. Os resultados das observações efectuadas pelos vários observatórios participantes foram publicados em 1904. O OAL destacou-se entre os 13 observatórios que realizaram observações de estrelas de referência, quer pelo elevado número de observações submetidas, quer pela precisão destas últimas. Este trabalho levou a que Campos Rodrigues fosse distinguido com o Prémio Valz da Academia das Ciências de Paris em 1904.  

Ainda em 1900, Campos Rodrigues e Frederico Oom integraram uma comissão dirigida por Mariano Cyrillo de Carvalho (1836-1905), professor de matemática na Escola Politécnica, que foi incumbida de coordenar o apoio logístico à observação do eclipse total do Sol de 28 de Maio daquele ano.  A faixa de totalidade do eclipse cruzou a região das beiras, à qual se deslocou um grande número de cientistas e académicos nacionais, assim como vários astrónomos estrangeiros. Um grupo liderado pelo diretor do Observatório de Greenwich, William Christie (1845-1922), observou o eclipse em Ovar, tendo aproveitado a viagem a Portugal para visitar o OAL. De volta à Inglaterra, intervindo num encontro da Royal Astronomical Society,  Christie enalteceu as modificações e acessórios que Campos Rodrigues tinha acrescentado ao equipamento original do OAL.  No que respeita ao eclipse, Campos Rodrigues e Artur Teixeira Bastos deslocaram-se à Serra da Estrela, estabelecendo uma estação de observação na zona de Manteigas. Os dois astrónomos pretendiam averiguar a possível existência de planetas interiores à órbita de Mercúrio, mas esta tarefa foi dificultada por um ténue manto de nuvens. Campos Rodrigues fotografou a coroa solar, mas as imagens resultantes eram muito pequenas, e nunca foram publicadas.  

Em 1902, Frederico Oom associou-se ao oficial de marinha e engenheiro hidrógrafo Hugo de Lacerda Castelo Branco (1860-1944) numa campanha de enaltecimento da figura de Campos Rodrigues na imprensa nacional e nos meios militares, com vista à sua promoção a Vice-Almirante.  A promoção concretizou-se nesse mesmo ano. Pela mesma altura, e por iniciativa de Frederico Oom, os resultados de observações efectuadas no OAL sob a liderança de Campos Rodrigues, assim como algumas descrições de aparelhos e técnicas concebidas pelo astrónomo, começaram a ser publicados em revistas nacionais e estrangeiras. Apesar de manter uma atitude recatada e de persistir numa humildade que os seus colaboradores e admiradores amiúde denunciavam como exageradas, a figura de Campos Rodrigues foi cada vez mais exaltada nos meios militares como um exemplo de brilhantismo intelectual e de dedicação à ciência. Nesse mesmo ano, um novo observatório astronómico e meteorológico que estava ser construído em Lourenço Marques (actual Maputo, Moçambique) foi batizado Observatório Campos Rodrigues.    

Campos Rodrigues era também visto como um infalível e benévolo consultor a quem várias instituições e personalidades recorriam para resolver assuntos de instrumentação e cálculo. Uma das figuras nacionais que amiúde procuraram os conselhos do astrónomo foi Carlos Viegas de Gago Coutinho (18691-1959), tendo o OAL despenhado um papel importante no apoio às missões geodésicas em África dirigidas pelo conhecido oficial de marinha e geógrafo. 

Tendo escolhido manter-se em atividade no OAL ao atingir a idade da reforma na carreira militar em 1902, Campos permaneceu ao serviço do Observatório até ao seu falecimento, que se deu na madrugada do dia de Natal de 1919.  O OAL manteve-se fiel  à tradição da astronomia de posição em que Campos Rodrigues se destacou, tendo as técnicas e dispositivos desenvolvidos pelo astrónomo sido usados na Tapada durante décadas, já depois da sua morte. 

Pedro Raposo (entrada adaptada por Ana Simões)

Arquivos

Observatório Astronómico de Lisboa – Arquivo Histórico
Academia de Ciências de Lisboa 
Arquivo Histórico da Marinha
Arquivo Histórico – Museu Nacional de História Natural e da Ciência 

Obras 

«Observations d’occultations pendant l’éclipse total de la Lune, 1891, novembre 15», Astronomische Nachrichten, 138 (1895) cols. 107-110.

«Observations des Léonides 1898, 1899», Astronomische Nachrichten, 158 (1899) cols. 393-396; 151 (1899) cols. 119-122.

«Corrections aux Ascensions Droites de quelques étoiles du Berliner Jahrbuch observées à Lisbonne (Tapada)», Astronomische Nachrichten, 159 (1902) 329-360.

«Personal Equation», The Observatory, 25 (1902), 121-124.

«Einfache Einrichtung zur Beleuchtung der Fadencines Kollimators», Zeitschrift fur Instrumenenkunde, XXII (1902) 142-143.

«Kurvenlineal fur Kreisbögen», Deutsche Mechaniker-Zeitung, 17 (1902), 166-167.

«Bewegliche Leitern zur Beobachtung des Nadirs», Deutsche Mechaniker-Zeitung, 18 (1902), 178.

«Le problème de Pothenot», Revista di topografia e catasto, 16 (1903-1904), 100-102.

«Observations d’éclipses de Lune», Astronomische Nachrichten, 165 (1904), 178-184.

«Portuguese Standard Time», The Observatory, 34 (1911), 305.

Bibliografia sobre o biografado

Oliveira, João Brás d’Oliveira. Campos Rodrigues – Discurso pronunciado por ocasião da inauguração do seu retrato no Club Militar Naval em 12 de Março de 1906. Lisboa: Tipografia de J. F. Pinheiro, 1906.

Oom, Frederico. O Vice-Almirante Campos Rodrigues – O homem de Sciência (Lisboa: Tipografia Empresa do Diário de Notícias, 1920)

Raposo, Pedro M. P. ‘Time, weather and empires: the Campos Rodrigues Observatory in Mozambique (1905-1930)’, Annals of Science 72 (2015): 279-305. 

— ‘Observatories, instruments and practices in motion: an astronomical journey in the nineteenth century’, HoST – Journal of History of Science and Technology 8 (2013): 69-104.  

— ‘Charming tools of a demanding trade: the heritage of nineteenth-century astrometry at the Astronomical Observatory of Lisbon’, Rittenhouse – The Journal of the American Scientific Instrument Enterprise 22 (2008): 25-46.

Assunção, Carlos Fernando Torre de

Lisboa, 26 setembro 1901 – Mem Martins, Sintra, 24 novembro 1987

Palavras-chave: Petrologia/Petrografia, Ensino/Educação, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, geologia das colónias.

DOI: https://doi.org/10.58277/LRWR1652

Carlos Fernando Torre de Assunção foi um dos responsáveis pela modernização da geologia em Portugal e pioneiro da especialização nas áreas da petrologia e da geoquímica.

Depois de completado o ensino liceal na capital, Torre de Assunção ingressou na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), frequentando, em simultâneo, os preparatórios de Engenharia Militar e a licenciatura em Ciências Histórico-Naturais. Não prosseguiu os estudos de engenharia, optando antes pela licenciatura que terminou em 1922. À época, o principal destino dos licenciados em Ciências Histórico-Naturais era o ensino secundário, pelo que, no mesmo ano, Torre de Assunção iniciou a sua carreira como professor em escolas do ensino particular. Em 1923, tornou-se assistente no 1º grupo da 3ª secção, Ciências Geológicas, da FCUL, desenvolvendo a carreira docente nos ensinos universitário e secundário em paralelo até 1939, ano em que abandonou o último. Entretanto, em 1934, tinha já sido contratado como professor extraordinário pela FCUL e, em 1936, obtido o doutoramento em Ciências Geológicas com a tese Cristalização-diferenciação do magma basáltico. Observação em rochas portuguesas. Seis anos depois, em 1942, Torre de Assunção ascendeu a professor catedrático, cargo que ocupou até à jubilação, em 1971.

Torre de Assunção esteve ainda ligado à Junta de Investigações do Ultramar (JIU), com a qual iniciou uma intensa e duradoura colaboração científica no início da década de 1940. Participou em diversas missões e expedições organizadas por esta instituição, e, a partir de 1950, passou a dirigir o Laboratório de Técnicas Físico-Químicas Aplicadas à Mineralogia e Cristalografia. Foi igualmente colaborador científico dos Serviços Geológicos de Portugal, tendo sido responsável pelos estudos petrográficos/petrológicos de inúmeras folhas da Carta Geológica de Portugal na escala 1:50000 e 1:25000, publicadas entre o final da década de 1950 e o início da de 1970.

Retirado em Mem Martins durante os últimos anos da sua vida, diminuído do ponto de vista físico, Torre de Assunção morreu em 1987. Foi dado o seu nome a uma rua na freguesia de Algueirão, Mem Martins, Sintra.

***

A tese de doutoramento de Torre de Assunção encontra-se em linha com um dos problemas mais estudados à época nessas áreas de especialidade do conhecimento geológico: a origem de diferentes tipos de rochas magmáticas a partir de um mesmo magma basáltico primário. Além disso, contribuiu para que o trabalho de campo geológico passasse a ser parte integrante da investigação em petrografia/petrologia, circunstância inovadora no panorama da geologia portuguesa, uma vez que, até então, a mesma se tinha centrado, quase exclusivamente, em estudos de gabinete/laboratório. De um modo mais abrangente, Torre de Assunção fez parte de um amplo movimento de modernização da geologia em Portugal, iniciado durante a década de 1940.

Desde cedo empenhado em desenvolver a carreira académica de acordo com o modelo do professor-investigador, a primeira publicação científica de Torre de Assunção data de 1933, com um estudo dedicado às rochas vulcânicas da região de Sintra. Publicou, ainda, mais alguns trabalhos antes de completar o doutoramento, mas é a partir daí que a sua actividade enquanto investigador se revela mais significativa, sendo autor de diversos trabalhos respeitantes à descrição, análise, origem e evolução de diferentes tipos de litologias presentes no território de Portugal continental, arquipélagos da Madeira e dos Açores e antigas colónias ultramarinas. São, aliás, os estudos de Torre de Assunção relativos à geologia das antigas possessões coloniais portuguesas que levaram a que fosse convidado a ligar-se institucionalmente à JIU. De um modo geral, os trabalhos de Torre de Assunção foram a base de inúmeros estudos petrográficos/petrológicos relativos à geologia de Portugal.

Enquanto director da secção do Centro de Mineralogia e Geologia da Comissão de Estudos de Energia Nuclear, criado na FCUL pelo Instituto para a Alta Cultura (IAC), em 1954, Torre de Assunção efectuou estudos relativos aos depósitos e minerais de urânio portugueses. Foi na aplicação da radiocristalografia à determinação de minerais uraníferos que publicou uma das suas obras mais conhecidas, Tables Pour la Detérmination des Minéraux au Moyen des Rayons X, em co-autoria com Julio Garrido Mareca (Madrid, 8-11-1911 – Madrid, 14-05-1982).

Testemunhos escritos e orais dão conta das qualidades de Torre de Assunção enquanto professor, salientando-lhe a clareza do discurso, a facilidade de comunicação e a disponibilidade para com os alunos. Estes traços de carácter terão certamente contribuído para a captação de discípulos que prosseguiram a tradição de investigação em petrologia iniciada por Torre de Assunção no Centro de Estudos de Geologia da FCUL, principalmente a partir da década de 1960, quando este centro de investigação patrocinado pelo IAC desenvolveu uma actividade de investigação significativa no âmbito da geologia.

A maior parte das vezes, Torre de Assunção publicou sozinho, principalmente no Boletim do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico da Universidade de Lisboa, no Boletim da Sociedade Geológica de Portugal e em publicações da JIU. Colaborou igualmente com outros membros da comunidade geológica nacional que com ele partilharam os mesmos espaços de prática geológica, em particular o seu colega na FCUL Carlos Teixeira (Aboim, 1910 – Lisboa, 1982); José António Neves Brak-Lamy (? – ?), naturalista do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico da FCUL; António de Vasconcelos Teixeira Pinto Coelho (? – ?), investigador da Junta de Investigações do Ultramar; Georges Zbyszewski (Gatchnina, Rússia 1909 – Lisboa, 1999), Octávio Reinaldo dos Santos da Veiga Ferreira (Lisboa, 1917 – Lisboa, 1997) e Artur Cândido de Medeiros (Vila Franca do Campo, Açores 1908 – ? 1977), elementos dos Serviços Geológicos.

Desenvolvendo quase toda a sua actividade científica e profissional durante a ditadura, as oportunidades de Torre de Assunção estabelecer relações de trabalho com cientistas de outros países encontrou-se condicionada, situação generalizada no que diz respeito a praticamente toda a comunidade científica portuguesa, mas que, no seu caso, poderá ter sido exacerbada devido ao seu posicionamento político. Os congressos científicos internacionais foram as principais ocasiões que permitiram a Torre de Assunção contactar com os seus pares no estrangeiro. Em 1953, integrou, por designação ministerial, a representação portuguesa à Associação Científica do Oceano Índico e, em 1971, foi a Moscovo, para uma reunião da União Internacional de Geodesia e Geografia, onde participou como membro da secção portuguesa.

É manifesto — e, na época, até mesmo algo invulgar para um professor universitário — o elevado interesse de Torre de Assunção pelo ensino secundário, circunstância a que não foi certamente estranha a sua experiência de docência durante largos anos nesse nível de ensino. Torre de Assunção mostrou-se empenhado na formação de professores do ensino secundário, tendo participado, entre 1966 e 1970, em diversos cursos de extensão universitária promovidos pelo Centro de Estudos de Geologia da FCUL com vista à actualização do professorado em matérias de geologia. Talvez o mais relevante neste aspecto da sua actividade tenha sido o facto de, no início da década de 1970, o Gabinete de Estudos e Planeamento de Acção Educativa do Ministério da Educação Nacional ter encarregado Torre de Assunção da reforma dos programas e metodologias da disciplina de Ciências Geológicas do curso complementar dos liceus. Daí resultaram dois manuais destinados aos 6º e 7º anos, intitulados Curso de Geologia, que foram utilizados em turmas piloto no antigo Liceu de Pedro Nunes, manuais esses que marcaram uma ruptura no ensino liceal da geologia.

De acordo com o testemunho de um discípulo responsável por uma das suas notas biográficas, Torre de Assunção terá pertencido, na década de 1940, ao Núcleo de Doutrinação e Acção Socialista que, em 1944, originou a União Socialista. Aderiu ao Partido Socialista aquando da sua fundação, em 1973. As opções políticas de Torre de Assunção serviram de argumento para, na sequência das conturbadas eleições de 1945 para a Assembleia Nacional, a ditadura o incluir no grupo de professores e assistentes universitários demitidos em 1947. No entanto, novos dados permitem uma reinterpretação dos acontecimentos que conduziram à purga universitária: alguns dos elementos expulsos, entre os quais Torre de Assunção, tê-lo-ão sido mais por razões respeitantes às políticas académicas de investigação do que por razões político-ideológicas. A verdade é que Torre de Assunção foi um dos académicos que, na Universidade de Lisboa, defendeu a introdução de uma nova cultura de investigação científica, até então quase inexistente apesar das intenções legislativas. O envolvimento político que ditou o seu afastamento em 1947 terá sido assim, um pretexto para que alguns dos seus pares o afastassem, dadas as suas posições respeitantes à investigação e ensino universitários.

Pouco tempo depois da sua demissão, Torre de Assunção foi reintegrado na FCUL e, no decurso da sua vida profissional e científica subsequente, não encontrou dificuldades para exercer cargos de responsabilidade em instituições científicas ligadas ao regime, como foi o caso da JIU.

Teresa Salomé Mota

Arquivos

Arquivo Histórico do Laboratório Nacional de Energia e Geologia

Arquivo Histórico do Instituto de Investigação Científica e Tropical

Arquivo Histórico da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa

Obras

Assunção, Carlos Fernando Torre de. “Cristalização-diferenciação do magma basáltico. Observação em rochas portuguesas.” Dissertação de Doutoramento, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, 1936.

Assunção, Carlos Fernando Torre de e J. Brack-Lamy. “Géologie et Pétrographie du Massif Éruptif de Sintra-Portugal.” Boletim da Sociedade Geológica de Portugal 10 (1952): 23-57.

Assunção, Carlos Fernando Torre de e Júlio Garrido. “Tables pour la Détermination des Minéraux au Moyen des Rayons X.” Boletim do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa 20-21 (1954).

Assunção, Carlos Fernando Torre de e A. V. Pinto Coelho. “The Rocks with Charnockitic Affinities in Mozambique.” In Proceedings of the Pan-Indian Ocean Scientific Congress (1954): 29-33.

Assunção, Carlos Fernando Torre de. “Expedição Científica à Ilha do Fogo, Cabo Verde.” Memórias da Junta de Investigações do Ultramar, Série Petrográfica 1, 1954.

Assunção, Carlos Fernando Torre de. “Notas de Petrografia Timorense.” Garcia de Orta 4 (2) (1956): 265-278.

Assunção, Carlos Fernando Torre de, F.J. Mendes e M. da Silveira. “Contribuições para o Conhecimento dos Minerais de Urânio Portugueses. A Malha das Pechblendas da Metrópole Portuguesa e as suas Possíveis Relações com a Composição Química.” Revista da Faculdade de Ciências  da Universidade de Lisboa 2ª série, C – Ciências Naturais 2 (1957): 261-276. 

Assunção, Carlos Fernando Torre de, F. Machado e R. Gomes. “On the Occurrence of Carbonatites in the Cape Verde Islands.” Boletim da Sociedade Geológica de Portugal 16 (1965): 179-188.

Assunção, Carlos Fernando Torre de e M. H. Canilho. “A Petrografia da Ilha de Maio e suas Relações com a Petrografia do Arquipélago de Cabo Verde.” Boletim do Museu e Laboratório Mineralógico e Geológico da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, 11 (2) (1970): 161-191.

Assunção, Carlos Fernando Torre de. Curso de Geologia (Ciclo Complementar do Ensino Secundário Liceal). Lisboa: Ministério de Educação Nacional, 1973.

Bibliografia sobre o biografado

Almeida, Justino Mendes de. “O Prof. Torre de Assunção na Junta de Investigações do Ultramar.” Revista da Faculdade de Ciências de Lisboa 17 (1972), 2.ª série C, separata.

Alves, Carlos Matos. “Torre de Assunção (1901-1987). Um Enciclopedista no século XX.” In Memórias de Professores Cientistas, coordenado por Ana Simões, 58-65. Lisboa: Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, 2001.

Costa, João Carrington da. “Personalidade e Obra do Professor Doutor Carlos Fernando Torre de Assunção.” Revista da Faculdade de Ciências de Lisboa, 17 (1972), 2.ª série C: vii-xxviii.

Ribeiro, Orlando. “O Professor Torre de Assunção.” Revista da Faculdade de Ciências de Lisboa, 17 (1972), 2.ª série C, separata.
Simões, Ana “O Ano de 1947 e o Laboratório de Física da Faculdade de Ciências de Lisboa.” Gazeta de Física, 34 (2) (2011): 16-20.